domingo, 17 de setembro de 2017

Públio Lêntulus


Públio Lêntulus
Sylvio Brito Soares
Reformador (FEB) Agosto 1944

Quantos anos já são passados daquela manhã primaveril, em que o velho e sisudo professor, com gesto comedido, contava aos seus alunos a fábula de La Fontaine, intitulada "O Lobo e o Cordeiro"! ...

Jamais a esqueci, como também nunca olvidei a sua paternal advertência: "Meus filhos, neste mundo em que vocês, amanhã, irão trabalhar com dignidade e amor à verdade, existem, infelizmente, muitos lobos como o da fábula a que me referi".

*

As produções mediúnicas de Francisco Cândido Xavier vêm, de ano para ano, se enriquecendo com trabalhos notáveis e sobre eles a crítica sincera e desapaixonada não pode deixar de reconhecer o seu real valor. Surgiram, agora, alguns desafetos da doutrina espírita e que, procedendo como o lobo da fábula, atacam essas obras mediúnicas com a estulta pretensão de invalidá-las. Assim intencionados, com fumaças de sabichões, ei-los apontando erros de português - inexistentes - ou, então, possíveis falhas gravíssimas em suas referências históricas. Houve mesmo quem prometesse um doce à pessoa que descobrisse ter Públius Lêntulus (personagem citada no "Há Dois Mil Anos", de Emmanuel) governado a Judéia no tempo de Jesus Cristo, embora nessa obra não se encontre afirmativa alguma de que Públius Lêntulus houvesse sido governador da Judéia.

E satisfeitos verificamos no "Diário de Notícias" de 21 do mês de julho, e publicado pelo Sr. Silvano Cintra de MeIo, em resposta a essa interpelação, o interessante artigo que, "data vênia", passamos a transcrever:

O Sr. Átila Pais Barreto, em seu ineditorial (Não editorial. Diz-se da parte do jornal vendida para publicação de informação de terceiros) de 18 deste mês, tecendo comentários em torno das obras psicografadas pelo 'médium Francisco Cândido Xavier, prometeu "um doce" a quem descobrisse que Públius Lêntulus governara a Judéia no tempo do Cristo. Vou atender a essa sua solicitação, não atraído pelo "doce" prometido, possivelmente envenenado, como venenosa foi a sua crítica, e sim para que, de futuro, não se mostre o ilustre articulista tão afoito em suas assertiva.

Em "La Grande Encyclopedie" - tome 22 - Editeur, H. Lamirault et Cie. Paris, e "Enciclopedia Universal Ilustrada-Europeo-Americana", tomo XXIX. Editores, Hijos de J. Espasa, Barcelona, lê-se o seguinte: "PÚBLIUS LÊNTULUS - Suposto predecessor de Pôncius Pilatus, na Judéia, a quem é atribuída a autoria de uma carta, dirigida ao Senado e povo romano, relatando a existência de Jesus Cristo”. A Enciclopédia espanhola adianta mais: "Por essa carta, Públius Lêntulus oferece pormenores sobre o aspecto exterior de Jesus e de suas qualidades morais, terminando-a com a afirmativa de que o Cristo era "o mais formoso dos filhos dos homens". A origem deste documento é desconhecida; o certo é que foi impresso pela primeira vez na VITA CHRISTI", de Ludolfo Cartujano (CoIônia, 1474) e, pela segunda vez, na Introdução às obras de Santo Anselmo (Nuremberg, 1491)".

Caso o douto articulista Pais Barreto deseje conhecer, na íntegra, essa presumida carta escrita por Públius Lêntulus, eu recomendo manusear a coleção de "Lar Católico", creio que do ano de 1940, e lá encontrará, então, um interessante artigo subscrito por Frei Benvindo Destefani, O. F. M, e no qual esse religioso insere o conteúdo da carta em lide. E é só. Houvesse ainda, em nossos dias, o uso da palmatória..."

Se, como pretende o Sr. Pais Barreto, as obras de Chico Xavier nada tem de mediúnicas, sendo simples fantasias suas, de pronto nos acode perguntar, porque esse "suposto" médium não escolheu Pôncio Pilatus, por exemplo, em vez do senador romano Públius Lêntulus, evitando destarte quaisquer reparos por parte da crítica? Deve, sem dúvida, causar impressão a qualquer pessoa de bom senso o fato de inúmeras criaturas cultas desconhecerem ter sido contemporâneo do Cristo esse senador romano, e que Chico Xavier o fosse exumá-la das cinzas de uma remota civilização, para revivê-lo nessa interessante e comovedora narrativa da vida pregressa de Emmanuel! O certo é que este iluminado Espírito, responsável pela obra "Há Dois Mil Anos", limitou-se a ditar a verdade dos acontecimentos então ocorridos, pouco se lhe dando a ignorância humana. Que a História silencie o nome desse senador, nada mais natural porque a sua vida política não foi aureolada com qualquer atitude digna de nota pelos historiadores.

Foi ele um senador como muitos outros de sua época e cujos nomes se perderam na noite dos tempos. Ainda recentemente em nosso Pais era comum, quando, por motivos particulares, um alto servidor público necessitava ir, digamos, à Europa ou aos Estados Unidos, confiar-se-lhe uma comissão qualquer, maneira indireta de se lhe custear as despesas. Com Públius Lêntulus sucedeu a mesmíssima coisa; motivos de família impeliam-no a transferir-se para a Palestina, e César desejando ser-lhe agradável, e para de algum modo justificar sua ausência de Roma com a percepção de vencimentos, confiou-lhe a incumbência de permanecer nessa região da Ásia Menor, como seu e também emissário especial do próprio Senado. Onde não existem as nuvens
tendenciosas dos interesses subalternos, tudo é claro e perfeitamente compreensível!

*

A Bierce, com ou sem razão, declarou que "a História é uma narração quase sempre mentirosa, de fatos quase sempre insignificantes, realizados por governantes quase sempre marotos e por soldados quase sempre imbecis." Eu prefiro comparar a História a uma respeitável anciã que, pela sua idade muito avançada, tem já a memória demasiadamente enfraquecida. Esquece-se, a todo momento, de contar episódios curiosos da sua vida. Senão, vejamos: O Sr. Antônio Neves Mesquita, em sua obra - "Estudos no Livro de Gênesis" - relata o seguinte: "Os grandes guerreiros Sargão lI, Esaradon, Tiglat-Falasar, Assurbanipal, Nabucadrezar, Ciro, Dario e uma lista de outros, não eram conhecidos há dois séculos passados e por conseguinte não era conhecida a sua história. Isto bastou para que a Bíblia fosse impugnada como contrária à História, falsa, lendária, etc. Quem ousaria hoje afirmar tal coisa? A Arqueologia encarregou-se de desenterrar todas estas civilizações e faze-las viver em nosso século."

Se, há alguns anos, em comunicação mediúnica, um Espírito dissesse chamar-se Akhenaten e que fora rei da décima oitava dinastia egípcia, naturalmente surgiria um Pais Barreto qualquer a proclamar a inverdade dessa comunicação, a flagrante mistificação do médium, porque a História não consigna houvesse, naquela dinastia egípcia, existido rei algum com esse nome! E, no entanto, agora, em nossos dias, a Arqueologia veio apresentá-lo ao mundo. Esse Ahkenaten fora filho de Amenhotep III, mas a História o registara, apenas, como Amenhotep IV!!!

Grande psicólogo esse senhor La Fontaine! Suas fábulas continuarão, ainda por muitos séculos, oferecendo-nos o retrato perfeito desses "lôbos" que desejando inutilizar uma obra de amor e de verdade, como a do Espiritismo, não trepidam em lançar mão de motivos absurdos, mas perfeitamente justos em seu entender faccioso
e apaixonado .

E quanta verdade encerra este pensamento de Le Sage - "Quando a paixão entra pela porta, a razão sai pela janela"!!!


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