Revelação
da Revelação
da Redação
Reformador (FEB) 1º Janeiro 1919
Dentro em breve,
possivelmente ainda este mês, estará publicada pela Federação, numa tradução nova,
o primeiro volume da obra monumental e imorredoura que J. B. Roustaing publicou
em 1866 com o título de “Os Quatro Evangelhos explicados em espírito e verdade”
ou a “Revelação da Revelação”.
Objetivando alcançar a máxima divulgação para essa
segunda edição portuguesa daquela obra, única no seu gênero até hoje e que é
verdadeiramente pedra angular da revelação espírita, profusa distribuição de circulares
fez a Federação, no justo desejo de levar ao maior número possível de pessoas,
espíritas ou não espíritas, a notícia de tal empreendimento e das condições,
que ela procurou tornar as mais fáceis, em que a nova tradução pode ser adquirida.
Que é, porém, o que nessas circulares, que necessariamente
haviam de ser resumidíssimas, se lograria dizer que fizesse ressaltar a importância
de tão valiosa obra, para justificar o empenho da Federação, o seu esforço por
torna-la conhecida dos milhares de espiritas que conta o nosso país? Bem pouco,
certamente.
Mister se tornava, portanto, que, no seu órgão, ela
dissesse e demonstrasse o que nos limites estreitos de uma circular concisa não
conseguiria nunca: que, assim procedendo, cumpre o mais alto dever que lhe
impõe a natureza da sua missão no seio da família espirita brasileira - o de propagar
os Evangelhos, onde se acha exarada toda a obra da missão messiânica de Jesus,
cujo desdobramento cuja amplificação nos trouxe, em seu nome o Consolador prometido
- o Espiritismo.
E propagar o conhecimento, em espírito e verdade, dos Evangelhos
é executar trabalho da maior relevância, pois que é trabalho assecuratório da
pureza dessa nova revelação trazida ao mundo pelos espíritos do Senhor, com o
lhe patentear o objetivo superior, a suprema finalidade, que consiste em nos
desempecer o caminho do aperfeiçoamento moral, aparelhando-nos dos meios e das forças
que nos são indispensáveis para percorre-lo com passo seguro, sem nos desviarmos
pelos perigosos atalhos que o margeiam.
Eis dada a razão de ser deste artigo e dos que se lhe
seguirão, permitindo-o Deus.
Entretanto, pois que não se trata de uma obra pela primeira
vez trazida a público, esses artigos seriam desnecessários se ela não houvesse
já merecido a repulsa de alguns confrades, que chegam a estranhar se faça dela
arauto a Federação, chegando mesmo outros desenvolver propaganda contrária à
aceitação, por motivos que adiante apreciaremos.
Esta circunstância, aditada à conveniência apontada
anteriormente, nos veio mostrar que lícito nos não era, no momento, nada dizer
da reedição em português da obra a que aludimos; tanto mais quanto grande número
de compatrícios nossos, espíritas muitos, outros não, acudiu ao apelo que lhes foi
dirigido, subscrevendo antecipadamente para a sua publicação, com o que se
fizeram credores do reconhecimento que aqui lhes testemunhamos.
Explicados assim a origem, a natureza e o objetivo deste
e dos demais artigos que venhamos a escrever sob o título que o encima, abordemos
a assunto.
*
Linhas atrás dissemos ser o Espiritismo um desdobramento,
uma amplificação da obra evangélica, da missão de Jesus. Não avançamos nenhuma novidade,
está claro, para quem não seja hóspede da doutrina dos espíritos. Também não
foi como novidade que escrevemos essa proposição e aqui a repetimos, mas tão
somente porque encerra uma verdade fundamental para a tese que nos propomos
desenvolver.
Verdade é esta (que decorre de outra nada menos importante
e essencial para a boa compreensão do papel que o Espiritismo veio desempenhar
em o nosso mundo; para o estabelecimento da sua significação, para que se
reconheça como obra, verdadeiramente divina, pois que emanada da suma sabedoria
reguladora do universo.
Sim, ou o Espiritismo é obra esporádica e, nesse caso, efêmera
tem que ser a sua duração e falaz o seu objetivo, como sucede a tudo o que não traz
o cunho da perfeição característica da divindade, ou não o é e então constitui
um elo da cadeia infinita que parte de Deus e a Deus volta, abrangendo tudo o
que existe no universo inteiro. Como tal se acha ligado ao elo anterior e este não
pode deixar de ser a revelação precedente, porquanto, desde que se reconheça no
Espiritismo o cunho de obra divina, nele forçosamente se há de reconhecer uma
revelação de verdades eternas.
Surge deste modo o
princípio fecundo em consequências de extraordinário alcance e exarado no
contexto da doutrina espírita, o princípio da progressividade das revelações, cuja
filiação sucessiva um dia remontaremos: quando houvermos chegado a uma altura
espiritual donde nos seja possível lançar olhar perquiridor sobre as origens do
nosso mundo e do nosso próprio eu.
Assentado este princípio, não nos deteremos em
aprofunda-lo, pela razão de que isso já o fez. com a proficiência, a ponderação
e a inspiração que lhe eram peculiares, o abnegado e esclarecido companheiro de
cujo convívio terreno ora com saudade nos vemos privados - Pedro Richard. Para
desse estudo admirável se inteirarem, não precisarão os que o queiram mais do
que recorrer aos números do Reformador de setembro de 1917 a Janeiro de 1918. Aí
se lhe deparará, demonstrado à saciedade, que as revelações são sucessivas e
progressivas.
Sendo, pois, o Espiritismo uma nova revelação, restauradora
e ampliativa de outra anterior, e sendo esta a revelação messiânica, dizer Espiritismo
é dizer Cristianismo. Mas, em que fontes, em que registros nos poderemos
apropriar do conjunto desta revelação, da revelação cristã, dos seus ensinos capitais,
das verdades que lhe formam a trama senão nos Evangelhos? E como obteremos o
conhecimento perfeito das verdades que são o desenvolvimento ou o desvendamento
de outras proclamadas antes, se com estas nos não familiarizarmos?
Tanto basta para
ficar patente que o Espiritismo sem os Evangelhos não seria mais do que um
corpo sem cabeça, perdoe-se-nos a infelicidade da expressão. Queremos dizer um
corpo de doutrina sem o coroamento indispensável - o ideal a realizar-se pela
prática dos ensinamentos doutrinários, ideal cuja realização constitui o
motivo, o fundamento das leis, dos princípios que a doutrina revela.
Aos que só vejam no Espiritismo as relações do mundo
visível com o mundo invisível, a produção dos fenômenos espíritas, ele
absolutamente não é uma revelação, porquanto aquelas relações sempre existiram,
em todos os tempos, e esses fenômenos sempre se produziram. Apenas, amadurecidas
as inteligências para lhes apreender a verdadeira significação, eles se
tornaram, por assim dizer, comezinhos, como efeitos que são de leis que puderam
ser desvendadas nas suas aplicações mais elementares.
Como revelação divina, isto é, como revelação de verdades
que colimam a nossa purificação, a perfeição moral que nos aproximará da perfeição
absoluta - Deus, o Espiritismo é o Cristianismo em toda a sua pureza e o seu
estudo, a assimilação dos seus ensinos não se podem conseguir senão pelo estudo
e meditação dos Evangelhos e a meta que se oferece aos nossos esforços não pode
ser atingida senão pela prática das lições e exemplos evangélicos.
Já se vai fazendo tempo de que todos quantos desejem ser sinceramente
espíritas se compenetrem da verdade que vimos de anunciar, certos ele que, se não
fizermos do Evangelho a bússola do nosso roteiro, andaremos ao léu pelas vizinhanças
do Espiritismo, sem conseguirmos lançar âncora no porto de salvação a que ele conduz
os que por ele buscam o seio amoroso do divino mestre.
Porque assim o
entende, porque tenha verificado dia a dia, nos anos já numerosos da sua existência,
o acerto desse seu criterium, porque cada
vez mais abundantes são os frutos que colhe da sementeira evangélica, tornando
mais claros se tornam os princípios fundamentais da doutrina, é que a Federação,
com ardor sempre crescente, concita todos os que hão abraçado o Espiritismo a
se identificarem com o Evangelho, assimilando-o em espírito e verdade, à luz da
revelação espírita.
Como meio de o conseguirem, ela, ainda firmada no que lhe
atesta a sua persistência nesse terreno, indica, aconselha e propugna o estudo
da obra de Roustaing, ditada mediunicamente pelos próprios evangelistas, por
ser até hoje a única que, para as nossas vistas limitadas, dissipa rodas as
obscuridades da letra nas narrações evangélicas, conforme mostraremos, se nos
faltar o auxílio do Alto.
*
Mas, dir-nos-ão, porventura Allan Kardec, na sua obra,
não abordou o estudo dos Evangelhos? Um de seus volumes não se intitula mesmo “Evangelho segundo o Espiritismo”?
Respondendo a essa objeção, responderemos do mesmo passo
aos que vêm, na propaganda que a Federação faz dos Quatro Evangelhos explicados em espírito e verdade o intuito de colocar
em segundo plano a obra geral de Kardec, dando a primazia, para o estudo do Espiritismo,
à de Roustaing.
Nada menos exato nem menos lógico. Nas suas sessões de
estudo da doutrina, sessões que se realizam duas vezes na semana, às terças e sextas
feiras, e que constituem os elementos primordiais para se julgar da sua orientação
doutrinária, a Federação estuda simultaneamente a obra de Kardec e a obra de Roustaing,
esta às terças feiras e a outra às sextas. Este fato por si só demonstra a
inanidade daquela presunção e torna evidente que nenhuma primazia a Federação estabelece
de uma de tais obras sobre a outra. Mais ainda: mostra que, ao contrário, ela continua
a reconhecer e proclamar sinceramente (e se o não fizesse falsearia a
sua missão) quanto é preciosa e fundamental a de Kardec, reconhecendo e
proclamando, ao mesmo tempo o imenso alcance, o extraordinário valor da de
Roustaing, como complementar da primeira, que nela encontra a sua mais bela
aplicação, o seu indispensável e natural desenvolvimento.
Será isto, porém, objeto do nosso próximo artigo. .
Nota do Blog: Entendemos
nós que, nos últimos anos do século XX, a FEB retirou os livros de Roustaing de
seu catálogo e suspendeu os grupos de estudo desta Obra.
Revelação
da Revelação
da Redação
Reformador (FEB) 1º Fevereiro 1919
Concluímos o nosso artigo anterior mostrando ser uma afirmação
destituída de base, desmentida pelos fatos a de que a Federação relega para
plano secundário a obra geral de Kardec, conferindo à de Roustaing notável
primazia e declarando, ao contrário, segundo a orientação que a Federação mantém
há longos anos na propaganda da doutrina dos espíritos, os “Quatro Evangelhos”
são obra complementar da do Codificador do Espiritismo, obra esta última que se
encontra na outra a mais bela afirmação dos princípios e leis que nos veio
revelar.
Efetivamente, não
sendo o Espiritismo, conforme já o dissemos, senão o Cristianismo em toda a sua
pureza, tendo surgido na Terra como terceira revelação, e não podendo haver entre
as revelações divinas solução de continuidade, a revelação espírita mais
imediato objetivo de certo não colimou que não o de aclarar as obscuridades
necessárias da anterior, que não tornar patentes verdades, leis e princípios
que tiveram de ser enunciados sob o véu quase impenetrável da letra, que haviam
de produzir frutos primeiramente por interpretações literais, mas destinados a
ser posteriormente compreendidos por maneira a acelerar a ascensão progressiva
dos espíritos que compõem a humanidade visível e a humanidade invisível para
seus altos destinos. Assim, é principal escopo do Espiritismo despojar do véu
que as encobria muitas das verdades contidas nos ensinamentos de Jesus, ensinamentos
que no seu conjunto formam exatamente a doutrina que se chamou o Cristianismo.
Ora, Evangelhos são o repositório desses ensinamentos, são,
pois, a consubstanciação dessa doutrina. Ressalta daí que, em última análise, o
Espiritismo é, essencialmente, a chave dos Evangelhos, constituindo estes a sua
base, os seus alicerces profundos. Sejam os Evangelhos postos de lado e o Espiritismo
não passará, para cientistas e leigos, de um campo de experimentações e experiências
que, quando mesmo individualmente proveitosas, não darão por si sós o resultado
coletivo que ele se propõe alcançar e alcançará pela depuração e transformação
moral dos espíritos, norteando os progressos que a humanidade toda tem que
realizar.
Por outro lado, desvendando verdades já enunciadas, ele
as desenvolveu e ampliou, enunciando por sua vez outras que, complementares
daquelas, irão sendo gradativamente compreendidas melhor. Se não fora assim as
revelações não seriam progressivas, como são.
De tudo isso se evidencia que a razão de ser primacial,
superior, do Espiritismo é a elucidação completa dos Evangelhos, bem como de
toda a obra apostólica decorrente das lições e exemplos do Cristo e ainda de
toda a dos grandes missionários que o precederam e cujas obras, com a de
Moisés, compuseram o tesouro da primeira revelação.
Bem se compreende, portanto, que de perto tenha sido a
missão de Kardec seguida da de Roustaing, que nos deu a aplicação imediata e,
conseguintemente, a sanção do que pela outra fora revelado ao mundo.
A isso objetam alguns que, se uma obra qual a de Roustaing
fosse necessária naquele momento, dela teria sido incumbido o próprio Kardec,
que merecera desempenhar o elevadíssimo encargo de missionário da terceira
revelação. Nada tem de precedente semelhante objeção. Quem quer que conheça as
vicissitudes, as lutas e tribulações que aquele grande missionário teve de enfrentar desde o
momento em que deu a público a sua obra ao em que voltou a repousar de tanta
fadiga no Além; quem não desconheça os esforços quase sobre humanos que houve
de empregar para levá-la até ao ponto em que a deixou; quem não ignore que, no
seu próprio sentir, muito lhe ficou por fazer, perceberá facilmente que, sem
prejuízo grave para a tarefa principal que lhe cumpria desempenhar, não poderia
ele tomar sobre os ombros, além da de que se desobrigou, a que coube a
Roustaing.
De que serviria ocupar-se ele, precisamente, com a parte
complementar da obra que viera realizar, antes de haver conseguido firmar o
primeiro passo, de haver mostrad0 que a parte fundamental era sólida, capaz de
resistir aos golpes que de pronto a alvejaram, às investidas furiosas dos que logo
pressentiram quanto aquela nova luz que do Alto descia sobre o mundo tinha de
funesto par a estabilidade dos já carcomidos monumentos dos credos dominantes? Teria
sido comprometer, de modo talvez irremediável, a obra toda. Semelhante ideia
não lhe foi, por isso, inspirada. A segunda parte do trabalho a providencia
delegou a outro, que a executou no tempo oportuno e oportunamente a tornou conhecida,
isto é, quando já não eram mais de recear as primeiras rajadas do vendaval,
quando já a semente lançada começar a germinar em vários pontos da Terra, assegurando
próxima floração e abundantes frutos.
A isto, os que não querem ver os fatos por este prisma
verdadeiro revidam com a alegação de que, se assim fora, Kardec não houvera
consagrado aos Evangelhos um dos volumes que publicou, intitulando o “Evangelho
segundo o Espiritismo”.
O fraco peso de semelhante argumento para logo, porém, se
patenteia, uma vez que se considerem as coisas com espírito desprevenido e se atente
no desígnio providencial a que obedeceu o aparecimento da nova revelação. Vindo
esta, principalmente, como a pouco acentuamos, para elucidar as verdades evangélicas
que haviam ficado encobertas pelo véu da letra, para desenterra-las do amontoado
de deturpações que sobre elas se acumularam as errôneas interpretações
literárias a que deram lugar, não era possível que desde o primeiro momento não
ficasse marcado esse escopo, pela indicação da perfeita conformidade dos novos
ensinos com os ensinos anteriores da moral cristã,
Kardec, pois, foi impelido por inspiração dos que o guiaram
no desempenho da sua gloriosa missão a abordar os temas principais da moral evangélica,
recebendo sobre eles, de uma plêiade numerosa de altos espíritos, comunicações
edificantes, que vieram demonstrar nada haver sido mudado, dentro da nova doutrina,
no que respeita às bases em que o Cristo assentara a sua moral sublime. Por
esse modo, se pôs o traço indicador da perfeita união, da íntima correlação
entre a revelação messiânica e a revelação espirítica, preparando-se desde logo
os efeitos mais amplos, mais completos e mais profundos que a segunda estava destinada
a produzir pela revelação dada a Roustaing e pelas que ainda forem trazidas ao mundo
mediante outros missionários.
Porventura, Kardec fez, no terceiro volume das suas obras,
um estudo completo dos Evangelhos à luz dos princípios e ensinamentos que
codificara no primeiro, um estudo que dispensa se o empreendimento de qualquer trabalho
tendente a dar cabal e satisfatória explicação de todos os pontos deles, dos
menos como dos mais obscuros pela nebulosidade intencional da letra? O próprio Kardec
nos diz que não. É o que declara no artigo em que, pelas colunas da Revue Spirite, apreciou perfunctoriamente
a obra de Roustaing, dizendo:
“É um trabalho considerável e que tem, para os
espíritas, o mérito de não estar em contradição, por qualquer dos seus pontos,
com a doutrina ensinada no “Livro dos Espíritos” e no dos “Médiuns”. As partes correspondentes
às de que tratamos no “O Evangelho Segundo o Espiritismo” o são num sentido análogo.
Aliás, como nos circunscrevemos de máximas morais (*) que, com raras
exceções, são geralmente claras, elas não poderiam ser interpretadas de
maneiras diversas elas não poderiam ser interpretadas de maneiras diversas. Por
isso mesmo jamais fizeram objeto das controvérsias. Essa a razão que nos levou
a começar por aí, a fim de sermos aceito sem contestação, aguardando, relativamente
ao mais, que a opinião geral se achasse familiarizada com a ideia espírita.”
(*) O grifo é do blog.
Aí estão traçadas pelo
próprio Kardec os limites em que se confinou a sua obra no tocante aos Evangelhos.
Dir-se-á, porém, que dentro desses limites devesse permanecer
definitivamente encerrado o estudo ou melhor a explicação dos Evangelhos? Estaria
esta completa em tais condições, nada mais haveria a fazer nesse terreno? É ainda
Allan Kardec quem nos diz que não.
De fato, no trecho que acima citamos, se leem estas palavras
por ele escritas: “aguardando, relativamente ao mais, que a opinião geral se
achasse familiarizada com a ideia espírita.”
Alguma coisa mais, portanto, havia a ser feita.
Fizeram-na os evangelistas por intermédio de Roustaing na obra “Os Quatro Evangelhos explicados em espírito
e verdade”.
Mais
claras considerações sugere ainda esse tópico do Mestre venerado. Farão, porém,
objeto de outro artigo.
Revelação
da Revelação
da Redação
Reformador (FEB) 1º Março 1919
Concluímos o segundo
dos artigos que sob o título acima temos escrito reservando-nos para, em outro,
fazermos mais algumas considerações sobre o trecho que então transcrevemos, do
que na Revue Spirite publicou o Sr. Allan Kardec acerca da obra de Roustaing.
Assinalamos que das próprias palavras do Mestre se infere
com acerto que nem tudo ficara por ele feito, no tocante à explicação dos Evangelhos
dentro do que se encontra no terceiro volume de suas obras, o que se intitula “Evangelho
segundo o Espiritismo”.
Publicando esse volume, declarou-o ele próprio, apenas
deu começo ao que nesse terreno havia por fazer. “Essa a razão que nos levou a começar por aí”, tais são as suas
palavras. E acrescentou: “aguardando, relativamente
ao mais que a opinião geral se achasse familiarizada com a ideia espírita”.
Temos assim que “o começo” da explicação dos Evangelhos à
luz da doutrina dos espíritos ele executou, encontrando-se ainda na expectativa
do momento, que ao seu elevado critério parecesse oportuno, para executa-la com
relação “ao mais”, quando Roustaing publicou o seu trabalho.
Toda a questão se
resume, pois, por agora, em saber no que consistia esse “mais” e se a ele
atendeu a obra de que foi missionário o Sr. Roustaing e ainda se esta, pecou
por inoportuna. Quanto a este último ponto, o que já anteriormente escrevemos se
nos afigura suficiente para tornar claro que nenhuma inoportunidade houve no aparecimento
da obra roustainiana. Acresce, que estando tudo quanto concerne ao nosso mundo,
à vida e ao progresso da humanidade terrena, como de todas as humanidades
existentes no universo, subordinado a leis imutáveis e sábias, expressões de desígnios
providenciais, nunca poderão os espíritos encarnados ser árbitros da
oportunidade do que quer que entenda com questões de tão alta monta quando é
certo que eles não o são muita vez nem dos mais insignificantes dos seus atos
individuais. Evidentemente, da oportunidade da revelação a que Roustaing serviu
de medianeiro só podia julgar e julgou a mesma inteligência que decidiu com
respeito à da revelação de que antes fora Kardec o missionário. Assim sendo, e
o é, desde que pretendamos, em nossa condição de encarnados, pronunciar-nos em
tal matéria, nos arriscamos a incorrer em erro grosseiro.
Demais, a querermos, apesar de tudo, formar juízo a cerca
dessa oportunidade, arrimando-nos às opiniões do próprio Kardec, seremos
levados, parece-nos, a reconhecer que ela era manifesta, porque de fato não compreendemos
fosse inoportuna, no momento em que apareceu a de Roustaing, uma obra que “tem para os espíritas o mérito de não estar
em contradição, por qualquer de seus pontos, com a doutrina ensinada no “Livro
dos Espíritos” e no “Livro dos Médiuns”, conforme o declara o Mestre no
artigo de que precedentemente transcrevemos largo trecho.
É essa uma afirmação que julgamos da maior relevância na apreciação,
não já somente da oportunidade, mas do valor mesmo da “Revelação da revelação”,
depondo eloquentemente em favor da sua procedência, da sua origem e, portanto,
do seu alcance.
Se por algum ou alguns dos seus pontos ela se mostrasse
contraditória com a doutrina que os espíritos ensinaram e Allan Kardec
codificou nos seus volumes, poderíamos ver nela uma obra destinada a diminuir,
senão a anular, o valor da antecedente, como aponta-la como obra total ou
parcialmente errônea, ainda que o não fosse, para a desacreditar fazendo pairar
sobre ela prejudicialíssimas dúvidas. Não sendo contraditória com a primeira,
nem objetivando retifica-la nos seus pontos capitais ou em alguns destes, ela
toma evidentemente o caráter de obra confirmativa da outra, robustecedora dos
ensinamentos dados por esta ao mundo.
Se, porém, ela não objetivasse alguma coisa mais do que isso,
teria sido, quando menos, ociosa, não deixando todavia de ser sempre
prejudicial, uma vez que aos estudiosos da nova doutrina sobrecarregava o peso
do estudo, sem nenhuma vantagem para o esclarecimento de suas inteligências
pela ampliação do campo de suas cogitações e meditações relativamente aos grandes
problemas referentes aos seres criados, às suas origens, à sua evolução e aos
seus destinos.
É claro, pois, que, de alguma forma, a obra de Roustaíng
se havia de diferençar da de Kardec, embora mantendo-se as duas perfeitamente acordes.
São acordes nos pontos de que ambas trataram. Diferençam-se por abordar a de
Roustaing, esclarecendo-os convenientemente, assuntos ou questões sobro os quais
a de Kardec ou nada dissera, ou só muito superficialmente explicara. Assim
pois, aquela é, como não podia deixar de ser, complementar desta. Tanto basta para
que o espírita verdadeiramente desejoso de o ser de fato, premunido por esse desejo
contra o vírus de todo e qualquer fanatismo, que constitui tropeço enorme e
perigo no progresso espiritual, não se exima de colher os benefícios que ambas
podem e deve auferir, estabelecendo graciosamente para uma, em detrimento da
outra, um cunho de dogmatismo, incompatível com a natureza da própria doutrina,
que, de sua essência mesma, é progressiva.
*
Os pontos pelos quais uma se diferença da outra, deixando
de ser a mais recente simples repetição da anterior, constituem exatamente o “mais”
em relação ao qual Kardec aguardava que a opinião geral se achasse familiarizada
com a ideia espirita.
E que era esse “mais”? Seria absolutamente secundária a
importância de tudo quanto nele ficara englobado?
Só às máximas morais o Mestre se circunscrevera, di-lo
ele próprio. Sem dúvida elas são o principal na obra messiânica de Jesus, pois
que formam o roteiro que ele traçou para a ascensão de todos os espíritos que o
Pai lhe confiara aos páramos celestiais a que se elevara e donde o seu amor sem
limites e a sua sabedoria irradiam de continuo sobre o mundo que habitamos.
Limitou-se, porém, Jesus, no curso da sua missão, a
enunciar essas máximas, que aliás se enfeixam todas na lei do amor, que é a lei
das leis, como ele o proclamou quando disse estarem toda a lei e os profetas
encerrados no mandamento que prescreve ao homem amar a Deus acima de tudo e ao
próximo como a si mesmo?
Não. Da exemplificação multiplicada de cada um de seus
ensinamentos, de cada um dos princípios, das prescrições contidos na doutrina
que trouxera ao mundo, doutrina que, no seu dizer, não era sua mas daquele que
o enviara, fazia ele o maior cabedal, tanto que amiúde recomendava a seus
discípulos e a quantos o rodeavam, que fizessem o que o estavam vendo fazer,
que praticassem o que o viam praticar, que o imitassem nas suas obras, nos seus
netos, no seu proceder. Tão grande, pois, quanto o das lições, das máximas, que
dos lábios lhe saíam era o valor de suas obras, de seus atos, de seu proceder,
de seus exemplos, em suma, e essa de certo a razão por que, escrevendo sob a
inspiração do alto, os evangelistas consagraram tão larga parte dos Evangelhos à
narração minuciosa dos fatos que consubstanciam esses preciosos exemplos.
Ora, ninguém logrará estudar e apreender conveniente e frutuosamente
os ensinos evangélicos, a moral evangélica se desprezar o estudo, a meditação
de cada um dos seus atos, de cada uma das obras daquele que ao homem foi oferecido
por modelo. Só assim o teremos diante de nós a desempenhar pessoalmente hoje
como outrora a missão mediante a qual assentou a base da regeneração humana e
agora começou a ultima-la enviando ao mundo o Consolador prometido.
Mas, a inteligência desses fatos, dessas obras modelares
não pode ser presentemente a mesma, quando outra é, graças à luz trazida por
esse Consolador, o Espiritismo, a de muitas das palavras proferidas por aquele
que as executou, a das próprias máximas morais, que nos ele legou nas páginas
dos Evangelhos.
Assim como estas, para produzirem seus primeiros frutos,
tiveram que ser dadas aos homens envoltas no véu da letra, que só muito mais
tarde, oportunamente, seria levantado, também os atos e as obras que as ilustraram
tiveram que ficar ligados obscuramente à misteriosa divinização da personalidade
excelsa que os praticava.
Uma vez dissipadas as nebulosidades intencionais da letra
dos ensinos, a fim de que pudessem produzir frutos melhores, mais ricos, mais
preciosos do que os até então colhidos, mister se fazia que também se
dissipasse o véu sob o qual falseada se mostrava aos olhos humanos a imagem do
semeador divino, desaparecendo com as névoas da ignorância do passado a
divindade humanizada ou o homem divinizado, o ser sobrenatural, e surgindo em
seu lugar a figura radiosa de Jesus na sua plena realidade espiritual.
Tudo isso se compreende no “mais” com que Kardec não
julgou oportuno ocupar-se e que os mensageiros do Cristo consideraram de
oportunidade revelar a Roustaing para conhecimento da humanidade, completando o
que, por intermédio do primeiro, fora revelado e preparando o que, por
intermédio de outros, ainda o será, em cumprimento destas do Divino Mestre, que
nenhuma proferiu palavras em vão: “Nada há
secreto que não venha a ser conhecido; nada há oculto que não venha a ser
descoberto e a aparecer publicamente.”
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