A Redação Reformador (FEB) 1° Fevereiro 1930
O Espiritismo não poderá escapar à regra.
Transcendentalíssimo em suas fontes, altamente benéfico em suas finalidades,
ele se processa, contudo, na esfera mental dos seus adeptos, no círculo das
possibilidades de cada qual, a produzir, assim, frutos heterogêneos e mesmo heteróclitos
ou díspares, que só não se justificariam diante de um psiquismo uniforme e sintonizado
pelos mais altos ideais humanos, sejam os de que se fez paradigma o Cristo de
Deus, seu nato e fundamental patrono.
Não há, portanto, como pretender sobrestar (descontinuar) nesse movimento aparentemente
desarmonioso em aglutinados superficiais e convencionais, que o tempo não
chega, as mais das vezes a consagrar, porque se resolvem em semi nulos de
separatismo e discórdia entre os seus melhores propugnadores e expoentes, sem
embargo dos melhores planos, propósitos e intenções.
Esse malogro, essa flutuação inconsequente de energias,
essa versatilidade e policromia de orientações serão, para observadores leigos
e bisonhos, motivo de escândalo e desânimo, mas, para nós outros representam,
apenas, aquele preliminar esboço da obra que se pudera comparar a da construção
de um edifício a carrejar
(carrear) e - dispor, em amontoado caótico,
toda a espécie de materiais.
Até que lhe sejam postos os alicerces, até que se lhe
aprumem e ajustem paredes e traves, até que se lhe colme a crista
(completar
a cobertura)
e tudo no traço
perfeito da liga que o estruture e fixe em articulações mestras; e, finalmente,
em remates ornamentais, ninguém lhe vislumbrará o efeito, a utilidade, a
projeção, a estética.
Todos somos, por mercê de Deus, operários do novo,
majestoso edifício destinado às gerações futuras.
Operários rudes, a carretearmos (transportar em
carreta)
o material bruto que
lhe deve sustentar a arcabouço grande, enorme, imensurável como o ideal da
humanidade para os preditos evos (eternidade).
Pretendermos, só por nós superintender a tarefa
ingente, sequer julgar-nos seus melhores quiçá únicos obreiros, fora insânia
maior por colidir com a essência de todo o ensino, que prescreve, de modo
iniludível, ser a obra de jesus e dela superintendentes e imediatos executores,
os seus mensageiros.
A estes, portanto, a prerrogativa
das diretrizes superiores, como quem conhece o plano geral arquitetônico e o
tempo necessário à consolidação de cada elemento utilizado.
Não vai com isto dizer que possamos
e devamos apassivar-nos
(ficar
passivos)
de modo absoluto, abstraindo
iniciativas uteis e dignas do nosso ambiente social: vai, porém, a explícita
necessidade de nos precavermos para não imolar nesse escopo, sacrificando nas
aras do cenáculo mundano em frutos de mera temporalidade transitória, o
objetivo máximo do qual devem resultar todos os benefícios eternos, porque de
projeção e realização no plano espiritual.
Referimo-nos, é claro, ao saneamento moral que deve começar pelo sacrifício de nós mesmos, na imolação de todas as paixões inferiores.
Em vez do prurido, das preocupações
de parecer e aparecer fortes e unidos por combater os nossos detratores em
obras de cunho material, o desejo imane de nos purificarmos intimamente aos
nossos próprios olhos, à face de Deus.
Esse trabalho profundo de mineiro
precavido no âmago absconso (escondido) de caliginosas (sombrias) galerias, é o que nos há de fortalecer
e levantar, diante do mundo cético e assombrado das próprias iniquidades.
Unidos pela Fé, mas por essa Fé que identifica as almas
porque fala antes ao sentimento que ao intelecto, aproximados, naturalmente,
pela vibração e afinidade de nossas auras, no desejo insopitável (incontrolável) de imitar e servir ao Senhor, as
nossas obras abrolharão também naturalmente e sem esforço, com a maleabilidade
cantante e transparente dos veios fecundantes por, entre sebes (cercas) e pedrouços (montão de pedras).
Sem essa obra preliminar, precípua (fundamental), por isso mesmo dificílima, todo o
nosso afã resulta anódino (inócuo), incongruente e até contraproducente
pelas críticas que suscita, pelo partidarismo que estimula, pelo personalismo
que lisonjeia e desperta, a título mesmo de propaganda.
De resto, é preciso redize-lo ainda e sempre, a propaganda
espírita é apanágio
(atributo) dos Espíritos, não dos homens,
simples veículos na contingência, isso sim, de se tornarem bons veículos.
Mas, para tanto, o que importa não é
engrandecer o cenáculo terreno de monumentos materiais, fundações e asilos de dinamizada
e precária beneficência moral e material.
De monumentos tais, encontra-se referto o mundo, sem
ter melhorado nunca, antes agravando sempre o seu pauperismo moral e material.
Todas as seitas religiosas, maiormente
a católica, todos os governos, todas as corporações leigas de caráter humanitário
tem fundado asilos, creches, colégios e hospitais.
E o que se verifica é o aumento de
miséria por toda parte, a traduzir-se em tirania moral e indigência material -
aumento de criminalidade, suicídios, roubos, adultérios, revoltas e desesperos
- miséria, enfim, nos indivíduos, nas famílias, nas sociedades.
Dir-se-ia que não pende do progresso material, do surto
cientifico, da cultura intelectual a felicidade humana; mas, ao contrário,
decresce esta na razão inversa da intensificação daquele.
E daí a conclusão lógica, formal,
absoluta de que a Doutrina Espírita como fórmula prática do Consolador
Prometido apenas visa a reforma substancial das criaturas, ainda
porque, realizada esta, tudo mais virá espontânea, incoercivelmente (irrepremivelmente), como
fruto a tempo sazonado.
Espiritualizar almas, afeiçoa-las à compreensão de si
mesmas ao serviço da humanidade, eis o alvo maior, por não dizer único do
Espiritismo.
Construir na Terra o mais suntuoso
monumento, será sempre entrega-lo às injúrias do Tempo, para os que na terra,
em corpo, permanecem: - edificar nos corações é também construir na Terra,
porém mais que para a Terra, porque é também realizar no plano espiritual,
eterno e indestrutível para todas as gerações.
O mundo passaria - disse Jesus, mas
as suas palavras não passariam, por serem espírito
e vida.
Vivamos pois, e sempre, a palavra
eterna, façamos de preferência, obra de espíritos para espíritos.
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