sábado, 10 de abril de 2021

Sejamos lógicos

 

Sejamos lógicos

por M. Quintão

Reformador (FEB)  Novembro 1921

            

            A doutrina espiritista não se amolda a hermenêuticas duvidosas, para culminar em cânones rígidos e inflexíveis, perfeitos e acabados.

            Ela não é estática, é dinâmica por excelência e, como tal, essencialmente progressiva no tempo e no espaço, como bem o afirmou o provecto compilador - Allan Kardec.

            Dizê-la doutrina de Kardec, de Roustaing, ou de quem quer que seja, é absurdo só explicável pela inópia (imperfeição) humana, enfeudada (submetida) ao rotinismo (rotina) de escolas e sistemas que ela, a doutrina, vem precisamente proscrever.

            O “Livro dos Espíritos” (veja-se bem: dos Espíritos), que é, por assim dizer, a chave da Nova Revelação, está cheio de anotações e comentários pessoais do seu coletor, de molde a comprovar que os seus colaboradores do Além nem tudo lhe disseram, senão só o que lhes foi perguntado e, do que disseram, nem sempre o fizeram a título definitivo e absoluto, senão conformado a circunstâncias de tempo, meio e fins.

            A quem se afigurara exótica esta restrição, valeria recordar o Divino Mestre com João:

             “ Muitas coisas tenho ainda para vos dizer: porém não as podeis compreender agora.”

                                                                                                                  (Cap. XVI, v. 12)

             E a quem advertisse que, logo de seguida, o Mestre inculca o Consolador, que ensinaria todas as coisas e ficaria eternamente conosco, importa contrapor o ilogismo (caráter do que é ilógico) da assertiva tomada em sentido absoluto, de vez que, se a Verdade nos fora dada completa e de jato, própria finalidade causal do feito se anularia.  

            Seriam todos a tudo saber e nada mais perquirir, por conhecer e progredir. Ora, não é isto que se enquadra no bom senso teórico e menos ainda se deduz da realidade dos fatos, que, gradativos e variáveis no tempo e no espaço, superam, dominam e excedem a todas as teorias.

            Se algo podemos admitir definitivo e imutável na eternidade, e isso não apenas em foro de consciência propriamente humana, porque no consenso dos Espíritos desencarnados, em geral, é o fundamento posto para Aquele que se disse - Caminho, Verdade e Vida.

            Estar, em verdade, com Jesus, não é ouvir Espíritos e seguir ou aceitar de mão beijada ou pro domo nostra (em proveito próprio) o que eles dizem de Jesus ou por Jesus; mas, confrontar se o ensino corresponde à essência da Lei, extreme de prismas e facetas exclusivistas e não raro tendenciosamente personalíssimas.

            Marchar no caminho, com Jesus, não é fazer pregão espetacular da qualidade de uma fé que se poderia, quiçá, qualificar de megalomânica.  

            Andar em vida, com Jesus, não é fantasiar fetiches e fantoches canonistas, no seio do proselitismo, a falsear a doutrina que deixa, então, de auspiciar-se providencial e essencialmente reformadora para tornar-se convencional e sectária, do pior dos sectarismos, que é o pessoal, dos mestres em Israel.

            Quem afirma que Kardec disse tudo e nada mais resta a dizer, invalida implicitamente a necessidade de comunicar com os Espíritos e vai na esteira do Catolicismo dogmático, que se arroga o privilégio de possuir a Verdade integral, definitiva e imutável.

            Quem assim pensa não considera que ele, Kardec, foi o primeiro a dizer que sua tarefa não estava completa e voltaria por terminá-la.

            Menos ainda considera que, depois de Kardec, pioneiros outros do mundo espiritual vieram dilatar os horizontes da vida terrena.

            Porque a mentalidade das gerações, que se alternam em ritmo progressivo, também requer instruções adequadas a perspectivas e problemas novos, ou simplesmente renovados em circunstâncias outras mesológicas. (Da Wikipedia: A Mesologia é uma ciência dedicada ao estudo das relações recíprocas entre o ambiente e os seres que nele vivem.)

            Por outro lado, nem Kardec nem ser algum, intra et extra mundo, poderia abranger, para sistematizar e definir, a evolução universal.

            Nem o Cristo - paradigma de verdade maior a nós concebível - poderia fazê-lo, porque se igualaria ao Pai, que sempre afirmou maior do que ele, como porque também não o compreenderíamos jamais integralmente. E até que o pudéssemos compreender, qual o não fizemos em vinte séculos de experiências trágicas e dolorosas, haveria que adotar o seu critério, para exemplificar com amor o que presumimos com fé.

            Porque a fé sem o amor degenera em fanatismo, e o fanatismo espírita é mais grave e inconcebível que o próprio ceticismo.

            Sejamos, pois, lógicos com o Cristo para entender Kardec, sem abdicar da razão e livre arbítrio, que é o maior e melhor galardão da criatura de Deus.

            E não na Terra, tão somente, porque no universo de Deus, em forais (foros?) de eternidade.


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