ANTOLOGIA UBALDIANA - 15
A GRANDE
SÍNTESE
CAPÍTULO
67- A ORAÇÃO DO VIANDANTE
Alma
cansada, abatida à margem da estrada, para um instante na eterna trajetória da
vida, larga o fardo de tuas expiações e repousa.
Ouve
como está plena de harmonias a obra de Deus! O ritmo dos fenômenos irradia doce
e grandiosa música. Por meio das formas exteriores, os dois mistérios, da alma
e das coisas, observam-se e se sentem. Das profundezas, o teu espírito ouve e
compreende. A visão das obras de Deus produz paz e esquecimento; diante da
divina beleza da criação, aquieta-se a tempestade do coração; paixão e dor
adormecem em lento e doce canto sem fim. Parece que a mão de Deus, através das
harmonias do universo, acalenta, qual brisa confortadora, tua fronte prostrada
pela fadiga aí se detém como uma carícia. Beleza, repouso da alma, contato com
o divino! Então o viandante deprimido se reanima, com renovado pressentimento
de sua meta. Não parece mais tão longa a jornada, tão comprida, quando se para
um instante para dessedentar-se numa fonte. Então a alma contempla, antecipa e
se alivia na caminhada. Com o olhar fixo para o Alto, é mais fácil retomar em
seguida o caminho cansativo.
Na
estrada dolorosa, para, enxuga tua lágrima e ouve. O canto é imenso, as
harmonias chegam do infinito para beijar-te a fronte, ó cansado viandante da
vida. Ao lado do trovão das vozes titânicas do universo, murmuram num sussurro
de beleza as delicadas vozes das humildes criaturas irmãs: “Também eu, eu
também sou filha de Deus, luto e sofro, carrego o meu peso e busco minha
vitória. Também eu sou vida, na grande vida do Todo”. E tudo, desde o fragor da
tempestade, até o canto matutino do sol, do sorriso do recém nascido ao
grito dilacerante da alma, tudo, com sua voz, revela-se a si mesmo e sintoniza
com as vozes irmãs; tudo exprime seu mistério íntimo; cada ser manifesta o
pensamento de Deus. Quando a dor atinge as mais íntimas fibras de teu coração,
ouves uma voz que te diz: DEUS; quando a carícia do crepúsculo te
adormece no sono silencioso das coisas, uma voz te diz: DEUS. Quando
ruge a tempestade e a terra treme, uma voz te diz DEUS! Essa estupenda
visão supera qualquer dor.
Para,
escuta e ora. Abre os braços à criação e repete com ela: “Deus, eu te amo”!
Tua oração, não mais admiração amedrontada pelo poder divino, agora é mais
elevada: é amor. Oração doce, que brota como um canto que a alma repete, ecoa
de fraga em fraga por toda a terra, de onda em onda pelos mares, de estrela em
estrela pelos espaços infinitos. É a palavra sublime do amor que as unidades
colossais dos universos repetem contigo, em uníssono com a voz perdida do último
inseto que, tímido, esconde-se entre a grama. Parece perdida; no entanto, Deus
a conhece também, recolhe-a e a ama. No infinito do espaço e do tempo, somente
esta força, essa imensa onda de amor, mantém tudo compacto em harmônico
desenvolvimento de forças. A visão suprema das últimas coisas, da ordem em que
caminham todas as criaturas, dar-te-á sozinha um sentido de paz; de verdadeira
paz, de paz profunda, de alma saciada, porque percebe sua mais elevada meta.
Assim
Deus Se afigura-te ainda maior do que em seu poder de Criador, afigura-se te na
potência de Seu amor. Explode, ó alma! Não temas! O novo Deus da Boa-Nova do
Cristo é bondade. Não mais os raios vingativos de Júpiter, mas a verdade
que convence, o carinho que ama e perdoa. O abismo infinito que olhas assustado
não está para engolir-te, nas trevas do mistério, abre-se cheio de luz e, no
âmago, canta sem fim o hino da vida. Lança-te afoito, porque nesse abismo
reside o amor. Não digas: “não sei”, dize antes: “eu amo!”
Ora!
ora diante das imensas obras de Deus, diante da terra, do mar, do céu.
Pede-lhes que te falem de Deus, pede aos efeitos a voz da causa, pede às
formas o pensamento e o princípio que a todas anima. E todas as formas se
aglomerarão em redor de ti, estender-te-ão seus braços fraternos, olhar-te-ão
com mil olhos feitos de luz e o eterno sorriso da vida te envolverá como uma
carícia. Essas mil vozes dirão: “Vem, irmão, sacia teu olhar interior, busca
força na visão sublime. A vida é grande e bela, mesmo na dor mais atroz e tenaz
é sempre digna de ser vivida”. Tomar-te-ão pelo braço, gritando: “Vem,
atravessa o limiar e olha o mistério. Vê: não podes morrer jamais, jamais
morrer. Tua dor passa, com ela sobes e fica o resultado. Não temas a
morte nem a dor: não são o fim, nem o mal, são o ritmo da renovação e
caminhos de tuas ascensões. A vida é um canto sem fim. Canta conosco, canta com
toda a criação, o canto infinito do amor”.
Ora
assim, ó alma cansada: “Senhor, bendito sejas, sobretudo pela irmã dor, porque
ela me aproxima de Ti. Prostro-me diante de Tua imensa obra, mesmo se nela
minha parte é esforço. Nada posso pedir-Te, porque tudo já é perfeito e justo
em Tua criação, mesmo meu sofrimento, mesmo minha imperfeição transitória.
Aguardo no posto de meu dever a minha maturação. Repouso em Tua contemplação”.
Responde,
ó alma, ao imenso amplexo, verdadeiramente sentirás Deus. Se a inteligência dos
grandes se prostra e venera, curva-se diante do poder do conceito e de sua
realização, e se aproxima do Divino pelas cansadas vias da mente, o coração dos
humildes atinge a Deus pelos caminhos da dor e do amor. Sente-O pelas estradas
dessa sabedoria mais profunda.
Ora
assim, ò alma cansada. Descansa a cabeça em Seu peito e repousa.
"Nada posso pedir-te pois tudo já é perfeito..."
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