segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

Antologia Ubaldiana - 16

 

ANTOLOGIA UBALDIANA - 16

 A GRANDE SÍNTESE 

CAPÍTULO 70. AS BASES PSÍQUICAS 

DO FENÔMENO BIOLÓGICO

             A causa, o princípio das coisas, reside no seu próprio íntimo. Os efeitos estão no seu exterior. Cada fenômeno tem um tempo próprio relativo, que lhe estabelece e mede o ritmo de transformação, tem sua velocidade do devenir. A sucessão que, no tempo, passa de causa a efeito, é também uma sucessão de desenvolvimento, que vai do âmago à superfície; é uma dilatação do princípio, em sua manifestação. Assim é o psiquismo. Vedes esse íntimo impulso manifestar-se em toda parte: primeiro na direção da química da vida, mediante a formação do plasma, por seu crescimento, reprodução e evolução; depois na construção dos órgãos internos que, com seu funcionamento orgânico, permitem manter-se vivas as unidades superiores dos órgãos externos, que lhe asseguram a nutrição e a defesa, a vida e a evolução; por fim, na direção geral, impressa em toda essa máquina, sob o impulso do instinto e da razão. Aqui transparece evidente o psiquismo. Em vossas classificações zoológicas, reunis os seres por afinidade morfológica. A anatomia comparada indica-vos órgãos homólogos. Essa homologia vos dá a perceber os parentescos e, com base nessas semelhanças, agrupais plantas e animais em ordens, gêneros, séries e espécies. Não podeis agir doutra maneira, porque partis do exterior e da forma. Isso está certo, porque parentesco de formas significa parentesco de conceito genético, afinidade morfológica e afinidade do princípio animador do psiquismo. Mas não basta. Esses agrupamentos seriam mais compreensíveis se concebidos em sua causa, em seu impulso íntimo determinante, mais do que apenas como forma exterior. É preciso introduzir o fator psíquico na interpretação de todos os fenômenos biológicos, aprofundando a química orgânica no campo super-orgânico do psiquismo diretor; é mister criar uma ultrazoologia e botânica, que estude o conceito e os parentescos entre os conceitos, as afinidades psíquicas, mais do que as orgânicas, e a evolução do pensamento animador das formas. 

             Há três tipos de natureza: 

             O reino físico (mineral, geológico, astronômico) que compreende a matéria.

            O reino dinâmico (as forças) que compreende as formas de energia.

            O reino biológico psíquico (vegetal, animal, humano, espiritual) que compreende os fenômenos da vida e do psiquismo.

            Esta é a trindade das formas de vosso universo. As classificações zoológicas e botânicas não devem ser classificações de unidades orgânicas, mas de unidades psíquicas. É preciso enfrentar objetivamente o psiquismo da vida, a parte mais ignorada e negligenciada por vós, tomando-o como critério nas classificações e o fio condutor da evolução da espécie; observando-o, não mais na construção e funcionamento dos órgãos particulares, mas no movimento que o psiquismo imprime a toda a máquina; coordenando todos os seus atos para metas exatas, que revelam uma vontade exata com proporções de meios ao fim, com lógica e presciência profundas. É unicamente neste campo que reside a solução do mistério dos instintos, a explicação da técnica da hereditariedade, da sobrevivência, da evolução.

            Essa é uma direção inteiramente nova que deveis dar à biologia, à fisiologia e à patologia; uma orientação de acordo com o mais amplo conceito unitário, sem o qual todos os fenômenos, vistos por um único aspecto incompleto, vos parecerão mutilados e inexplicáveis. Sempre que o efeito aproxima-se do psiquismo animador, vos encontrais detidos diante da muralha do incompreensível. Agora as classificações estão feitas; a anatomia vos é conhecida; conhecido é o mecanismo químico da vida; está na hora de descer mais fundo no campo das causas. Mais do que da paciência do coletor de observações, a ciência precisa agora da síntese da intuição; além de gabinetes, de microscópios e telescópios, precisa acima de tudo de grandes almas, que saibam olhar desde seu próprio íntimo, até o âmago dos fenômenos; e saibam sentir, através das formas, a misteriosa substância que nelas se oculta.

            Não é mais tempo de negar um princípio tão evidente. Vimos que toda a evolução, da estequiogênese para cima, dirige-se para as formas do psiquismo, pois para ele se orienta o progresso fenomênico do universo, qual meta racional de todo o caminho. Na massa de fatos coletados e acumulados há um impulso que não se pode deter, uma direção que não se pode mudar. No psiquismo sobrevive o princípio elétrico da vida. Com efeito, tudo o que vive, ou se atrai, ou se repele; traz um sinal de amor ou de ódio; quer e tende irresistivelmente a fundir-se ou a destruir-se. Em cada forma, há um quid psíquico, um motor: é a substância da vida, é a vontade de viver que a sustenta, uma tensão que plasma e guia, um poder que dirige e arrasta a vida. Tirai esse princípio e ela logo cai. Além da aparência da forma vos indico essa substância, que lhe é a causa, desloco e aprofundo o conceito da evolução darwiniana. Vós parais nela diante da realidade exterior, da evolução das formas, do último efeito estampado na matéria. Eu penetro na realidade, partindo da concatenação evolutiva dos efeitos até a concatenação evolutiva das causas. Para mim não é essencial observar as formas que evoluem, a não ser  para seguir as causas que evoluem. Passo do conceito de evolução das formas biológicas, ao de evolução das formas determinantes; passo do estudo da evolução dos tipos orgânicos, mortos, ao estudo da evolução dos tipos psíquicos vivos e atuantes. O conceito darwiniano completa-se, assim, indo da série de organismos para uma “sucessão lógica de unidades dinâmicas”. 

             De agora em diante a ciência deve dirigir-se para esse centro, sem o qual a máquina da vida não se movimenta, não existe meta, e num instante se arruína, caindo à mercê de princípios menos elevados. Como pudesteis crer que um organismo perfeito e complexo, qual o corpo humano, podia manter-se e funcionar sem um psiquismo central regulador? Não basta dizer qual a química da respiração, da assimilação e da circulação; nem verificar o perfeito entrosamento de todas as engrenagens que presidem a essas três funções básicas. Nas profundidades do metabolismo celular existe a presciência do instinto, que realiza por si, sem intervenção da ciência; esta, por vezes, custa a compreender. Há não apenas maravilhoso ritmo de equilíbrios, mas resistências deles a desvios; há autodefesa orgânica, feita de sabedoria imersa nas profundidades do subconsciente; há uma medicina mais profunda que a humana, porque sabe vencer, muitas vezes, apesar dos ataques desta. A elevação térmica do processo febril, a fagocitose, o equilíbrio bacteriológico mantido entre amigos e inimigos, num ambiente saturado de micróbios patogênicos, a contínua reconstrução química dos tecidos, e mil outros fenômenos, fazem pensar numa vontade sábia que conhece e quer essa ordem. Quanto mais o organismo estiver no alto, mais é delicado e vulnerável; mais se torna difícil, por sua complicação, sua sobrevivência; o psiquismo supre, progredindo paralelamente na perfeição das defesas.

             A função cria o órgão e o órgão cria a função. O sistema nervoso criou o funcionamento orgânico e o dirige; o funcionamento orgânico reforça, desenvolve e aperfeiçoa o sistema nervoso. O psiquismo caminha paralelo à evolução dos organismos. Existe uma evolução, nas formas da luta e da seleção, que cada vez se tornam mais psíquicas e poderosas. Há  passagens no funcionamento orgânico, há metamorfoses químicas, que vos escapam e caminham, dirigidas apenas pelo fio condutor desse psiquismo. Na assimilação do intestino, as substâncias desaparecem de um lado, para reaparecerem do outro, completamente transformadas. Para explicar isto não basta o mecanismo da osmose. O alimento digerido todo junto, depois de haver atravessado a grande sala das desinfecções que é o estômago, em contato com as vilosidades do intestino no tubo interno que digere, passa através das paredes deste para os vasos sanguíneos. Nesse processo de diálise, a substância absorvida muda sua natureza química. O processo é tão delicado e em relação tão direta com o sistema nervoso e psíquico central, que uma impressão o altera. Isso é fato da experiência comum. Depois há a viagem do sangue para a distribuição do alimento absorvido, para ligar todas as partes num banho de vida. Com a respiração, o ar cede seu oxigênio e com ele a potência de um raio de sol; o sangue o pega para levá-lo a queimar-se e consumir-se lá embaixo no dinamismo celular dos tecidos e dos órgãos, para depois ressurgir em seu psiquismo. Que laboratório químico! Nele, a cada instante, restabelece-se o equilíbrio. Por sístoles e diástoles vai e volta o impulso da vida, circula o suco energético reconstrutor; a cada instante ferve o trabalho reparador da permuta; multidões de esquizomicetos viajam e param, aninham-se e acorrem, fazem paz ou guerra, levando saúde ou ruína. 

             Por meio desse refinamento evolutivo, que culmina no espírito, ao lado da progressiva desmaterialização das formas, o futuro se prepara à preponderância transbordante do psiquismo e prepara um banquete energético extraído de um raio de sol. Sem luta nem assassinatos, repousareis saciados de eflúvios solares, absorvendo diretamente seu dinamismo. Isto acontece em planetas mais evoluídos que o vosso, mas para vós, constitui um futuro ainda distante. Estômago e sangue formaram-se em vós como são agora, e através de idades incalculáveis, portanto, oferecem uma resistência proporcional para manter-se em sua linha atávica de funcionamento. Nem mesmo a venenosa síntese artificial das substâncias alimentares é própria para libertar-vos do animalesco circuito da química intestinal. Nem a introdução direta dos princípios nutritivos no sangue é trabalho adequado para vossa medicina de superfície, grosseira e violenta.

 


Um comentário:

  1. "Com a respiração o ar cede o seu oxigênio e com ele a potência de um raio de sol."

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