ANTOLOGIA
UBALDIANA - 16
A GRANDE
SÍNTESE
CAPÍTULO
70. AS BASES PSÍQUICAS
DO FENÔMENO
BIOLÓGICO
A causa, o
princípio das coisas, reside no seu próprio íntimo. Os efeitos estão no seu
exterior. Cada fenômeno tem um tempo próprio relativo, que lhe estabelece e
mede o ritmo de transformação, tem sua velocidade do devenir. A sucessão que,
no tempo, passa de causa a efeito, é também uma sucessão de desenvolvimento,
que vai do âmago à superfície; é uma dilatação do princípio, em sua
manifestação. Assim é o psiquismo. Vedes esse íntimo impulso manifestar-se em
toda parte: primeiro na direção da química da vida, mediante a formação do
plasma, por seu crescimento, reprodução e evolução; depois na construção dos
órgãos internos que, com seu funcionamento orgânico, permitem manter-se vivas
as unidades superiores dos órgãos externos, que lhe asseguram a nutrição e a
defesa, a vida e a evolução; por fim, na direção geral, impressa em toda essa
máquina, sob o impulso do instinto e da razão. Aqui transparece evidente o
psiquismo. Em vossas classificações zoológicas, reunis os seres por afinidade
morfológica. A anatomia comparada indica-vos órgãos homólogos. Essa homologia
vos dá a perceber os parentescos e, com base nessas semelhanças, agrupais
plantas e animais em ordens, gêneros, séries e espécies. Não podeis agir doutra
maneira, porque partis do exterior e da forma. Isso está certo, porque
parentesco de formas significa parentesco de conceito genético, afinidade
morfológica e afinidade do princípio animador do psiquismo. Mas não basta.
Esses agrupamentos seriam mais compreensíveis se concebidos em sua causa, em
seu impulso íntimo determinante, mais do que apenas como forma exterior. É
preciso introduzir o fator psíquico na interpretação de todos os fenômenos
biológicos, aprofundando a química orgânica no campo super-orgânico do
psiquismo diretor; é mister criar uma ultrazoologia e botânica, que
estude o conceito e os parentescos entre os conceitos, as afinidades psíquicas,
mais do que as orgânicas, e a evolução do pensamento animador das formas.
Há três tipos de
natureza:
— O reino
físico (mineral, geológico, astronômico) que compreende a matéria.
— O reino
dinâmico (as forças) que compreende as formas de energia.
— O reino
biológico psíquico (vegetal, animal, humano, espiritual) que
compreende os fenômenos da vida e do psiquismo.
Esta é a trindade
das formas de vosso universo. As classificações zoológicas e botânicas não
devem ser classificações de unidades orgânicas, mas de unidades psíquicas. É
preciso enfrentar objetivamente o psiquismo da vida, a parte mais ignorada e
negligenciada por vós, tomando-o como critério nas classificações e o fio
condutor da evolução da espécie; observando-o, não mais na construção e
funcionamento dos órgãos particulares, mas no movimento que o psiquismo imprime
a toda a máquina; coordenando todos os seus atos para metas exatas, que revelam
uma vontade exata com proporções de meios ao fim, com lógica e presciência
profundas. É unicamente neste campo que reside a solução do mistério dos
instintos, a explicação da técnica da hereditariedade, da sobrevivência, da
evolução.
Essa é uma
direção inteiramente nova que deveis dar à biologia, à fisiologia e à
patologia; uma orientação de acordo com o mais amplo conceito unitário, sem o
qual todos os fenômenos, vistos por um único aspecto incompleto, vos parecerão
mutilados e inexplicáveis. Sempre que o efeito aproxima-se do psiquismo
animador, vos encontrais detidos diante da muralha do incompreensível. Agora as
classificações estão feitas; a anatomia vos é conhecida; conhecido é o
mecanismo químico da vida; está na hora de descer mais fundo no campo das
causas. Mais do que da paciência do coletor de observações, a ciência precisa
agora da síntese da intuição; além de gabinetes, de microscópios e telescópios,
precisa acima de tudo de grandes almas, que saibam olhar desde seu próprio
íntimo, até o âmago dos fenômenos; e saibam sentir, através das formas, a
misteriosa substância que nelas se oculta.
Não é mais tempo
de negar um princípio tão evidente. Vimos que toda a evolução, da
estequiogênese para cima, dirige-se para as formas do psiquismo, pois para ele
se orienta o progresso fenomênico do universo, qual meta racional de todo o
caminho. Na massa de fatos coletados e acumulados há um impulso que não se pode
deter, uma direção que não se pode mudar. No psiquismo sobrevive o princípio
elétrico da vida. Com efeito, tudo o que vive, ou se atrai, ou se repele;
traz um sinal de amor ou de ódio; quer e tende irresistivelmente a fundir-se ou
a destruir-se. Em cada forma, há um quid psíquico, um motor: é a
substância da vida, é a vontade de viver que a sustenta, uma tensão que
plasma e guia, um poder que dirige e arrasta a vida. Tirai esse princípio e ela
logo cai. Além da aparência da forma vos indico essa substância, que lhe é a
causa, desloco e aprofundo o conceito da evolução darwiniana. Vós parais nela
diante da realidade exterior, da evolução das formas, do último efeito
estampado na matéria. Eu penetro na realidade, partindo da concatenação
evolutiva dos efeitos até a concatenação evolutiva das causas. Para mim não
é essencial observar as formas que evoluem, a não ser para seguir as
causas que evoluem. Passo do conceito de evolução das formas biológicas, ao
de evolução das formas determinantes; passo do estudo da evolução dos
tipos orgânicos, mortos, ao estudo da evolução dos tipos psíquicos vivos
e atuantes. O conceito darwiniano completa-se, assim, indo da série de
organismos para uma “sucessão lógica de unidades dinâmicas”.
De agora em
diante a ciência deve dirigir-se para esse centro, sem o qual a máquina da vida
não se movimenta, não existe meta, e num instante se arruína, caindo à mercê de
princípios menos elevados. Como pudesteis crer que um organismo perfeito e
complexo, qual o corpo humano, podia manter-se e funcionar sem um psiquismo
central regulador? Não basta dizer qual a química da respiração, da assimilação
e da circulação; nem verificar o perfeito entrosamento de todas as engrenagens
que presidem a essas três funções básicas. Nas profundidades do metabolismo
celular existe a presciência do instinto, que realiza por si, sem intervenção
da ciência; esta, por vezes, custa a compreender. Há não apenas maravilhoso
ritmo de equilíbrios, mas resistências deles a desvios; há autodefesa orgânica,
feita de sabedoria imersa nas profundidades do subconsciente; há uma medicina
mais profunda que a humana, porque sabe vencer, muitas vezes, apesar dos
ataques desta. A elevação térmica do processo febril, a fagocitose, o
equilíbrio bacteriológico mantido entre amigos e inimigos, num ambiente
saturado de micróbios patogênicos, a contínua reconstrução química dos tecidos,
e mil outros fenômenos, fazem pensar numa vontade sábia que conhece e quer essa
ordem. Quanto mais o organismo estiver no alto, mais é delicado e vulnerável;
mais se torna difícil, por sua complicação, sua sobrevivência; o psiquismo supre,
progredindo paralelamente na perfeição das defesas.
A função cria o
órgão e o órgão cria a função. O sistema nervoso criou o funcionamento orgânico
e o dirige; o funcionamento orgânico reforça, desenvolve e aperfeiçoa o sistema
nervoso. O psiquismo caminha paralelo à evolução dos organismos. Existe uma
evolução, nas formas da luta e da seleção, que cada vez se tornam mais
psíquicas e poderosas. Há passagens no funcionamento orgânico, há
metamorfoses químicas, que vos escapam e caminham, dirigidas apenas pelo fio
condutor desse psiquismo. Na assimilação do intestino, as substâncias
desaparecem de um lado, para reaparecerem do outro, completamente
transformadas. Para explicar isto não basta o mecanismo da osmose. O alimento
digerido todo junto, depois de haver atravessado a grande sala das desinfecções
que é o estômago, em contato com as vilosidades do intestino no tubo interno
que digere, passa através das paredes deste para os vasos sanguíneos. Nesse
processo de diálise, a substância absorvida muda sua natureza química. O
processo é tão delicado e em relação tão direta com o sistema nervoso e
psíquico central, que uma impressão o altera. Isso é fato da experiência comum.
Depois há a viagem do sangue para a distribuição do alimento absorvido, para
ligar todas as partes num banho de vida. Com a respiração, o ar cede seu
oxigênio e com ele a potência de um raio de sol; o sangue o pega para levá-lo a
queimar-se e consumir-se lá embaixo no dinamismo celular dos tecidos e dos
órgãos, para depois ressurgir em seu psiquismo. Que laboratório químico! Nele,
a cada instante, restabelece-se o equilíbrio. Por sístoles e diástoles vai e
volta o impulso da vida, circula o suco energético reconstrutor; a cada
instante ferve o trabalho reparador da permuta; multidões de esquizomicetos
viajam e param, aninham-se e acorrem, fazem paz ou guerra, levando saúde ou
ruína.
Por meio desse
refinamento evolutivo, que culmina no espírito, ao lado da progressiva
desmaterialização das formas, o futuro se prepara à preponderância transbordante
do psiquismo e prepara um banquete energético extraído de um raio de sol. Sem
luta nem assassinatos, repousareis saciados de eflúvios solares, absorvendo
diretamente seu dinamismo. Isto acontece em planetas mais evoluídos que o
vosso, mas para vós, constitui um futuro ainda distante. Estômago e sangue
formaram-se em vós como são agora, e através de idades incalculáveis, portanto,
oferecem uma resistência proporcional para manter-se em sua linha atávica de
funcionamento. Nem mesmo a venenosa síntese artificial das substâncias
alimentares é própria para libertar-vos do animalesco circuito da química
intestinal. Nem a introdução direta dos princípios nutritivos no sangue é
trabalho adequado para vossa medicina de superfície, grosseira e violenta.
"Com a respiração o ar cede o seu oxigênio e com ele a potência de um raio de sol."
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