Apologia do egoísmo
por Indalício Mendes
Reformador
(FEB) Janeiro 1946
Durante séculos,
após o advento do Cristo, os homens têm sido aconselhados a seguirem com devoção
as lições evangélicas. Entretanto, os que se haviam inculcado herdeiros dos primitivos
cristãos, falharam, acomodando-se a exigências materiais, transigindo com os
poderosos, a eles se juntando, até se "constantinizarem". Data daí, isto é, de sua "constantinização",
o início de sua queda como orientadores do pensamento cristão. Depois, outras
renúncias, o estabelecimento da simonia, as perseguições aos não-cristãos, os
tremendos crimes da Idade Média, responsável pelo rápido desenvolvimento das ideias
materialistas que irromperam no século XIX, gerando o ateísmo que empobreceu gerações
e gerações, na Europa e na América.
Os grandes ataques
sofridos pela religião, da parte de destacados líderes do pensamento humano,
provam que esta perdera seu prestígio espiritual. Antes, temida por causa das
violências que seus representantes praticavam em nome de Deus, passou a ser
motejada sem reservas. Os frades negros da Inquisição haviam sido, afinal,
substituídos por manipansos (feitiço) aparentemente inofensivos, porque, se
respeitavam a claridade, sabiam agir na sombra, à socapa... Então, a "água
tofana" (veneno
líquido muito tóxico)
e a "cadaverina" (substância orgânica encontrada em cadáveres, com odor
intenso)
faziam prodígios. Os clarões das
fogueiras inquisitoriais não serviram para iluminar o caminho da Humanidade:
apenas lhe emprestavam aspectos sombrios, pois que o fumo dos corpos calcinados
enegreceram os céus, como já sucedera quando do sacrifício de Jesus: "e, escurecendo-se o Sol, houve trevas sobre
toda a Terra"...
O individualismo
que corrói a sociedade moderna é fruto da irreligiosidade do homem. Descrente
dos dogmas, não mais acreditando nas ameaças de purgatórios e infernos, o homem
tendeu para o ceticismo, preferindo as atitudes artificiais, que lhe permitiam
dar de ombros às parlendas (palavreado inútil) papalinas, à verdadeira compreensão do
Cristianismo do Cristo. Nesse comenos, Allan Kardec recebia o sinal da missão
que haveria de realizar, para felicidade dos povos da Terra. E, codificado o
Espiritismo, que é o Cristianismo puro redivivo, a Humanidade nele está reencontrando
a trilha da felicidade, porque não tem de prestar obediência a sacerdotes, não
tem de se curvar diante de imagens, não tem de aceitar a obscuridade de dogmas
inexplicáveis perante a razão. Sabe que "o moderno espiritualismo não vem revogar as leis diretoras da evolução coletiva",
conforme explica Emmanuel, e que "as
suas concepções avançadas representam um surto evolutivo da Humanidade, uma
época de mais compreensão dos problemas da vida, sem oferecer talismãs ou artes
mágicas, com a pretensão de derrogar os estatutos da natureza. Desvenda ao
homem um fragmento dos véus que encobrem o destino do ser imortal e ensina-lhe
que a luta é o veículo do seu progresso e da sua redenção. "
Por mais estranho
que pareça, o homem precisa criar dentro de si uma nova espécie de egoísmo.
Para ser feliz, tem de fazer feliz o seu semelhante. Não poderá progredir se
cuidar apenas de si. Mas para se beneficiar, terá de cuidar do próximo. Como só
o bem produz o bem, terá de abandonar o mal para ser feliz. Deste modo, para se ajudar, deverá ajudar a
outrem. Não poderá ser bom para si próprio, se não o for para o seu semelhante.
À força de pensar
nos outros homens, ajuda-los, encorajá-los, orientá-los para o bem, livrá-los
do mal, amparando-os nas suas horas de angústia e desespero, o homem construirá
a sua própria felicidade. Desta forma, estará exercendo um novo egoísmo, porque
fará o bem do próximo desejoso de se beneficiar também. Com o Tempo, irá, insensivelmente, perdendo essa
preocupação consigo mesmo, habituando-se à prática das boas ações, ao
altruísmo, esquecendo-se de si para somente pensar em seus irmãos de provações.
Então, estará prestes a receber a maior recompensa espiritual, que é a
conquista de novos lugares em mais altos níveis da evolução humana. Porque:
"Do mesmo modo que no Direito força
evolve para a justiça, também o egoísmo evolve para o altruísmo. A proporção
que a vida eleva os indivíduos para especializações cada vez mais altas,
reorganiza-os, pelo princípio das unidades coletivas, em unidades sociais cada
vez mais complexas e compactas. A evolução opera então a demolição progressiva
do egoísmo, como operara a da força, porque necessário se faz um novo instinto
coletivo de altruísmo, que constituí o precioso cimento que amalgama os impulsos
egocêntricos e exclusivistas dos indivíduos. E na evolução social o egoísmo tem
que sofrer profundas transformações. Como todos os impulsos da evolução, ele
domina enquanto o progresso o exige; depois, excede-se a si mesmo e se
transmuda, em face de um novo progresso.
Explica-se
assim como no mundo há podido nascer, de ferozes necessidades, o princípio de
altruísmo e de bondade, tão mortífero para o eu, tão antivital, em sentido
restrito, pois que inicia uma ordem de vida que revoluciona todas as
precedentes.
Altruísmo, pois, não é renúncia, mas expansão de domínio; não é perda, mas conquista
de progresso e de compreensão e ascensão de vida." (A Grande Síntese, Ubaldi).
Em conclusão, os
sofrimentos do homem moderno devem ser encarados como indispensáveis ao
progresso do seu espírito, É verdade que fatores estranhos concorreram para lhe
aumentar as dores, como a irreligiosidade nascida da deturpação do Cristianismo pelo clero
católico, a presunção do cientificismo ateísta e pseudo-ateísta, etc. Mas, um
dia, o homem transporá todas essas barreiras e dirá, então, como Jesus:
- Eu venci o mundo!
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