domingo, 11 de abril de 2021

Legendas por legendas

                    


Legendas por legendas

por M. Quintão

Reformador (FEB) Janeiro 1938

             A obra espiritista terá, sem dúvida, uma decisiva e radical influência nos meios sociais em que se vai ela processando, não tanto mercê do alvedrio (livre arbítrio) humano, quanto de autores outros complexos e transcendentes, cujo ritmo escapa à generalidade das criaturas terrenas, para só entremostra-la ainda, fragmentaria e esbatida (suavizada nos tons) na penumbra de um futuro algo remoto.

            Obra de laboração lenta, sutil, profunda, não há contar-lhe tempo nem termos de equação, porque interdepende da possibilidade de todos e de cada um na escala privativa da evolução espiritual.

            Iludem-se, portanto, quantos supõem desde logo mutável o roteiro tormentoso do mundo, no querer armar-lhe com teorias meramente temáticas, compulsórias e arbitrárias, um estágio de paz, de ordem, de tranquilidade universal, mesmo relativas.

            Essa aspiração tão velha quanto o próprio mundo; esse patrimônio inalienável de todas as gerações preteriras, não se vinga de jus nem de fato (nem de direito nem de fato) , senão através de ciclos e ciclos de reencarnações iterativas: de jus, porque, sendo o espírito humano simples mônada divina imperecível, consciente e responsável, antes que mero autômato ocasional e contingente, traz consigo intrínsecas as faculdades correlatas ao grau da própria evolução, a dentro também de zonas limitadas de ação e reação, próprias e reflexas; e de fato, porque, à evidência histórica, o que se verifica é a predominância de um determinismo superior a todos os esforços e desígnios temporais.

            Nem há como desmerecer que, deste ponto de vista considerada, a tradição da nossa humanidade não passa de monumental Babel de lutas indefinidas sobranceando (em posição mais elevada) campos estéreis de linhas iníquas quanto inúteis.

            Fora, então, a vida uma fatalidade sem objetivo e porventura só tolerável no grau de incidência, fortuita e arbitrária, do que pudesse ser, ou parecer, a felicidade de cada um. E, como sem maior afoiteza poder-se-ia concluir que ninguém, jamais, houvesse vingado o plano integral da própria felicidade, estulto (tolo) fora pretender auferi-la de outrem ou a outrem querer deferi-la.     

            Nenhum governo, nenhum povo, nenhum código legislativo poderá, portanto, alterar o ritmo da evolução universal, sem que antes se escovilhem (retirem as impurezas), saneando-os profunda e radicalmente, os valores que engendram, instruem e nobilitam a mesma vida.

            Tais valores são de teor divino em curso de eternidade e imortalidade consciente, viva, e nunca de curso forçado e privativo de uma realidade precária, sempre duvidosa e inconsistente.

            Tais valores não valem, senão de um modo direto e secundário ao provimento do corpo, mas, primariamente ao provimento da alma, que é causa e não efeito do corpo.

            É atender-se a que já se não pode hoje taxar de absurda a concepção de almas sem corpo, porque provado está, à saciedade, o apótema (dito ou palavra memorável) de Paulo: há corpos celestes e corpos terrestres.

            Importa, de conseguinte, admitir que a aberração do conceito de humanidade e felicidade deriva menos do chamado ateísmo - simples fórmula verbal, incapaz de engenhar coisa alguma - do que de uma imperfeita noção das finalidades realíssimas do ser, consciente e responsável, na previsão e provisão de seus destinos.

            As religiões, que ainda hoje tentam aforar (abonar) consciências mediante dogmas inconcebíveis à luz do senso comum, têm, a nosso ver, a maior carga de responsabilidades no báratro (abismo) de iniquidades e angustias que flagelam as gerações contemporâneas.

            Têm-na porque, senhoras de baraço (corda) e cutelo, armadas de privilégios e regalias, elas, as religiões, não souberam, não quiseram ou não puderam capacitar o homem da exata compreensão dos seus destinos neste cenáculo efêmero da Terra.

            E note-se que não arguimos esta nem aquela confissão religiosa porque, católicos ou maometanos, judeus ou budistas, ou luteranos, todos os povos se defrontam divisos (divididos), padecentes, incompreendidos, infelicitados em suma, nesta hora apocalíptica do mundo.

            Hora predita, sem dúvida, mas demorada e difícil, dissemos de começo que a ela não se ajustam imediatas modificações de alcance coletivo sensivelmente apreciáveis, porque dependentes de uma reforma individual estimada morosa e difícil, pelo que se observa no âmago mesmo do nosso proselitismo onde viçam exuberantes os remanescentes do velho.

            Hora difícil porque, inda os compenetrados da irrevocabilidade de uma Justiça Divina perfeita, investem o tumulto despercebidos de que nos domínios da razão só prevalece para triunfar uma força construtiva - a do Amor na pauta evangélica, em espírito e verdade, qual o vêm preceituando as vozes do céu, os arautos da “Nova-Hegira” (a fuga de Maomé de Meca para Medina, em 622 da era cristã) planetária, que são os verdadeiros construtores do “Novo Mundo” prometido pelo Cristo de Deus.

            Porque, só esse amor, que vai do aniquilamento do mais comezinho defeito moral à abnegação da própria vida, pode engendrar a Fé que remove montanhas.

            O Divino Mestre não venceu exércitos, venceu corações. Os cristãos dignos da esmola de luz que lhes é referida para esta fase crítica do rebanho impenitente, precisamos ter mais de vista o bordão do apóstolo que edifica por atos, do que a pena do propagandista que se derrama em palavras.

            A propaganda, quem na faz são os nossos Guias, são os desencarnados a manifestarem-se por toda parte e a despeito de todas as ridículas negaças (negativas) e repulsas; mas, sendo a doutrina por eles ratificada a do Cristianismo Apostólico - doutrina de fatos por excelência - é claro que só a nós outros, encarnados, compete concretizá-la em atos. E até que o possamos fazer a benefício individual, em função da família e do ambiente social mais próximo, em que laboramos, é inútil berrar e encenar programas e legendas inoperantes à forma do mundo, de vez que o mundo é e será sempre a expressão totalitária das provas de cada um.

            Adorar a Deus selecionando credos; exaltar Pátrias traindo, vencendo e massacrando povos; amar a Família injuriando, desprezando e conspurcando a família alheia não é divisa que lisonjeie e iluda o cristão espiritista, que só estima legendas integradas na lei das leis, fora da qual não há salvação, isto é: - Amar a Deus sobre todas a coisas e ao próximo como a si mesmo.

            Tudo mais é palha seca destinada ao fogo das provas remissoras e das expiações dolorosas, aquele emblemático choro e ranger de dentes, que aí se nos vai a cada passo nesta hora apocalíptica do antolhando (desejando) com o desencanto e temor dos que sabem que muitos serão chamados e poucos escolhidos.


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