Públio Lêntulus
Sylvio Brito Soares
Reformador
(FEB) Agosto 1944
Quantos anos já são passados daquela manhã primaveril, em
que o velho e sisudo professor, com gesto comedido, contava aos seus alunos a
fábula de La Fontaine, intitulada "O Lobo e o Cordeiro"! ...
Jamais a esqueci, como também nunca olvidei a sua paternal
advertência: "Meus filhos, neste
mundo em que vocês, amanhã, irão trabalhar com dignidade e amor à verdade,
existem, infelizmente, muitos lobos como o da fábula a que me referi".
*
As produções mediúnicas de Francisco Cândido Xavier vêm, de
ano para ano, se enriquecendo com trabalhos notáveis e sobre eles a crítica
sincera e desapaixonada não pode deixar de reconhecer o seu real valor.
Surgiram, agora, alguns desafetos da doutrina espírita e que, procedendo como o
lobo da fábula, atacam essas obras mediúnicas com a estulta pretensão de
invalidá-las. Assim intencionados, com fumaças de
sabichões, ei-los apontando erros de português - inexistentes - ou, então,
possíveis falhas gravíssimas em suas referências históricas. Houve mesmo quem
prometesse um doce à pessoa que descobrisse ter Públius Lêntulus (personagem
citada no "Há Dois Mil Anos", de Emmanuel) governado a Judéia no
tempo de Jesus Cristo, embora nessa obra não se encontre afirmativa alguma de
que Públius Lêntulus houvesse sido governador da Judéia.
E satisfeitos verificamos no "Diário de Notícias"
de 21 do mês de julho, e publicado pelo Sr. Silvano Cintra de MeIo, em resposta
a essa interpelação, o interessante artigo que, "data vênia",
passamos a transcrever:
O Sr. Átila Pais Barreto, em seu ineditorial (Não editorial. Diz-se da parte do jornal vendida para
publicação de informação de terceiros) de
18 deste mês, tecendo comentários em torno das obras
psicografadas pelo 'médium Francisco Cândido Xavier, prometeu "um
doce" a quem descobrisse que Públius Lêntulus governara a Judéia no tempo
do Cristo. Vou atender a essa sua solicitação, não atraído pelo
"doce" prometido, possivelmente envenenado, como venenosa foi a sua
crítica, e sim para que, de futuro, não se mostre o ilustre articulista tão
afoito em suas assertiva.
Em "La Grande Encyclopedie" - tome 22 - Editeur,
H. Lamirault et Cie. Paris, e "Enciclopedia Universal Ilustrada-Europeo-Americana",
tomo XXIX. Editores, Hijos de J. Espasa, Barcelona, lê-se o seguinte: "PÚBLIUS
LÊNTULUS - Suposto predecessor de Pôncius Pilatus, na Judéia, a quem é atribuída
a autoria de uma carta, dirigida ao Senado e povo romano, relatando a
existência de Jesus Cristo”. A Enciclopédia espanhola adianta mais: "Por
essa carta, Públius Lêntulus oferece pormenores sobre o aspecto exterior de
Jesus e de suas qualidades morais, terminando-a com a afirmativa de que o
Cristo era "o mais formoso dos filhos dos homens". A origem deste
documento é desconhecida; o certo é que foi impresso pela primeira vez na VITA
CHRISTI", de Ludolfo Cartujano (CoIônia, 1474) e, pela segunda vez, na
Introdução às obras de Santo Anselmo (Nuremberg, 1491)".
Caso o douto articulista Pais Barreto deseje conhecer, na íntegra,
essa presumida carta escrita por Públius Lêntulus, eu recomendo manusear a
coleção de "Lar Católico", creio que do ano de 1940, e lá encontrará,
então, um interessante artigo subscrito por Frei Benvindo Destefani, O. F. M, e
no qual esse religioso insere o conteúdo da carta em lide.
E é só. Houvesse ainda, em nossos dias, o uso da palmatória..."
Se, como pretende o Sr. Pais Barreto, as obras de Chico
Xavier nada tem de mediúnicas, sendo simples fantasias suas, de pronto nos acode
perguntar, porque esse "suposto" médium não escolheu Pôncio Pilatus,
por exemplo, em vez do senador romano Públius Lêntulus, evitando destarte
quaisquer reparos por parte da crítica? Deve,
sem dúvida, causar impressão a qualquer pessoa de bom senso o fato de inúmeras
criaturas cultas desconhecerem ter sido contemporâneo do Cristo esse senador
romano, e que Chico Xavier o fosse exumá-la das cinzas de uma remota
civilização, para revivê-lo nessa interessante e comovedora narrativa da vida
pregressa de Emmanuel! O certo é que este iluminado Espírito, responsável pela
obra "Há Dois Mil Anos", limitou-se a ditar a verdade dos
acontecimentos então ocorridos, pouco se lhe dando a ignorância humana. Que a
História silencie o nome desse senador, nada mais natural porque a sua vida
política não foi aureolada com qualquer atitude digna de nota pelos
historiadores.
Foi ele um senador como muitos outros de sua época e cujos
nomes se perderam na noite dos tempos. Ainda recentemente em nosso Pais era
comum, quando, por motivos particulares, um alto servidor público necessitava
ir, digamos, à Europa ou aos Estados Unidos, confiar-se-lhe uma comissão
qualquer, maneira indireta de se lhe custear as despesas. Com Públius Lêntulus
sucedeu a mesmíssima coisa; motivos de família impeliam-no a transferir-se para
a Palestina, e César desejando ser-lhe agradável, e para de algum modo justificar
sua ausência de Roma com a percepção de vencimentos, confiou-lhe a incumbência
de permanecer nessa região da Ásia Menor, como seu e também emissário especial
do próprio Senado. Onde não existem as nuvens
tendenciosas
dos interesses subalternos, tudo é claro e perfeitamente compreensível!
*
A Bierce, com ou sem razão, declarou que "a História é uma narração quase sempre
mentirosa, de fatos quase sempre insignificantes, realizados por governantes
quase sempre marotos e por soldados quase sempre imbecis." Eu prefiro
comparar a História a uma respeitável anciã que, pela sua idade muito avançada,
tem já a memória demasiadamente enfraquecida. Esquece-se, a todo momento, de
contar episódios curiosos
da sua vida. Senão, vejamos: O Sr. Antônio Neves Mesquita, em sua obra - "Estudos
no Livro de Gênesis" - relata o seguinte: "Os grandes guerreiros
Sargão lI, Esaradon, Tiglat-Falasar, Assurbanipal, Nabucadrezar, Ciro, Dario e
uma lista de outros, não eram conhecidos há dois séculos passados e por
conseguinte não era conhecida a sua história. Isto bastou para que a Bíblia fosse
impugnada como contrária à História, falsa, lendária, etc. Quem ousaria hoje
afirmar tal coisa? A Arqueologia encarregou-se de desenterrar todas estas
civilizações e faze-las viver em nosso século."
Se, há alguns anos, em comunicação mediúnica, um Espírito
dissesse chamar-se Akhenaten e que fora rei da décima oitava dinastia egípcia,
naturalmente surgiria um Pais Barreto qualquer a proclamar a inverdade dessa
comunicação, a flagrante mistificação do médium, porque a História não consigna
houvesse, naquela dinastia egípcia, existido rei algum com esse nome! E, no
entanto, agora, em nossos dias, a Arqueologia veio apresentá-lo ao mundo. Esse
Ahkenaten fora filho de Amenhotep III, mas a História o registara, apenas, como
Amenhotep IV!!!
Grande psicólogo esse senhor La Fontaine! Suas fábulas
continuarão, ainda por muitos séculos, oferecendo-nos o retrato perfeito desses
"lôbos" que desejando inutilizar uma obra de amor e de verdade, como
a do Espiritismo, não trepidam em lançar mão de motivos absurdos, mas
perfeitamente justos em seu entender faccioso
e
apaixonado .
E quanta verdade encerra este pensamento de Le Sage - "Quando a paixão entra pela porta, a razão
sai pela janela"!!!
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