No
declínio
A
Redação
Reformador (FEB) 15 Maio 1907
Não tem o
Espiritismo mais encarniçado adversário ostensivo que a igreja católica romana.
Também, em sua acidentada história, jamais sentiu ela surgir-lhe pela frente, ameaçador
em seus tranquilos ensinamentos, adversário mais terrível que a Revelação Espírita.
É que nenhum se lhe apresentara até agora tão bem aparelhado
de iguais elementos, seguros, completos, de combate e de sucesso.
E como não ser assim se, continuador dos ensinos revelados
no mundo por Jesus, o Espiritismo, Consolador prometido, vem tornar claras as verdades
que o Divino Mestre propositalmente velara na obscuridade das parábolas, acrescentar
aquelas outras que ele abertamente o afirmou - tinha que dizer, mas não poderiam
ser ainda suportadas, e restabelecer finalmente as que, diante mão o sabia ele,
seriam adulteradas pelos homens, torturadas e desligadas pelos infiéis depositários
da Palavra?
Decorridos os tempos, amadurecidas as inteligências,
feito, apesar da furiosa e insensata oposição da igreja, o progresso das ciências,
que tornaria possível os novos conhecimentos, o Consolador prometido se fez
realidade. Ei-lo aí, arrancando a luz de sob o alqueire, derramando pelas
massas populares as consoladoras verdades do Evangelho, provando, pela universalidade
das manifestações espíritas, a sobrevivência da alma e sua imortalidade, assim
oferecendo a todos, não já a esperança, mas a certeza de uma outra vida - a
vida espiritual - eterna e indestrutível, e determinando por esse fato a mais
profunda e regeneradora transformação moral das sociedades humanas, que feneciam
no ceticismo e na materialidade.
Vendo o Espiritismo assumir essa atitude superior e definida,
que cada dia mais se acentua, na evolução da humanidade, nada mais natural que
se alvoroçarem alarmadas as alarmadas igrejas, imobiliza-las em seu dogmatismo
sectário, mas particularmente a igreja romana, que durante tantos séculos
usurpara o cetro da direção religiosa dos povos do ocidente, e sente agora
esvaecer-se o prestígio em face da Nova Revelação triunfadora.
Por isso, ela que resistira aos embates do materialismo, porque
era uma doutrina desoladora e não oferecia às almas o alimento tão necessário
de uma crença, compreendendo que a força e a superioridade do Espiritismo está
justamente em constituir uma doutrina religiosa a mais adiantada e mais perfeita,
que satisfaz às mais exigentes inteligências e basta a todos os corações, considera-o
com razão o mais temeroso dos adversários, e dardejar-lhe por isso
encolerizados, sistemáticos e desesperados golpes.
E entretanto - já o dissemos aqui nestas colunas - não é
do Espiritismo que a igreja deve recear a queda e a ruína. Ele não a hostiliza,
como não hostiliza sistematicamente nenhuma igreja ou confissão religiosa, tão
certo está de que tais igrejas viverão apenas o tempo que os seus ensinos
satisfizerem a alguns fiéis. Quando já os não houver que com eles se contentem,
uma a uma irão ruindo tais igrejas.
Por isso as deixa o Espiritismo ir vegetando à sombra das
almas ignorantes que as sustentam, sem embargo do direito de livre exame e crítica
que legitimamente se permitem uma vez por outra os seus adeptos, em relação aos
dogmas que apregoam tais igrejas, sobretudo quando em nome desses dogmas são
atacados os princípios da revelação espírita.
Fora disso o Espiritismo só é para temer porque ensina a
Verdade, e a Verdade choca muitos interesses e descontenta singularmente os
que, para viver, necessitam manter no erro o povo.
Dizíamos, porém, que não é do Espiritismo que advirá à igreja
a ruína de que sente ameaçada.
Mais que das verdades novas que não pode tolerar, deve
ela com efeito arrecear-se dos seus próprios erros e das funestas consequências
desses erros; e tanto como destes – corolário lógico que é - do espírito de
indisciplina e de dissolução que lavra em suas fileiras.
A esse respeito publicava recentemente uma folha de Cartagena,
La Tierra, um artigo intitulado “Aires de cisma?” que estereotipa muito bem
a situarão presente dessa igreja e prova que não exageramos proclamando-a no
declínio.
Vamos reproduzi-lo do nosso colega “Albores de la Verdad”, de Barcelona, que em primeiro lugar o
transcreveu, e por ele verão os leitores que essa estrela de primeira grandeza,
que há dezenove séculos brilhou no firmamento do planeta, iluminando-o, mas não
tardou a transformar-se em decrescente e, por fim, empalidecido e minúsculo asteroide,
vai tombando rapidamente para o ocaso.
Antes de transcrever, contudo, o aludido artigo, seja-nos
lícito assinalar, como um evidente cunho de sua imparcialidade, que não foi ele
escrito por um adversário; antes transparecem em mais de um lugar a mágoa e as
apreensões de seu autor pela sorte dessa igreja, a que assim parece filiado.
Isto posto, cedemos-lhe a palavra:
“Com justa razão preocupa e alarma os espíritos sinceramente
católicos um movimento de visível retraimento que, em relação ao pontificado
romano, se vem observando, primeiro na América do Norte, algum tempo depois na Áustria,
um pouco na Suiça, no México, em alguns lugares da Alemanha e na própria Itália,
em Roma, às portas do palácio pontifício.
“Em vão foi condenado por Leão XIII o denominado
americanismo, ou o catolicismo liberal à moderna. Sob a feição de independência
política e democracia cristã passou ele a manifestar-se na Itália com o presbítero
Romulo Murri e na França com o abade Loisy, em forma de exegese bíblica moderna
à altura dos progressos da ciência.
“Já na França existia latente o galicanismo, um dia condenado pela Santa Sé, em virtude de suas tendências
separatistas; e tão arraigado estava, posto que não ostensivamente manifesto,
que em Roma sabia-se não lhe faltar a adesão de vários bispos e grande número
de sacerdotes. Só nos religiosos se tinha absoluta confiança; desgraçadamente,
porém, foram expulsos e um deles, o superior dos Eudutus, pode dizer a Leão XIII:
“Senhor, podemos opor ao governo que nos acaba de expulsar a resistência que
Sua Santidade nos indique; porque o clero não nos tornou muito simpáticos a
certas camadas da sociedade, e posto que nos não combata, também não nos
defende; mostra-se passivo; não podemos contar com ele; não existe na França união
entre sacerdotes regulares e seculares: estamos, pois, perdidos, se Deus não faz
um milagre.”
“E nestes dias amargurados para a Igreja, quando o Papa ordena
ao clero e ao povo c:atólico francês resista, inda que sem violência, à lei de
separação de uma parte desse povo, outra do clero não se mostram dispostas a acatar
e por em prática essa determinação. - Serão cassadas a esses sacerdotes a licença
para exercer o culto, disse algum prelado. E a resposta foi: - Bem, exerceremos
o ministério sem elas, enquanto houver católicos da nossa opinião que nos aceitem.
- Acompanharemos esses curas disse a seu turno uma parte do povo francês.” Não
é isso grave? Não é desolador?
“Pois ao mesmo tempo, na Itália, os democratas católicos,
guiados por muitos sacerdotes, acabam de afirmar que obedecem ao Papa como chefe
religioso e na órbita religiosa; mas que lhe não reconhecem autoridade alguma em
política, nem o direito de designar-lhes, por si ou pelos bispos, os candidatos
em que hão de votar e a conduta política que hão de seguir.
“Procede-se, por ordem de Sua Santidade, a uma investigação
minuciosa entre o clero das dioceses italianas. Mas já uma parte desse clero a mesma
coisa que o francês: - Se o povo nos aceita, como o governo não nos será
hostil, continuaremos exercendo nosso ministério, apesar de quem se oponha, inda
que seja o Papa.
“E um bispo – o de Cremona - põe em sobressalto o Vaticano
com folheto, livros e prédicas de sabor democrático: outro bispo francês havia
já replicado a uma repreensão do cardeal Merry. Antes que V. Em. fosse presbítero,
já eu era bispo, e sei mais do que convém a uma dIiocese que V. Em., e que
outro qualquer. Tenha a bondade de me não incomodar e ater-se a seus assuntos da
Secretaria.
“Se estes não são sinais de um espírito disposto à rebeldia,
quais serão?
“Na Boêmia sopram os mesmos ventos sob pretexto de
aversão à Áustria e de nacionalismo; mas na Áustria também sopram eles, tocados
por certas sociedades semi secretas de clérigos, como acontece com outras da Alemanha,
que têm ramificações ocultas na Espanha. M.”
Aí termina o artigo de La Tierra. Se fosse necessário acrescentar-lhe um comentário seria
este: contaminada assim em suas fontes vitais, destruída a coesão, aniquilado o
espírito de obediência e disciplina de seus membros, pelo qual unicamente
conseguiu viver até agora, que esperança pode restar a essa igreja? Ela morre
aos poucos, dissolve-se, repudiada por aqueles mesmos cujo interesse estaria em
conservá-la.
Mas é a justiça de Deus que se cumpre. Ela que atraiçoara
o Cristo, de cuja doutrina tirou a existência, termina por ser abandonada dos
próprios que ela fez viver.
Que, pois, as nossas críticas cedam lugar' ao gérmen de
destruição que circula em seu organismo combalido. Deixemo-la tombar sofregamente
no declínio, e embora de sobreaviso contra suas derradeiras investidas, não lhe
recusemos o preito compadecido a que tem jus o que hoje apenas representa o cadáver
de uma grande ideia.
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