sábado, 30 de setembro de 2017

Morreu, acabou


Morreu, acabou
por Leopoldo Machado
Reformador (FEB) Abril 1943



Eram inimigos rancorosíssimos.

O ódio que sentiam, reciprocamente, um pelo outro, não tinha limites.

Aguardava-se, para cada momento, uma explosão violentíssima desse ódio:           
Só o assassínio de um podia solucionar, para o outro, a situação; podia trazer serenidade e segurança de vida ao outro.

E o assassínio veio.

Um tiro certeiro do mais ágil abateu, já morto, o rival, em plena praça da igreja, quando a vítima mal saia do templo.

Não houve flagrante. Um passo favorável para a defesa do assassino, que o júri absolveu.

Fora da cadeia, foi alvo de felicitações por parte dos amigos.

Confiado, agora, na sua segurança e serenidade de vida, a todos declarava, confiante e sereno:

- Agora, posso viver tranquilo. Ele morreu, acabou-se...

*

Mas, não se havia acabado, não, que a morte não acaba coisa alguma: tudo continua.

Nem o criminoso teve mais serenidade e segurança, pois que súbita loucura o arrastou ao hospício. Aí, no quarto forte, era de vê-lo transfigurado, os olhos fora das órbitas, numa atitude que apavorava, a cavar, com os dedos escalvinhados e a sangrar, o ladrilho do chão; a marrar, com a cabeça, como se fora res bravia, as paredes; a urrar ferozmente, de meter dó.

A psiquiatria foi impotente para debelar-lhe o mal.

As medidas enérgicas do hospício foram ineficientes para conte-lo quieto.

E o infeliz definhava dolorosamente, desnutrido, visto que não se alimentava, machucado e imundo.

Foi assim que apareceu, mais tarde, morto. Seu mal: terrível obsessão pelo assassinado.

Livre este então para agir com maior ódio, porque ódio velho acumulado e acrescido do que provocara seu assassínio, foi encontrar sua vítima ainda mais livre, por falta de fé pura em Deus, de uma vida útil e honesta, de muita oração e vigilância - que são as maiores garantias contra obsessões. O assassinado procurou então exercer redobrada vingança.

E tirou-a sem piedade nenhuma, arrastando-o àquela obsessão pavorosa, à morte de seu corpo, à perseguição terrível de espírito para espírito porque o ódio continuou post-mortem. A vingança e o ódio.

Ódio e vingança que persistiram até que, numa sessão espirita, foram ambos doutrinados, abrindo-se-lhes diante dos olhos da consciência, o mapa de suas responsabilidades e das consequências de seus atos.

*

Morreu acabou... já não é mais do nosso tempo, graças ao advento do Espiritismo...

A morte não extingue a vida, que continua para o bem ou para o mal.

Mais, talvez, para o mal, em face da condição de planeta inferior, de provas e expiações, peculiar à Terra.

Se não podemos, às vezes, desvencilhar-nos de inimigos que vemos, porque de carne e osso como nós, muito menos o poderemos de inimigos invisíveis: que não ouvimos nem sentimos, mas que nos veem perfeitamente, para os quais o nosso corpo é como se fosse de vidro; de inimigos que leem os nossos pensamentos e sentimentos, como nós vemos a agua através do copo.

Que as forças invisíveis que nos rodeiam nunca possam ver, através do vidro do nosso corpo, a água dos nossos sentimentos e pensamentos turvada e negra pelas nossas impurezas e imperfeições. A ausência de impurezas e imperfeições é a melhor garantia contra aqueles que, cheios de ódio contra nós, desejam realizar aquilo que não puderam, encarnados, perpetrar.

A oração e a vigilância, eis outro meio fácil de empregar-se contra tais investidas do mundo invisível.


domingo, 24 de setembro de 2017

Fanatismo e confusão


Fanatismo e confusão
Antônio Wantuil de Freitas
Reformador (FEB) Março 1948

Quando o Buda apareceu no Oriente como enviado do Espírito que presidira à  formação da Terra e a governava, como governa ainda, sua doutrina, pela sublimidade dos ensinos que continha estava muito acima da compreensão dos homens daquela época. Daí o considerarem-no seus adeptos como um Deus.

Mais tarde, o próprio Governador do planeta, julgando oportuno o momento para nova sementeira espiritual, veio pessoalmente recordar às ovelhas que o Pai lhe confiara os ensinos anteriores, que já se achavam esquecidos e até deturpados. Pregando, porém, a homens que só podiam receber o que a mentalidade de então permitia, a homens habituados aos ensinamentos iniciais de Moisés, ainda assim, modificados, alterados e interpretados de acordo com os interesses dos grupos religiosos e políticos, Jesus, o Verbo de Deus, foi recebido e tratado como o mais perigoso charlatão. Todavia, com o correr dos anos, a massa popular, intelectualmente menos atrasada, passou a admiti-lo, conforme o haviam feito os adeptos do Buda, não como o Messias anunciado e prometido, mas como o próprio Deus, como um desdobramento deste, formando com Ele a politeica trindade comum a todas as religiões antecedentes à era cristã.

Não compreendendo o Cristo qual Ele era, Espírito luminosíssimo, mui distanciado da pobreza intelectual e moral dos homens da Terra, não conseguindo explicar satisfatoriamente os "milagres" por Ele praticados no meio do povo que o rodeava, os religiosos se viram obrigados, para elucidarem os textos evangélicos, a imitar os budistas: deificaram o meigo Nazareno, confundindo a criatura com o Criador.

Não se pode, em sã consciência, recriminar os sacerdotes por esse ato, embora um tanto desrespeitoso da Divindade. A mentalidade da época era muito pequena e as palavras do Cristo, visando os séculos futuros, não podiam ser assimiladas, senão parcialmente. Por isso mesmo prever, foi que Jesus declarou ser necessária a sua saída da Terra, a fim de que outro Consolador viesse e conosco ficasse, não só para nos relembrar os seus ensinamentos, mas também para nos transmitir novos conhecimentos, quando chegasse a época de os podermos receber. E, cumprindo a sua promessa, o que aliás não podia deixar de acontecer, enviou-nos esse conjunto harmonioso de Espíritos de alta hierarquia, que trouxeram a Allan Kardec, por via de numerosos médiuns, os novos ensinos prometidos, a Lei pela qual nos deveremos guiar.

Médico de vasta cultura (1), pedagogo eminente, que mereceu a confiança do maior e mais celebre educador da Europa, Pestalozzi, Allan Kardec pôs ao serviço dessa nova Revelação, que o deslumbrou quando lhe apreendeu o alcance depois de havê-la posto em dúvida, todo o seu talento e ilustração, codificando aqueles ensinamentos e reunindo-os nas três obras que intitulou – Livro dos Espíritos, Livro dos Médiuns e Evangelho segundo o Espiritismo.

(1) Do blog: Esta informação não se confirmou após extensas pesquisas. Kardec não se graduou médico.

Quem quer que leia esses três monumentais volumes concordará em que o que eles encerram está, numa larga medida, acima, muito acima dos conhecimentos filosóficos e religiosos da época em que foram escritos e que os três são, realmente, o começo de uma revelação nova, que continuaremos a receber gradativamente, de acordo com o progresso moral e intelectual que formos armazenando, mesmo porque, para isso, o Consolador ficará conosco perenemente, conforme o disse Jesus.

Allan Kardec não foi, pois, o instrumento dessa revelação, nem tampouco os médiuns de que ele se utilizou podem ser considerados os únicos transmissores do que constitui a obra que nos traz a felicidade de que gozamos todos os espíritas. Ele foi, como os seus médiuns, escolhido para a missão que lhe perpetuou a memória, exatamente como escolhidos foram os quatro evangelistas que nos transmitiram os ensinos partidos diretamente do Cristo de Deus.

Chamemo-lo, portanto, apóstolo do Espiritismo. Prestemos-lhe a nossa homenagem sincera, reconhecidos aos benefícios que temos auferido da leitura e meditação das obras que, arcando com todo o peso da responsabilidade de elaborá-las, ele nos legou; mas, não confundamos essas obras que, por procederem do Consolador, formam um conjunto harmônico de ensinos que se não contradizem, que, ao contrário, se sucedem, lógica e gradualmente seriados, desafiando qualquer crítica séria e leal, com as outras obras do mesmo Kardec, obras pessoais, excelentes sob todos os aspectos, porém, discutíveis, como ele próprio o reconheceu, declarando que, ao apresentar muitas das questões ventiladas nelas, fê-lo como simples hipóteses. Evidenciou assim, com a sinceridade que ninguém lhe pode negar, tratar-se de obras suas, pessoal e exclusivamente suas.

O Cristo, prevendo que os homens o divinizariam, não se esqueceu de invalidar desde logo, por meio de sentenças de meridiana clareza, a sua futura divinização. Kardec, na previsão de que o transformariam em novo messias, confundindo o que era seu, fruto de suas elucubrações, com aquilo que lhe viera do Alto, cuidou de evitar desde logo essa transformação, não só assinalando o papel que lhe coubera na obra da Terceira Revelação, como tornando claro que, enquanto os seus três primeiros livros, porque de procedência divina, somente afirmações contém, o conteúdo dos outros é feito de hipóteses que ele deixava para serem explanadas no futuro, de conformidade com os progressos anunciados pela mesma revelação que lhe tocara codificar.

Assim como os ensinos do Cristo, depois de terminada a sua missão, não foram transmitidos à humanidade por um só evangelista, também os do seu enviado, o Consolador não deveriam ter um só homem por encarregado da sua difusão. Daí vem que, após haver Allan Kardec elaborado a parte fundamental da obra do Consolador, a outro teve de ser dada a incumbência de a continuar, ampliando-a. Esse outro foi J. B. Roustaing. Dissemos - continuar, porque, segundo o próprio Kardec o reconheceu, a revelação dada a Roustaing não apresenta qualquer ponto em contradição com os livros básicos do Espiritismo, por ele publicados, sendo, pois, um desenvolvimento do que nestes se encontra. Guardando reserva apenas quanto a alguns pontos da obra de Roustaing, que ele não se considerava apto a aprovar ou reprovar, não hesitou em declarar que essa obra era "considerável e encerrava outras coisas incontestavelmente boas e verdadeiras" e que seria consultada com proveito pelos espíritas conscienciosos.

Devemos levar em conta que Kardec não só emitiu uma opinião pessoal, como ainda apelou para o futuro, dizendo que só este poderia julgar convenientemente a obra ditada a Roustaing. Ora, o Mestre dispunha de excelentes médiuns, daqueles que serviram de instrumentos para a transmissão das obras fundamentais da doutrina; poderia, conseguintemeute, valer-se desses médiuns para colher a opinião dos Espíritos que o assistiam sobre a obra em questão, do que resultaria ficar sabendo e poder proclamar quais os pontos dessa obra com que os mesmos Espíritos não concordavam. Preferiu, entretanto, prescindir da autoridade destes últimos e falar por conta própria, como o fizera anteriormente, quando duvidara de que as pernas de uma mesa pudessem responder às perguntas que se lhe faziam.

Devemos ainda notar que a doutrina enfeixada nos três primeiros livros que Allan Kardec publicou é aceita, in-totum, pelos espíritas brasileiros, o que não se dá com os espíritas de outros países, os quais não são unanimes em aceitá-la, como também não a aceitam as várias outras correntes espirituaIistas existentes. É natural, portanto, naturalíssimo mesmo, que a obra evangélica de Roustaing, por conter ideias, ensinos e revelações que só pelas gerações vindouras, mais avançadas em progresso intelectual, poderão ser perfeitamente assimiladas, não seja bem acolhida por grande parte dos espíritas da geração atual, visto que muitos, por não terem apreendido o espírito da obra do Consolador e o seu caráter de progressividade, supõem que a Revelação espírita parou completa no que fez e nos legou o seu grande e venerável codificador.

Por isso mesmo, não nos parece inverossímil que ainda venham a formar-se, entre os espíritas, aqui, correntes que, alargando algumas das aberrações que já surgiram, levantem altares onde se entronize a imagem de Kardec, a quem, no entanto, exclusivamente devêramos prestar homenagens de cunho espiritual, consubstanciadas, sobretudo, na prática escrupulosa dos ensinos que ele recebeu dos Espíritos do Senhor, únicas que lhe podem ser agradáveis. Farão assim o que fizeram outros com os apóstolos do Cristo e com o próprio Cristo.

Cumpre assinalar também, e isto é muito significativo, que todos quantos reverenciam a Kardec lhe reconhecem a grandeza da obra e a estudam com amor, e, ao mesmo tempo, agasalham, meditam e propagam a Revelação da Revelação, de Roustaíng, jamais pretenderam obrigar quem quer que seja a crer nisto ou naquilo, a adotar essa revelação, nem jamais repeliram os que ainda se lhe conservam contrários. Entretanto, sem que se possa justificar, ou explicar, em face da doutrina do Espiritismo, semelhante atitude, lamentabilíssima por anti-cristã, estes últimos se levantam coléricos contra os primeiros, entendendo-os passíveis de todas as condenações. Contraste eloquente: enquanto que até a palavra ódio lhes escapa dos lábios, quando se referem aos outros, denotando um estado d’alma oposto ao em que deve permanecer sempre o discípulo do Evangelho, a mansuetude ressalta de tudo o que dizem os anatematizados, exprimindo os seus propósitos de obedecerem, até onde lhes seja possível, às lições de paciência, de resignação e de amor, dadas e exemplificadas pelo Mestre divino.

Estamos certo de que não conseguiremos, com estas despretenciosas observações, despertar, sequer, nesses nossos irmãos, o desejo de uma leitura rápida da obra que combatem. Obstam a isso o espírito de seita e o fanatismo de que se deixaram dominar e em cuja prática pensam estar a única maneira de glorificarem o eminentíssimo Codificador da Doutrina Espírita. Este se absteve de julgar a obra do seu irmão, obreiro também da divina Seara da Verdade. Antes, considerou-a digna de ser consultada pelos espíritas conscienciosos. Como se poderá compreender haja espíritas que, intitulando-se defensores da sua obra; que ninguém ataca, e seus discípulos fiéis, vão ao extremo de querer acender fogueiras, semelhantes à em que o bispo espanhol mandou lançar, em Barcelona, as obras fundamentais do Espiritismo, para a incineração de todos os volumes que existam da obra de Roustaing?

Por satisfeito nos teremos, se lograrmos induzir algum irmão nosso, que ainda não a conheça, a apreciá-la à luz da sua própria razão, lendo-a página por página. Não hesitamos em acreditar que a esse, caso seja um espirita consciencioso, ocorrerá a ideia de que bem estaria, sobre as fogueiras que se acendessem para a queima da obra de Roustaing, uma placa com estas palavras, que compõem conhecido lema: -“Trabalho, solidariedade, tolerância”.

Antônio Wantuil de Freitas (presidente da FEB por aprox. 27 anos)


Infalível é a sua razão?
Allan Kardec
Em “O Livro dos Espíritos” – Introdução - pág. XXV

0 homem que julga infalível a sua razão está bem perto do erro. Mesmo aqueles cujas ideias são as mais falsas se apoiam na sua própria razão e é por isso que rejeitam tudo o que lhes parece impossível. O que se chama razão não é muitas vezes senão orgulho disfarçado e quem quer que se considere infalível apresenta-se como igual a Deus. Dirigimo-nos, pois, aos ponderados, que duvidam do que não viram, mas que, julgando do futuro pelo passado, não creem que o homem haja chegado ao apogeu nem que a natureza lhe tenha facultado ler a última página do seu livro.  

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quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Prefácio do livro "No Oásis de Ismael"



                 Prefácio do livroNo Oásis de Ismael” – Ensinos e Meditações
Francisco Thiesen
1ª Edição FEB - 1989

"Os espíritas podem divergir nas ideias, mas não podem afastar-se da fraternidade, porque, se o fizerem, não são espíritas."
"Não há por onde fugir: ou o Evangelho é assimilado, ou não há Espiritismo."
(Dos Espíritos Bittencourt Sampaio, Pedro Richard e Romualdo de Seixas.)

Se existem razões que dispensam a apresentação de determinadas obras ao leitor, neste volume estariam elas evidenciadas em todo o seu conteúdo.

Na realidade, qualquer apreciação elogiosa do prefaciador sobre a profundidade dos pensamentos contidos nas páginas que se seguem resultaria desnecessária, eis que seu valor e beleza patenteiam-se à simples leitura atenta daqueles que aprenderam a admirar o bom e o belo.

Todavia, não resistimos ao prazer de colocar no limiar do livro, com a epígrafe, uma amostra do que ele contém da primeira à última página.

Resta-nos, assim, a tarefa de explicar as origens e o porquê da organização da obra. Todas as joias do pensamento espírita e cristão para aqui trasladadas procedem de comunicações obtidas por via mediúnica no tradicional "Grupo Ismael", cuja trajetória vale a pena rememorar , mesmo que sucintamente, para melhor conhecimento e apreciação do leitor, especialmente dos que pertencem às novas gerações de espíritas.

O "Grupo de Estudos Evangélicos do Anjo Ismael", conhecido simplesmente como "Grupo Ismael", célula de estudos evangélico-doutrinários e de trabalhos de natureza mediúnica, cuja fundação antecedeu à da Federação Espírita Brasileira, à qual se encontra incorporado desde 1895, na gestão de Bezerra de Menezes, tem suas origens nos mais antigos núcleos de estudos e práticas espíritas no Rio de Janeiro.

Sua história centenária começa, na realidade, com a fundação do pequeno "Grupo Confúcio", de efêmera duração, passando sucessivamente pela Sociedade "Deus, Cristo e Caridade", posteriormente transformada em "Sociedade Acadêmica" do mesmo nome e depois pela "Sociedade Espírita Fraternidade" que, por sua vez, transmudou-se em "Sociedade Psicológica Fraternidade". Finalmente, em 6 de junho de 1880, Antonio Luís Sayão, Bittencourt Sampaio e Frederico Pereira da Silva Júnior, juntamente com outros companheiros, organizaram o "Grupo Ismael", inicialmente denominado "Grupo dos Humildes" ou "Grupo do Sayão"; constituído pelos elementos fiéis ao Espiritismo estreitamente vinculado ao Evangelho de Jesus.

O nome "Ismael" surgiu como homenagem ao Guia Espiritual que preside os destinos da nacionalidade brasileira e orienta o movimento espiritista voltado para o Cristo de Deus.

Em mais de um século de lutas e de testemunhos, realizando reuniões semanais ininterruptas, fácil será imaginar-se o extraordinário acervo da fecunda produção mediúnica desse Grupo.

Muitas das mensagens espirituais nele recebidas foram levadas ao conhecimento público através da revista "Reformador", mas muitas outras se perderam no tempo ou nos arquivos.

Desse Grupo fizeram parte, dentre centenas de obreiros, nomes que o Movimento Espírita guardou, seja por sua dedicação à Grande - Causa, seja por sua lucidez e exemplificação em momentos cruciais do Espiritismo no Brasil: Bittencourt Sampaio, Bezerra de Menezes, Antonio Luis Sayão, Frederico Júnior, Pedro Richard, Leopoldo Cirne, Aristides Spinola, Manuel Quintão, Guillon Ribeiro, Frederico Figner, João Celani Júnior, Antônio Wantuil de Freitas, Arnaldo São Thiago são apenas alguns dos trabalhadores que se tornaram mais conhecidos no meio espírita, desde o último quartel do século passado.

No período compreendido entre junho de 1939 e dezembro de 1942, Guillon Ribeiro, com seu espírito metódico a serviço de uma sensibilidade admirável, preservou para a posteridade grande número de comunicações de Guias, Amigos e Companheiros Espirituais, recebidas pelo médium J. Celani, elucidando questões, analisando fatos, advertindo e aconselhando, enfeixando-as em três volumes publicados pela antiga Livraria da Federação, os quais despertaram grande interesse, achando-se hoje esgotados.

Francisco Thiesen, percebendo o vazio que a falta de reedição daqueles volumes constituía, especialmente para as novas gerações de espíritas que não tiveram acesso às excelentes obras, e, ponderando, por outro lado, que, pelo menos os ensinamentos mais profundos e mais atuais contidos nas belas comunicações reunidas por Guillon Ribeiro deveriam ser levadas ao conhecimento público, resolveu publicar no "Reformador" alguns extratos e excertos dos pensamentos dos diversos orientadores espirituais.

Foi o que fez, a partir de 1979 até 1984, sob o título genérico de "Ensinos e meditações do oásis de Ismael".

O presente volume enfeixa toda a compilação de Francisco Thiesen. É mais um trabalho de mérito devido ao esforço do companheiro que se acha à frente da Diretoria da Casa de Ismael há vários anos.

            Ficaram preservados, neste livro, verdadeiras sínteses do pensamento espírita cristão, orientações lúcidas para a atualidade e para o futuro, que não envelhecem porque têm o cunho da sabedoria e da intemporalidade.

Os beneficiários desta obra são todos os espiritistas sinceros, jovens ou velhos, que vão perceber que as matrizes espirituais do Espiritismo Cristão praticado na "Pátria do Evangelho" têm sua origem no Mundo Espiritual Superior.

Todos quantos labutam e porfiam em melhorar-se, seguindo o caminho indicado pelo Cristo, têm nesta obra copioso manancial de ensinamentos cristãos e preciosos esclarecimentos doutrinários para revigorar-lhes o ânimo. 

Assina: Juvanir B de Souza


Francisco Thyssen

domingo, 17 de setembro de 2017

Públio Lêntulus


Públio Lêntulus
Sylvio Brito Soares
Reformador (FEB) Agosto 1944

Quantos anos já são passados daquela manhã primaveril, em que o velho e sisudo professor, com gesto comedido, contava aos seus alunos a fábula de La Fontaine, intitulada "O Lobo e o Cordeiro"! ...

Jamais a esqueci, como também nunca olvidei a sua paternal advertência: "Meus filhos, neste mundo em que vocês, amanhã, irão trabalhar com dignidade e amor à verdade, existem, infelizmente, muitos lobos como o da fábula a que me referi".

*

As produções mediúnicas de Francisco Cândido Xavier vêm, de ano para ano, se enriquecendo com trabalhos notáveis e sobre eles a crítica sincera e desapaixonada não pode deixar de reconhecer o seu real valor. Surgiram, agora, alguns desafetos da doutrina espírita e que, procedendo como o lobo da fábula, atacam essas obras mediúnicas com a estulta pretensão de invalidá-las. Assim intencionados, com fumaças de sabichões, ei-los apontando erros de português - inexistentes - ou, então, possíveis falhas gravíssimas em suas referências históricas. Houve mesmo quem prometesse um doce à pessoa que descobrisse ter Públius Lêntulus (personagem citada no "Há Dois Mil Anos", de Emmanuel) governado a Judéia no tempo de Jesus Cristo, embora nessa obra não se encontre afirmativa alguma de que Públius Lêntulus houvesse sido governador da Judéia.

E satisfeitos verificamos no "Diário de Notícias" de 21 do mês de julho, e publicado pelo Sr. Silvano Cintra de MeIo, em resposta a essa interpelação, o interessante artigo que, "data vênia", passamos a transcrever:

O Sr. Átila Pais Barreto, em seu ineditorial (Não editorial. Diz-se da parte do jornal vendida para publicação de informação de terceiros) de 18 deste mês, tecendo comentários em torno das obras psicografadas pelo 'médium Francisco Cândido Xavier, prometeu "um doce" a quem descobrisse que Públius Lêntulus governara a Judéia no tempo do Cristo. Vou atender a essa sua solicitação, não atraído pelo "doce" prometido, possivelmente envenenado, como venenosa foi a sua crítica, e sim para que, de futuro, não se mostre o ilustre articulista tão afoito em suas assertiva.

Em "La Grande Encyclopedie" - tome 22 - Editeur, H. Lamirault et Cie. Paris, e "Enciclopedia Universal Ilustrada-Europeo-Americana", tomo XXIX. Editores, Hijos de J. Espasa, Barcelona, lê-se o seguinte: "PÚBLIUS LÊNTULUS - Suposto predecessor de Pôncius Pilatus, na Judéia, a quem é atribuída a autoria de uma carta, dirigida ao Senado e povo romano, relatando a existência de Jesus Cristo”. A Enciclopédia espanhola adianta mais: "Por essa carta, Públius Lêntulus oferece pormenores sobre o aspecto exterior de Jesus e de suas qualidades morais, terminando-a com a afirmativa de que o Cristo era "o mais formoso dos filhos dos homens". A origem deste documento é desconhecida; o certo é que foi impresso pela primeira vez na VITA CHRISTI", de Ludolfo Cartujano (CoIônia, 1474) e, pela segunda vez, na Introdução às obras de Santo Anselmo (Nuremberg, 1491)".

Caso o douto articulista Pais Barreto deseje conhecer, na íntegra, essa presumida carta escrita por Públius Lêntulus, eu recomendo manusear a coleção de "Lar Católico", creio que do ano de 1940, e lá encontrará, então, um interessante artigo subscrito por Frei Benvindo Destefani, O. F. M, e no qual esse religioso insere o conteúdo da carta em lide. E é só. Houvesse ainda, em nossos dias, o uso da palmatória..."

Se, como pretende o Sr. Pais Barreto, as obras de Chico Xavier nada tem de mediúnicas, sendo simples fantasias suas, de pronto nos acode perguntar, porque esse "suposto" médium não escolheu Pôncio Pilatus, por exemplo, em vez do senador romano Públius Lêntulus, evitando destarte quaisquer reparos por parte da crítica? Deve, sem dúvida, causar impressão a qualquer pessoa de bom senso o fato de inúmeras criaturas cultas desconhecerem ter sido contemporâneo do Cristo esse senador romano, e que Chico Xavier o fosse exumá-la das cinzas de uma remota civilização, para revivê-lo nessa interessante e comovedora narrativa da vida pregressa de Emmanuel! O certo é que este iluminado Espírito, responsável pela obra "Há Dois Mil Anos", limitou-se a ditar a verdade dos acontecimentos então ocorridos, pouco se lhe dando a ignorância humana. Que a História silencie o nome desse senador, nada mais natural porque a sua vida política não foi aureolada com qualquer atitude digna de nota pelos historiadores.

Foi ele um senador como muitos outros de sua época e cujos nomes se perderam na noite dos tempos. Ainda recentemente em nosso Pais era comum, quando, por motivos particulares, um alto servidor público necessitava ir, digamos, à Europa ou aos Estados Unidos, confiar-se-lhe uma comissão qualquer, maneira indireta de se lhe custear as despesas. Com Públius Lêntulus sucedeu a mesmíssima coisa; motivos de família impeliam-no a transferir-se para a Palestina, e César desejando ser-lhe agradável, e para de algum modo justificar sua ausência de Roma com a percepção de vencimentos, confiou-lhe a incumbência de permanecer nessa região da Ásia Menor, como seu e também emissário especial do próprio Senado. Onde não existem as nuvens
tendenciosas dos interesses subalternos, tudo é claro e perfeitamente compreensível!

*

A Bierce, com ou sem razão, declarou que "a História é uma narração quase sempre mentirosa, de fatos quase sempre insignificantes, realizados por governantes quase sempre marotos e por soldados quase sempre imbecis." Eu prefiro comparar a História a uma respeitável anciã que, pela sua idade muito avançada, tem já a memória demasiadamente enfraquecida. Esquece-se, a todo momento, de contar episódios curiosos da sua vida. Senão, vejamos: O Sr. Antônio Neves Mesquita, em sua obra - "Estudos no Livro de Gênesis" - relata o seguinte: "Os grandes guerreiros Sargão lI, Esaradon, Tiglat-Falasar, Assurbanipal, Nabucadrezar, Ciro, Dario e uma lista de outros, não eram conhecidos há dois séculos passados e por conseguinte não era conhecida a sua história. Isto bastou para que a Bíblia fosse impugnada como contrária à História, falsa, lendária, etc. Quem ousaria hoje afirmar tal coisa? A Arqueologia encarregou-se de desenterrar todas estas civilizações e faze-las viver em nosso século."

Se, há alguns anos, em comunicação mediúnica, um Espírito dissesse chamar-se Akhenaten e que fora rei da décima oitava dinastia egípcia, naturalmente surgiria um Pais Barreto qualquer a proclamar a inverdade dessa comunicação, a flagrante mistificação do médium, porque a História não consigna houvesse, naquela dinastia egípcia, existido rei algum com esse nome! E, no entanto, agora, em nossos dias, a Arqueologia veio apresentá-lo ao mundo. Esse Ahkenaten fora filho de Amenhotep III, mas a História o registara, apenas, como Amenhotep IV!!!

Grande psicólogo esse senhor La Fontaine! Suas fábulas continuarão, ainda por muitos séculos, oferecendo-nos o retrato perfeito desses "lôbos" que desejando inutilizar uma obra de amor e de verdade, como a do Espiritismo, não trepidam em lançar mão de motivos absurdos, mas perfeitamente justos em seu entender faccioso
e apaixonado .

E quanta verdade encerra este pensamento de Le Sage - "Quando a paixão entra pela porta, a razão sai pela janela"!!!


Graus de Convicção


Graus de Convicção
Cristiano Agarido (Ismael Gomes Braga)
Reformador (FEB) Janeiro 1941

A Fé que transporta montanhas é a expressão máxima da convicção dos Espíritos Superiores, perfeitamente identificados com o Criador. Dessas alturas até nós outros, há infinitas gradações de convicção.

Desde a indiferença impensante, que crê para não se dar ao trabalho de pensar, até aos que creem porque têm certeza, a escala é extensíssima. Sobe da Terra ao Céu, pelos degraus da afirmação ou desce da Terra aos abismos insondáveis, pelos degraus da negação pessimista.

A imensa maioria da humanidade, por infelicidade sua, é indiferente. Crê friamente no que ouve, mas tem o pensamento ocupado pelas necessidades materiais, que constituem, de fato, o alvo único de tudo o que ela pensa. Essa maioria ainda está adormecida para a vida espiritual, de que não cogita. Acompanha “exteriormente as traduções, sem indagar como, nem porque o faz."

Entre os que já despertaram se interrogam a si mesmos e ao mundo ambiente, existe outra escala com muitos degraus ascendentes. Nos primeiros, a convicção mal se esboça: pouca profundeza e muita curiosidade. Depois, pelo estudo, pela observação, a convicção se vai consolidando e transformando em certeza "científica" isto é, certeza que não altera o curso da vida, porque está unicamente no consciente! Em seguida, acumula-se no subconsciente e se transforma em "certeza vital", ou automatismo da crença. Desde então, inicia-se uma vida nova: todos os valores mudam de significação. Coisas que antes pareciam possuir valor imenso, descem para plano secundário; outras, ao contrário, que pareciam, insignificantes, crescem de importância,        

A ânsia de aprovação, o receio dos juízos alheios, a preocupação de justificar-se vão desaparecendo. Amortecem o temor do futuro, as esperanças entusiásticas, o apego aos bens da Terra.

Pela leitura continuada da boa literatura espírita, a pouco e pouco todos vamos conquistando o estado d’alma, que tende a abolir essa mesma literatura, salvo as mais belas que sobreviverão como obras de arte, quais alguns poemas de combate à escravidão que ainda agora se reeditam. Quando chegarmos à certeza absoluta, por exemplo, da sobrevivência, toda a primorosa literatura de Bozzano, que hoje nos encanta, terá perdido significação. Reclamaremos, então, uma literatura que não nos fale de coisa já tão, sabida, mas que nos ajude a construir em nós mesmos estados mais elevados de consciência.

São infinitas presentemente as gradações da fé; mas, essa fase é passageira. Estamos galgando novo estado de consciência, que não deixará vácuo para a dúvida ou a hesitação. Quando descerem do consciente para o subconsciente os conhecimentos que nos estão sendo ministrados pela mediunidade" a nossa fé se tornará intuição da verdade. Teremos em nossa própria alma a verdade que nos há de libertar dos grilhões do pecado e, então, seremos construtores de um novo mundo.

Do nosso vocabulário desaparecerá a palavra “impossível", porque já teremos conquistado a fé que tudo pode. 


A literatura espírita de hoje, a multiplicidade dos fenômenos por toda a face do globo são a obra preliminar, cremos, da preparação dos obreiros necessários às grandiosas realizações do terceiro milênio. Nossa convicção já está sendo elevada a novo grau. 

Horas Claras


Horas Claras
Sylvio Brito Soares
Reformador (FEB) Junho 1944
  
O ensaísta inglês século passado, Hazlitt, descobriu, certa ocasião, nos arredores de Veneza, esta bela inscrição: Eu só conto as horas claras. Esta frase, em sua singeleza, encerra uma lição profunda para nós, espíritas. Adverte-nos que Deus só considera dignas de apreço as horas claras do nosso viver. A maior soma delas habilita-nos a fruir sutis, harmoniosas e doces vibrações espirituais.

É precisamente essa claridade imperecível de nosso ser anímico, que torna fácil o nosso acesso às puras regiões do amor divino. Os nobres impulsos de nosso coração se transformam em pétalas de luz e as suas paixões lúgubres enodoam as nossas almas! Que felicidade inaudita será a nossa no dia em que nos habituarmos a registar no mostrador imenso do relógio da eternidade da vida, somente horas claras de amor, de virtude, de piedade, de trabalho, de sacrifícios e de holocaustos de fé! 

As horas sombrias da vaidade, do orgulho, da ambição, da luxúria e do ódio oferecem, a princípio, a ilusão de se tornarem, num futuro próximo, o melhor padrão do nosso heroísmo e a mais nobre herança que poderemos transmitir aos nossos descendentes. Quando, porém, essa ilusão se desvanece e as horas sombrias começam a badalar tenaz e soturnamente no recesso de nossas almas, é que vamos aprender, compreender e sentir que só na luz clara que emana do trabalho-amor está a força capaz de fazer girar os ponteiros do relógio da nossa evolução eterna! 

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

O Próximo


O Próximo
Emmanuel por Chico Xavier
Reformador (FEB) Abril 1954

O próximo, em cada minuto, é aquele coração que se acha mais próximo do nosso, por divina sugestão de amor, no caminho da vida.

No lar, é a esposa e o esposo, os pais e os filhos, os parentes e os hóspedes.

No templo do trabalho comum, é o chefe e o subordinado, o cooperador e o companheiro.

Na via pública, é o irmão ou o amigo anônimo que partilham conosco a mesma estrada e o mesmo clima.

Na esfera social, é a criança e o doente, o desesperado e o triste, as afeições e os laços da solidariedade comum.

Na luta contundente do esforço humano, é o adversário e o colaborador, o inimigo declarado ou oculto ou, ainda, o associado de ideais que simbolizam nossos instrutores.

Em toda parte, encontrarás o próximo, buscando-te a capacidade de entender e de ajudar.

Auxilia-o com aquilo que possuas de melhor.

0s santos e os heróis ainda não residem na Terra. Somos Espíritos humanos, mistos de luz e sombra, amor e egoísmo, inteligência e ignorância.

Cada homem, na fase evolutiva em que nos encontramos, traz uma coroa incompleta de rei e uma espada de tirano.

Se chamas o fidalgo, encontrarás um servidor...  Se procuras o guerreiro, terás um inimigo feroz pela frente...

Por isso mesmo, reafirmou Jesus o velho ensinamento da Lei - "ama o próximo, como a ti mesmo.”


É que o Espírito, quando ama verdadeiramente, encontra mil meios de auxiliar, a cada instante, e o próximo, na essência, é o degrau que surge diante do nosso coração por abençoado caminho de acesso à Glória Celestial. 

quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Kardecista, roustainista ou espiritista?




Kardecista, roustainista ou espiritista?
Roberto Macedo
Reformador (FEB) Outubro 1943


Procuremos, preliminarmente, fixar os contornos da palavra "kardecismo", determinando-lhe o verdadeiro conteúdo. Que é "kardecismo"? Ao pé da letra, o partido de Kardec. Nesse sentido, seremos "kardecistas", isto é, partidários religiosos daquele que se tornou universalmente famoso sob o pseudônimo de Allan Kardec? Impõe-se a resposta afirmativa. Todo espiritista ou espírita (para usarmos a expressão que a lei do menor esforço veio tornar usual) é partidário de Kardec, reconhece-o como codificador da doutrina e pioneiro da sua dialética. A própria Federação Espírita Brasileira, tão serena em pleno tumulto, realiza, todas as sextas-feiras, estudos públicos alternados sobre "O Livro dos Espíritos" e "O Livro dos Médiuns". A efígie de Kardec ilumina não só os papéis oficiais da Federação, como a capa do "Reformador", seu órgão representativo. Infelizmente, porém, não é nesse sentido amplo, legitimado pela etimologia, que se costuma empregar o vocábulo "kardecismo". Em ambiente mais teosofista do que propriamente espírita já ouvi a definição seguinte: "Kardecismo é a doutrina que não permite trabalhos práticos." Sem intuito de polêmica, peço licença para discordar. Kardecismo não é doutrina especifica sobre trabalhos práticos, restrita aos horizontes da mediunidade. É todo um sistema, admiravelmente desdobrado através de vários livros. Seus reflexos se estendem ás fronteiras da filosofia, da ciência, da religião. Os que assim definem o kardecismo exageram o escrúpulo revelado por Kardec, em relação aos trabalhos práticos. Exigir cuidados
especiais não é condenar. Urge apresentar o argumento pelo avesso: tanto Kardec aceitou os trabalhos práticos, que até procurou rodeá-los de requisitos assecuratórios da sua utilidade moral. Demais, compreende-se bem que Kardec fosse avaro na propaganda de intercâmbios particulares entre encarnados e desencarnados, numa fase por assim dizer infantil do Espiritismo cristão, mal interpretado e mal praticado ainda hoje, quando adulto.

Não menos prejudicial e inverídico é confundir kardecismo com a tese da corporeidade material de Jesus.

Em primeiro lugar, tenho dúvidas de que Kardec houvesse repelido formalmente a corporeidade fluídica de Jesus. Aceitando o fato como possível, definiu-o como hipótese, parecendo inclinar-se pela sua inviabilidade e inoportunidade, naquela época.

Em segundo lugar, dando de barato que Kardec houvesse rejeitado in totum a corporeidade fluídica, nem por isso estaríamos autorizados a simbolizar nesse acidente todo o conjunto da sua obra. Suponhamos - para aventar um exemplo, perante o qual a ninguém será licito subterfugir - que se tenha em vista definir "getulismo"; ora, o Sr. Getúlio Vargas afirmou algures que o maior poeta do Brasil é Gonçalves Dias; logo, estaria autorizada a definição: "getulista é aquele que admite Gonçalves Dias como o maior poeta do Brasil" . .. Não. A obra do Sr. Getúlio Vargas é profunda demais para caber nesse juízo rasteiro; a opinião sobre Gonçalves Dias não passa de acidente topográfico no panorama do conjunto.

E, em terceiro lugar, lembremo-nos do caráter evolutivo do Espiritismo, proclamada por Kardec, Roustaing e outros bandeirantes da ideia nova. Kardec vacilou a respeito da fluidicidade, faz quase um século; outros vacilam agora, impressionados com o arrojo aparente do fenômeno. Porque seremos tolerantes para com estes e não para com o missionário, em cuja boa vontade encontraram os Espíritos terreno propício à veiculação do Espiritismo? Se Roustaing "sempre considerou a Kardec o verdadeiro fundador da Doutrina Espírita." ("Os Quatro Evangelhos", vol. I, pag. 79), se o mesmo Roustaing encontrou em "O Livro dos Espíritos" - ''uma moral pura, uma doutrina racional, de harmonia com o espírito e o progresso dos tempos modernos" ("Os Quatro Evangelhos", vol. I. pag. 8), isso não empresta a Kardec o dom da infalibilidade ou da imprescritibilidade.

Quanto aos discípulos de Roustaing e de Kardec, talvez nem sempre tão cordatos entre si quanto deveriam, creio que se sentiram empolgados por esse grandioso estado de consciência que é a posse da verdade, mesmo contingente.


Criaturas humanas... O Cristo perdoou a Pedro faltas mais graves e nem por ter sido faltoso sentiu o apóstolo lhe minguarem as forças, no momento supremo, para a gloriosa humilhação do madeiro. Tais discípulos voltarão - se já não voltaram alguns - aliados naturais da evangelização, fraternalmente ligados pelo vínculo superior do Espiritismo, quer dizer do Cristianismo moderno. 

O Corpo fluídico da Bíblia

O Corpo Fluídico na Bíblia
I. Pequeno (Antônio Wantuil )
Reformador (FEB) Março 1944

Quando Esdras foi autorizado pela Sinagoga Magna a rever e compilar os Livros Sagrados, os hebreus não tinham, no seu Catálogo, o livro de Tobias, escrito em caldaico pelo próprio Tobias e por seu filho.

Atualmente, não existe qualquer exemplar nessa língua, tanto assim que a versão latina, de S. Jerônimo, foi feita da versão grega, da qual se diferencia em alguns pontos de pequena importância.

As edições populares da Bíblia, distribuídas pelos Protestantes, não incluem o Livro de Tobias, que, no entanto, faz parte das edições católicas, e mereceu aprovação dos teólogos e dos Concílios.

Nesse Livro, encontraremos o anjo Rafael, que sob a forma humana viveu vários meses entre os familiares de Tobias, com o nome de Azarias (socorro de Deus)...

Depois de cumprida a missão, Azarias, confessando ser ele o anjo Rafael, desapareceu de diante deles, que não mais o viram.

Antes, porém, de efetuar a desmaterialização dos fluidos com que formara o seu corpo, disse-lhes:

"A vós parecia-vos que eu comia e bebia convosco, mas eu me sustento de manjar invisível e de bebida que não pode ser vista pelos homens. É pois tempo que eu volte para Aquele que me enviou."

Como vemos, Rafael formou o seu corpo fluídico, viveu alguns meses entre os homens, e desmaterializou-se em presença da família a que viera proteger e encaminhar.

Esse fato nos demonstra que os Espíritos não criaram uma nova teoria, quando transmitiram, pela mediunidade mecânica da Sra. Collignon, as explicações de todos os versículos dos Evangelhos, na obra Os Quatro Evangelhos, de Roustaing, obra única e incomparável no gênero, por ser a única que nos faz compreender o Cristo, nem Deus, nem homem, mas, como enviado daquele que lhe entregou a direção do nosso planeta.




O Desenvolvimento da Mediunidade


 O Desenvolvimento da Mediunidade
Aurélio A. Valente
Reformador (FEB) Março 1944

O desenvolvimento da mediunidade é uma das tarefas mais árduas dos que se dedicam à prática do Espiritismo. Além da experiência do mundo, precisam ter em elevado grau o senso da observação, para bem analisarem as comunicações, os Espíritos e os médiuns, a fim de tirarem dos fenômenos as mais proveitosas lições.

Quase todos, presidentes, médiuns e assistentes, tem pelos fenômenos, uma impaciência doentia, desejando resultados imediatos, sem levarem em conta que "a pressa é inimiga da perfeição".

As árvores frondosas, que dão a melhor sombra e os melhores frutos, levam anos para atingir o seu completo crescimento.

Muitos confrades não ligam ao desenvolvimento da mediunidade todo carinho que deve merecer esse abençoado trabalho, alegando que os Espíritos é que se encarregam de escolher os seus médiuns e produzir os fenômenos que desejam, e para corroborar suas afirmativas citam casos de pessoas que nunca se assentaram em mesas de sessões terem recebido manifestações. Ninguém contesta; porém, esses casos são em número reduzido. Esses médiuns, classificados por Allan Kardec, de espontâneos ou naturais, nem por isso dispensam a assistência de espíritas esclarecidos para poderem fazer bom uso da sua faculdade.

Não há ninguém capaz de dizer que Pedro, Sancho ou Paulo sejam médiuns, pois, nenhum sinal notável se observa no indivíduo. Só a experimentação o prova. E isso também é difícil, porque se há pessoas que recebem comunicações logo da primeira vez que comparecem a uma sessão, outras há que só o conseguem depois de meses, havendo ainda outras que só mesmo depois de anos de assiduidade e perseverança logram-no conseguir.

Pelo que acabamos de dizer, é o bastante para se verificar a necessidade de cuidarmos do desenvolvimento gradual e metódico dos médiuns, porque só pela instrução em geral, da parte moral e doutrinária do Espiritismo, poderão eles servir de instrumentos dóceis aos Espíritos comunicantes.

Em nosso trabalho anterior, fizemos referências às vibrações dos Espíritos e dos médiuns, e dos esforços que os primeiros fazem para estabelecer o equilíbrio a fim de se produzir o fenômeno. Assim, não podemos deixar de fazer um reparo no que se passa em grande número de Centros. É frequente vermos médiuns já desenvolvidos, segundo afirmam, a dar passes desordenados, sem a menor orientação, sobre os outros que se acham em desenvolvimento. A nosso ver, isso longe de favorecer dificulta seriamente.

Se a experiência nos diz que não há dois médiuns iguais, logicamente nem todos os médiuns desenvolvidos servem para dar passes, e muito menos para auxiliar o desenvolvimento da mediunidade.

Se, para a combinação de duas vibrações, como dissemos, há dificuldades, maiores serão elas para a harmonia de quatro: do médium desenvolvido e seu guia, e do médium em desenvolvimento e do Espírito que se quer manifestar.

Como se originou essa prática? Não o sabemos. O certo é que, no O Livro dos Médiuns, Allan Kardec diz que estava dando bom resultado o colocar um médium psicográfico, desenvolvido, a mão sobre a do médium em desenvolvimento, ou, mesmo, no ombro deste; porém, isso não é passe, na pura acepção do termo, e sim aposição da mão, do mesmo modo que faziam os Apóstolos conforme se lê nos Atos dos Apóstolos.

Os passes desordenados são prejudiciais. Não se pode dar passes sem preparo prévio, pois eles variam segundo a sua finalidade. Há passes horizontais, verticais, concêntricos, rotativos e dispersivos e, assim, o seu emprego não pode ser indistinto.

É preciso notar-se, também que nem sempre há afinidade entre o médium em desenvolvimento e o que lhe fica atrás. Deste modo, como se operar o fenômeno com facilidade?

Em muitos grupos, os confrades se envaidecem ao mencionarem o elevado número de médiuns desenvolvidos em seu meio, entretanto, quando se deseja uma receita, uma consulta, um estudo interessante, não aparece um só médium que sirva.

O desenvolvimento da mediunidade deve ser objeto de escrupuloso cuidado de todos os que se dedicam ao Espiritismo prático, pois não necessitamos de muitos médiuns sofríveis ou medíocres, bastando-nos poucos, mas, bons e seguros. Em Espiritismo, é preciso observar, não fazemos questão de quantidade, mas, sim, de qualidade.