quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

Evangelho e o povo

 

Evangelho e povo  

por Roque Jacintho      Reformador (FEB) Julho 1966

           

            - A religião é transcendental! 

            Por séculos sem conta o homem tem divulgado que a religião está acima de todo e qualquer raciocínio. Crê - mais do que examina seus próprios conceitos - que o estudo da religião possa afogar-lhe a fé em seu coração. Prefere, por isso, considerá-la uma questão de foro íntimo, aceitação de uns tantos dogmas ou princípios sobre os quais não lhe cabe o direito de indagar, tendo com o seu sentimento religioso um procedimento diverso daquele que considera sensato ao tratar com os demais ramos da cultura humana.

            - É um artigo de fé!

            E nenhum artigo de fé pede exame.

            Ou se aceita ou não se aceita.

            Esse curioso comportamento mental vem sendo cultivado no curso de várias encarnações e se tornou um hábito de profundas raízes na alma.

            Semelha-se, em sua mecânica, às barreiras que alguns alunos criam entre si em determinadas matérias do currículo escolar.

            - A matemática é difícil - ouve dizer.

            E frente às primeiras dificuldades naturais da aprendizagem, aceita passivamente as afirmativas gratuitas que recebeu, impedindo-se de fechar o circuito da atenção com a ciência exata.

            É-lhe difícil, depois, romper com o círculo vicioso.

            A ocorrência psíquica em relação ao conhecimento religioso um símile dessa atitude desajustada. O próprio homem não observa que se afasta de um conhecimento precioso e decisivo para si mesmo.

            O Espiritismo r e v o g a essas obstruções mentais.

            Predicando o mecanismo das reencarnações, ensinando a origem dos hábitos e das tendências inatas, estudando o circuito da atenção na dinâmica da aprendizagem - o Espiritismo revive a fase de pregação religiosa inovada por Jesus.

            Jesus falou com o povo sobre princípios religiosos.

            Usou, porém, de simplicidade real.

            Não se ocupou em ser original.

            Sua Doutrina foi a de um ceifeiro: “Como um ceifeiro, reuni em feixes o bem esparso no seio da Humanidade e disse: Vinde a mim, todos vós que sofreis.” (*)

                 (*) “O Evangelho segundo o Espiritismo.”

             Não temeu que o acusassem de ter-se apropriado de princípios morais e religiosos  semeados em todos os povos, por todos os profetas, por todos os fundadores de religiões e seitas. Reuniu a verdade esparsa num código sublime, viveu-lhe os ensinamentos e os apresentou ao povo, sem mácula e com palavras simples.

            Nenhum mistério.

            Nenhuma proibição.

            Nenhum sistema de deslumbrar os homens.

            Nenhuma dramatização verbal em seus ensinos.

            Foi tão claro e tão simples, que o perseguiram.

            Foi tão popular e tão seguro, que reformulou as bases de nossas civilizações, renovando-as através da ação suave de sua prédica e sem esperar que o aplaudissem ou o aceitassem pela perplexidade que houvesse desencadeado num só de seus ouvintes e discípulos.

            O Espiritismo-cristão, como religião que se raciocina e que se sente, sai das salas de estudos em direção do povo, salta dos livros para os que não sabem ler - vestindo-se na linguagem que o povo compreende, na simplicidade do homem da rua que deverá utilizar-lhe os ensinamentos na reconstrução de sua própria vida.

            Não repete a fórmula do transcendental.

            Ninguém tem o privilégio de ser-lhe um iniciado.

            A ninguém é vedado conhecê-lo.

            Se o Espiritismo se houvesse afastado do povo, confiando-se às cátedras e aos simulacros e púlpitos de nossa dolorosa tradição religiosa, e não falasse em linguagem acessível ao povo dentro de suas salas de reuniões e estudos, poderia ser uma Doutrina rutilante, com pregadores brilhantes, mas estaria tão distante de Jesus como todos os que ainda procuram fazer-se admirados, servindo-se dos ensinamentos evangélicos.

 


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