Schiller e o Espiritismo
por Michaelus (Miguel
Timponi)
Reformador (FEB) Agosto 1948
Kardec,
pois, não inventou os fatos. Apenas os fixou, os estudou com seriedade e paciência.
E da análise que empreendeu, sem nenhum juízo preconcebido, resultou a sistematização
de uma doutrina.
Farta é a
literatura antiga, para não nos referirmos à contemporânea, em que os fenômenos
espíritas surgem através da concepção ou da inspiração de grandes e brilhantes
escritores, a que hoje chamamos médiuns intuitivos.
Não foi por
acaso que Shakespeare advertiu, com as palavras de Hamlet, que no céu e na
Terra há mais coisas do que as instruções dos nossos filósofos nas escolas.
Não foi
também por acaso que Schiller em o “Visionário” concebeu cenas
interessantíssimas, fenômenos tipicamente espíritas, com a criação de uma
personagem misteriosa, cheia de estranho poder, que outra coisa não era senão
um excelente médium. E vemos uma passagem em que um abade desafia todo o “reino
dos espíritos...”, mas que foge espavorido quando percebe o imenso poder da estranha
personagem.
Não posso
furtar-me ao desejo de transcrever os seguintes trechos:
A mão da
morte cortou o fio do seu discurso; eu o desejava aqui e ouvir a continuação”.
“- Quem me
chama? Disse esta segunda aparição?”
E
reconhecendo o príncipe, cheio de emoção, o marquês de Lanoj perguntou-lhe:
“Quem vive
no convento que tu me designaste?
- Minha
filha.
- Como! Foste
pai?
- Ai de mim,
que pouco o fui eu!
- Posso
fazer-te ainda algum serviço neste mundo?
- Nenhum
outro senão o de pensar em ti mesmo.
- Que devo
fazer?
- Em Roma o
saberás.
Nesta
ocasião uma nuvem negra de fumo encheu o quarto; e quando esta se dissipou, já
não vimos a figura. Abri uma porta da janela. Era manhã.”
É bom que se
assinale que Schiller nasceu em 1759 e morreu em 1805. Vale dizer que muito antes
da sistematização da Doutrina Espírita realizada por Allan Kardec, em 1857.
Não quero afirmar
de nenhum modo a sua adesão a uma doutrina ainda inexistente, mas apenas notar
a tendência do poeta e dramaturgo para o espiritualismo, a ponto de levar os seus
biógrafos à conclusão de que a sua obra possui um cunho quase metafísico.
Na verdade
esse traço predominante, pela lei natural da afinidade, foi o imã que o colocou
junto de Goethe, na mais íntima convivência, formando assim a dupla de poetas, dramaturgos e escritores
de mais merecida fama na Alemanha.
Mas essa
inclinação não surge esporadicamente em seus dramas. Ao contrário, ela é
persistente. Acompanha sistematicamente as suas interessantes personagens,
fazendo-as falar uma linguagem considerada então como puro misticismo.
No drama “Os
Salteadores”, escrito em 1780, quando possuía apenas 21 anos de idade, e que,
graças ao Esperanto, me foi dado ler, em magistral tradução de Zamenhof,
Schiller aborda temas de profunda indagação filosófica, como se fosse, não um
antepassado, mas um contemporâneo de Kardec.
Ele põe na
boca do chefe dos bandidos, que meditava profundamente, enquanto na noite
silenciosa dormitavam no acampamento os seus homens, esta admirável página, que
merece ser transcrita sem nenhum comentário:
“(Guardando
a pistola) Tempo e eternidade – confundidos no espaço de um momento! Chave
terrível que fecha por detrás de mim o cárcere da vida e abre diante de mim a
morada da noite eterna, - dizei-me, oh!, dizei-me, para onde me conduzireis?”
“Seja como quizerdes, ó além sem nome,
- somente me fique fiel este meu “eu”. A exterioridade é somente a casca de um homem
– eu mesmo sou o meu céu e o meu inferno”.
“Se me
deixardes, para mim só, uma pequena parte do mundo reduzida a cinza, onde eu tivesse
somente uma noite de solidão e um deserto eterno, então eu habitaria o deserto
silencioso pelas minhas fantasias, e a eternidade dar-me-ía bastante tempo para
analisar a imagem confusa da miséria universal. Ou acaso quereis, sempre por
novos nascimentos e sempre por novos lugares de miséria, degrau após degrau,
condizir-me ao nada? Acaso os fios da vida, tecidos para mim no além vida, eu
não possa tão facilmente dilacerar como esta?
Podeis reduzir-me a nada, mas esta liberdade não podeis tirar-me. (Ele
carrega a pistola. Subitamente para). Mas devo eu morrer pelo temor de uma
vida tormentosa? Não, eu a sofrerei! (Ele lança fora a pistola). Que a
tormenta se rompa de encontro ao meu orgulho! Eu a suportarei até ao fim.”
Como se vê,
através da meditação profunda, posta na cabeça da principal personagem do
drama, surgem concepções intuitivas, que mais tarde iriam tomar corpo com o
advento da revelação dada a Kardec. Nessas concepções não se encontram
asserções definitivas em relação à tese espírita, mas sente-se que, através da
força criativa do pensamento, as verdades eternas já sopravam fortemente as
almas angustiadas na antevisão de um mundo espiritual, impreciso, incerto,
misterioso...
É constante
e pertinaz a preocupação angustiosa de uma outra vida. “Para onde me conduzireis?
País estranho nunca viajado! (... kien vi min kondukos?
Fremda, neniam travojagita lando!)”.
E assim,
lendo “Os Salteadores” (La Rabistoj), na magnífica tradução de Zamenhof, pude
ver mais uma vez compreender e observar que aquilo que hoje denominamos Espiritismo
é tão velho como o mundo, brotando naturalmente da consciência humana como
reminiscências quase impreceptíveis de uma vida anterior.
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