Descansa o bornal vazio e vem...
José Brígido (Indalício
Mendes)
Reformador (FEB) Maio 1947
Benvindo
sejas, viandante! Larga o nodoso cajado que te serve de arrimo, descansa o
bornal vazio e vem partilhar da minha tosca mesa, onde, se o pão é minguado e
escassa a água, o coração é farto de boa vontade...
- Morrer, dormir, dormir, sonhar, talvez...
- monologa Hamlet, nas torturas da incerteza. Sonhar talvez... e ele lançou a
pergunta que disfarçava a dúvida em que se debatia: “-Sabemos nós, porventura,
que sonho teremos, com o sono da morte, depois de expulsarmos de nós uma
existência agitada?.. E a sua interrogação dolorosa continua... continua como a
dúvida que mortifica as almas refugiadas na sombra... E Hamlet conclui, desesperançado:
- Assim, somos todos covardes, mas pela consciência...
- Não corras tanto, Ben-Hadad, atrás da fortuna!
... Os homens como tu tem tempo para tudo, menos para se deslumbrarem com os
tesouros da alma... - Em cada dia, o espírito pode avançar um pouco e subir um
pouco ... Medita sobre essas coisas, Ben-Hadad, na hora da prece. Não te
aviltes na obstinada incompreensão das verdades que iluminam as almas dos que
cultivam o Bem por amor do Bem. Assim, conquistarás o Amor, conhecerás a
Caridade, habituar-te-ás ao Trabalho, sentirás a glória de Servir, aprenderás a
música suave da Humildade e compreenderás a beleza divina do Perdão...
Há doutrinas traiçoeiras que embriagam como
certos vinhos doces: o prazer passa pelos lábios, engana o coração e envenena
as ideias. E a consequência das libações seguidas é o "delirium tremens"
do fanatismo...
Gadir-ben-Ghizan! És teimoso como um asno de
Gidá! Já te disse uma vez que a Vaidade cega e embrutece o espírito. É concubina
do Ridículo e dele se vale para desgraçar os homens fracos. O vaidoso lembra o infeliz
perdido nos areais desertos: tem alucinações terríveis e enche a boca ressequida
de areia ardente, julgando banhar os lábios gretados na água fresca e
cristalina dos oásis de Tibesti-Hoggart...
"Melhor é um bocado de pão seco com
tranquilidade, do que uma casa cheia de festins com rixas" .... Por isso,
muitas vezes a felicidade beija a miséria do mendigo e despreza a opulência do potentado...
O orgulho humano é frágil como aquela
botija de barro que Jeremias quebrou ante o Portal de Lixo dos Oleiros, nas
proximidades de Jerusalém... E a vida nos mostra, todos os dias, os cacos de botijas,
misturados à lama das sarjetas...
A vida começa quando ... acaba ... Não há mistério
nisto. E à medida que o homem for iluminando o espírito, as trevas da
Ignorância se irão dissipando. O homem ignorante é como a criança que teme a
escuridão. .. E o medo lhe faz ver o que não existe e ele até se espanta com o
pulsar do próprio coração... Um provérbio antigo ensina que "a vida está
na vereda da justiça, e no seu caminho não há morte"...
Há religiões que são como as estátuas:
lindas nas formas, próximas da perfeição convencional, mas duras e frias como o
mármore em que estas foram esculpidas. São corpos sem alma ... Os que as seguem
não encontram logo o caminho de Deus, porque se desviam pelos atalhos da
Intolerância, que os sapadores do Sectarismo costumam abrir durante as noites
escuras do pensamento ....
"Suave é ao homem o pão da
mentira" - disse o sapiente Salomão. Na verdade, assim é. Quando a Dor
bate à porta do homem, ele salta a janela da Ilusão para se refugiar na Mentira
... No entanto, a Verdade está também na Dor e ele há de, um dia, encontrá-la,
porque o sofrimento explica muitas coisas, para as quais nem sempre achamos explicação
... Por enquanto, a Verdade é um fardo muito pesado e a Mentira, leve como uma
pluma ...
- E tu? Porque continuas emparedado no preconceito
que instila veneno nos corações humanos? Porque, permaneces escravo de dogmas
que obumbram as almas simples ou desprecavidas; que criam e alimentam os ódios
que restrugem através de gerações e gerações, infelicitando-as?.. Desperta, irmão!
A Razão te chama! Vem tomar o banho lustral do Entendimento! Os dogmas são
tabus, e os tabus, pesadas golilhas que matam a tua liberdade...
- Benvindo sejas, viandante! Larga o nodoso
cajado que te serve de arrimo, descansa o bornal vazio e vem partilhar da minha
tosca mesa, onde, se o pão é minguado e escassa a água, o coração é farto de
boa vontade...
- Não batas as sandálias empoeiradas na soleira
da porta. Não batas! Quero dividir contigo a côdea de pão que enriquece a minha
miséria ...
Nenhum comentário:
Postar um comentário