ANTOLOGIA UBALDIANA - 14
A GRANDE SÍNTESE
59. TELEOLOGIA DOS FENÔMENOS BIOLÓGICOS
(Teleologia = Estudo da Finalidade)
A vida: panorama sem limites. Filha da energia onipresente, a vida está em toda a parte no universo, nascida do mesmo princípio universal e diferentemente desenvolvida, como resultante exata do impulso determinante e das reações das forças ambientais. Pambiose, não por transmissão de esporos ou de germes por via interplanetária e interestelar, mas pela onipresença da grande mãe, a energia — o princípio positivo, ativo que se une à matéria, princípio negativo e passivo. O germe do psiquismo desceu como raio do céu nas vísceras da matéria, que o estreitou em seu seio, num profundo amplexo, envolvendo-o em si, dando-lhe um corpo, uma veste, a forma de sua manifestação concreta.
Vós mesmos sois esse fenômeno, mas sabeis que — desde as limitadas plagas do universo — a vida irmã, filha da mesma mãe, responde. Cada planeta, cada sistema planetário, cada estrela está plena dela, nas mais variadas formas, com meios e finalidades diversíssimos. Abandonai vosso piedoso antropomorfismo, que vos considera centro do universo e únicos filhos de Deus; abri os braços de par em par a todas as criaturas irmãs, afinai com elas vosso canto e vosso trabalho de ascensão.
Subir, subir — eis a grande paixão de toda a vida — para um poder e uma consciência que não aceitam limitações. Mesmo em vossa Terra, desde os primeiros microorganismos, esta é a aspiração constante, a vontade tenaz da vida.
Olhai em torno de vós. O panorama da vida terrestre, só por si, é imenso. A profusão dos germes, a potencialidade das espécies é tão grande que, sem a reação dos germes e espécies opostas ou concorrentes, uma só delas bastaria para invadir todo o planeta. A vida é tão frágil, tão vulnerável e, no entanto, tão poderosa, que é praticamente indestrutível. Observai os tesouros de sabedoria, como são profusos em suas formas. Quanta perspicácia sutil, que requintes de astúcia, que resistência de meios, que complexidade de arquitetura na construção orgânica, que economia e exatidão na divisão do trabalho e, ao mesmo tempo, que elasticidade! Vedes sintetizada na vida a mais alta sabedoria da natureza. Como seria possível que fenômenos reveladores de tão profunda inteligência e sabedoria, diante das quais a vossa se desorienta, tivessem acontecido assim, irracionalmente, e fossem filhos do acaso? Como a ciência lógica e racional pôde ser tão vergonhosamente míope, a ponto de não perceber o grande conceito que transborda sobre todos os fenômenos da vida e sua finalidade superior, que tudo explica e dirige? Que desastre quando quiseram trazer essas aberrações para o campo ético e social! O materialismo, se por um lado auxiliou o despontar de uma pseudo-civilização mecânica, atrasou de um século o progresso espiritual da humanidade.
Olhai em torno de vós. Do protozoário ao homem, da célula ao mais complexo organismo, é sempre idêntica essa febre de ascensão, essa vontade indestrutível de viver. Indestrutível porque sabe superar qualquer obstáculo, vencer qualquer inimigo, triunfar de todas as mortes. Em toda parte um supremo instinto de luta, para sustentar o fenômeno máximo, cuja conservação despendem-se prodigamente todos os recursos e inteligências da vida. Em seu redor a natureza trepidante acumula todas as suas conquistas e todas as suas defesas. Se existe uma lógica na natureza, como vo-lo demonstra cada fato, como seria possível que, diante da finalidade suprema, falhasse essa lógica, renegando-se, quando em todas as ocasiões mostrou-se presente, com indomável vontade e assombrosa sabedoria?
Vós vos perdeis no pormenor; o particular vos afoga.
Observais o átimo fugitivo, não a totalidade do fenômeno no tempo. Desanima-vos o choque da dor, a falência de um caso. No dédalo da grande complexidade fenomênica, vossa consciência não sabe orientar-se: sente-se impotente diante da compreensão das grandes causas. Então dizeis: por que, por que viver? O animal, como o homem inferior, cuja consciência não sabe ultrapassar o nível da vida física, não faz essa tremenda pergunta.
Mas ela assinala o primeiro despertar do espírito, sob o chicote da dor. Os choques atômicos e dinâmicos, neste nível, tornam-se paixão e dor. Com o mesmo cálculo exato de forças, determinam-se fenômenos e criações de ordem psíquica. Quando o ser se pergunta por que? então surgiu na vida uma criatura nova: o espírito. Na dor ele evoluirá gigantescamente.
Por que viver? Por que sofrer? Não! Não basta o círculo de vossas coisas humanas: paixões, ilusões, conquistas e dores, para dar uma resposta. A alma sente que, com essa pergunta, assoma às pavorosas e abismais distâncias do infinito, e treme.
As vossas filosofias, a ciência e as próprias religiões não sabem dar-vos uma resposta convincente; não vos sabem dizer o porquê de certos destinos obscuros, que parecem sem esperança, em seres puros e inocentes, destinos de condenação que parecem acusar a inconsciência na criação e a injustiça na Divindade. Não sabem dizer-vos o porquê de tantas disparidades e deficiências físicas e morais, de meios materiais e espirituais.
Então acusais loucamente. Revoltais-vos com a revolta cega do homem cego que tateia nas trevas. Um triste abalo, e permanece a dor, não vencida, individual e coletivamente. Assim desenrola-se o fio de vosso destino e vós não sabeis. A sorte dos inconscientes vos guia: a de subir ignorando as leis da vida. Levantai-vos! eu vos digo. Ensino-vos nova luta, mais elevada que essa fútil e vil que diariamente vos subjuga e vos atira inutilmente contra vosso semelhante. Ensino-vos a guerra santa do trabalho: do trabalho que cria a alma, uma construção eterna. Ofereço-vos como inimigo, não vosso semelhante e irmão, mas leis biológicas que tendes que superar; ensino-vos a conquistar novos graus da evolução e a realização, em nosso planeta, de uma lei super-humana, da qual estão banidos vileza, traição, egoísmo, agressividade. Demonstro-vos que vossa personalidade, pela própria lógica de todos os fenômenos é indestrutível; que, pelos princípios vigorantes em todo o universo, existis para o bem e a felicidade; que o futuro vos espera a todos, para cada um subir até ele, de acordo com seu trabalho. As respostas tremendas aos grandes “por quês”, eu ofereço-vos naquela atmosfera de límpida logicidade, em que nos movimentamos sempre neste escrito, no qual cada fenômeno tem uma explicação natural. À mente humana falta o sentido das supremas finalidades, num mundo de fome espiritual e de perturbação geral; num momento de desorientação catastrófica eu venho dizer a palavra da bondade e da esperança. Não a digo apenas com os conceitos da fé que destruísteis: digo-a com os princípios da ciência, em que vos habituasteis a acreditar.
Aí, onde o mundo admira e venera o que vence por qualquer meio, chamo a meu lado o homem mais sofrido e desventurado e lhe digo: “Amo-te, meu irmão; admiro-te, criatura eleita”. Onde o mundo apenas respeita a força e despreza o fraco que jaz derrotado, eu digo ao humilde e vencido: tua dor é a maior grandeza da Terra, é o trabalho mais intenso, a criação mais poderosa; porque a dor faz o homem, martela sua alma, plasma-a e levanta, lança-a para o Alto, para Deus. Que grande homem pode igualar-te? Que triunfador das forças da Terra jamais realizou uma criação verdadeiramente eterna como a tua?
Não maldigas a dor. Não conheces suas longínquas raízes; não sabes qual foi a última onda, impulsionada por uma infinita cadeia de ondas, que constituiu o teu presente. Num universo tão complexo, no seio de um organismo de forças regido por uma lei tão sábia, que nunca falhou definitivamente, como podes acreditar que teu destino esteja abandonado ao acaso, e o desequilíbrio momentâneo, que te aflige e te parece injustiça, não seja condição de mais alto e mais perfeito equilíbrio?
Deus é tudo: não apenas o bem. Não pode ter rivais nem inimigos: é um bem maior que o mal, que ele compreende e constrange a alcançar seus objetivos. Como podes acreditar, mesmo ignorando as forças que agem em ti, que estejas abandonado ao acaso? Não! Seja que o chames Pai, com a palavra da fé; ou cálculo de forças, com a palavra da ciência; a substância é a mesma: estais vigiado por uma vontade e uma sabedoria superiores; um equilíbrio profundo te dirige. Lembra-te de que, no organismo universal, as palavras “acaso” e “injustiça” constituem um absurdo. Não pode haver erro nem imperfeição, senão como fase de transição, como meio de criação. A lei da vida é alegria e o bem, mesmo que para realizar-se integralmente seja necessário atravessar a dor e o mal. Repito: “Felizes os que sofrem. Os últimos serão os primeiros”.
Deus vê os espíritos, mede substancialmente as culpas, proporciona as provas às forças e, no momento exato, diz: basta, repousa! Então a terrível tempestade da dor transforma-se em serena paz, em que brilha a consciência alegre da conquista realizada; abrem-se, então, as portas do céu e a alma contempla extasiada; das tempestades emergem seres elevados a um grau mais alto de evolução. Não maldigas. Se a natureza — tão econômica até em sua prodigalidade, tão equilibrada em seus esforços — permite essa derrota, como biologicamente é a morte, e uma tal falência de tuas aspirações, como a dor, isto não pode significar, na lógica do funcionamento universal, senão fenômenos que não são nem perda nem derrota, mas incluem, escondidos neles, uma função criadora.
A dor tem uma função fundamental na economia e no desenvolvimento da vida, especialmente em seu psiquismo. Sem sofrimento o espírito não progrediria. Por isso a dor é a primeira coisa de que vos falo ao ingressardes na vida. Ela é aí colocada como fato substancial, pois é o esforço da evolução, a nota fundamental do fenômeno biológico. A dor, produzida pelo choque das forças ambientais opostas ao eu, excita-lhe como reação todas as atividades e com as atividades, o desenvolvimento. Só a dor sabe descer ao âmago da alma e arrancar-lhe o grito, com o qual ela se reconhece a si mesma; só ela sabe despertar-lhe toda a potência oculta e fazê-la encontrar, no fundo do abismo íntimo, sua divina e profunda natureza.
O mal, representado por essa lei de luta, a lei de vosso mundo biológico, lei desapiedada que pesa em vosso planeta como uma condenação, transforma-se num bem. Olhai o âmago das coisas e vereis que o mal sempre se transforma no bem. O instinto de agressão excita, como reação no agredido, o desenvolvimento da consciência, o progresso nos caminhos da ascensão biológica e psíquica.
Os seres aglomeram-se para invadir tudo, para se arrasarem mutuamente. A necessidade de constante esforço para defender-se significa a necessidade de contínuo trabalho de ascensão. Assim, na série dos choques recíprocos e inevitáveis, a natureza recoloca a técnica em sua auto-elaboração. Por isso, a lei brutal contém em si os meios de transformar-se a si mesma e, por sua força íntima, transforma-se na lei superior de amor e de bondade do Evangelho.
Duas fases de evolução biológica: animal-humana e super-humana. Duas leis em contraste no atual período de transição.
Enquanto alvorece a nova civilização do terceiro milênio, no qual se realizará o tão esperado Reino de Deus, embaixo ainda se desencadeia a louca ira bestial humana. Mas a lei contém em si os germes do futuro, os meios para realização do seu transformismo. Jamais vedes, na natureza, as forças operarem de fora: manifestam-se de dentro, como expansão de um princípio oculto nas misteriosas profundezas do ser. No homem, que hoje se encontra numa grande encruzilhada de sua maturação biológica, que chega ao nível psíquico, ocorrerá a transformação e se manifestará a nova lei, já anunciada há dois milênios na Boa-Nova do Evangelho de Cristo.
Nosso Tratado entra, agora, numa atmosfera mais humana e mais cálida, mais palpitante de vossa vida, instintos e paixões.
Os problemas que abordaremos estão próximos de vós, vida de vossa vida, tormento de vosso tormento. Minha palavra exalta-se em sua iminente humanidade.
Aproximando-nos das formas superiores da vida em que estais, avizinhamo-nos da meta de nosso caminho, para traçar-vos os caminhos do bem. Demoramo-nos muito no estudo das criaturas menores, irmãs do mundo físico e dinâmico, porque elas contêm os germes. Sem elas não seria possível a existência nem a explicação dos problemas da vida e do psiquismo.
Quanto mais ampla a abertura da mente, mais se aprofunda o estudo e o pensamento, e mais se revela complexo o funcionamento do todo. Esta filosofia torna-se a filosofia do universo; não, como as outras, um sistema antropomórfico e egocêntrico, mas uma concepção que exorbita os limites do planeta, aplicável onde quer que exista a vida.
Neste sistema, a vossa ciência perde aquele seu caráter desconsolado, de viandante que caminha sem esperança de jamais chegar a u’a meta demasiadamente afastada. Nele a fé perde aquele caráter de irrealidade que aparenta, diante da objetividade do positivismo científico. Mas, por que nunca devem estender-se os braços, os dois extremos do pensamento humano?
A ciência tornou-se gigante e não é mais lícito ignorá-la no seio de uma fé que não pode ser suficiente para as complexas mentes modernas, se deixada aos primitivos enunciados da concepção mosaica. Torna-se indispensável unir os dois caminhos e as duas forças; reunir os dois aspectos divididos da mesma verdade, para que a ciência não permaneça apenas um árido produto do intelecto — sem finalidade no céu, sem resposta para a alma que sofre e pergunta — e a fé não venha a ser apenas um produto do coração, que não sabe dar as razões profundas à mente que “quer” ver.
Estes conceitos poderão perturbar vossas categorias tradicionais, mas respondem à inevitável necessidade de salvar a ciência e a fé; pertencem ao futuro do pensamento humano e estão acima de todos os vossos sistemas, tradições e resistências, como são todas as forças invencíveis da evolução.
Quanto mais ampla a abertura da mente, mais se aprofunda o estudo e o pensamento.
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