Res Non
Verba (Fatos
e não palavras)
por Souza do Prado
Reformador (FEB) Setembro 1943
II
Um caso como muitos
Estava o Silva, sentado à sua escrivaninha, escriturando
o grande “Diário”, que tinha, aberto, à sua frente, quando sua atenção foi
distraída pelo modo aflitivo com que o Guerra respondia ao que lhe diziam pelo telefone.
- Mas... como fez você isso?
- ...
- Como? Que diz você?!
- E o médico, que disse?
- Não escapa?!
- Dois médicos?!.. Valha-me Deus!.. Eu vou já para aí.
E o Guerra, completamente transtornado, pousara o
auscultador no respectivo gancho.
- Que foi? Guerra – perguntou ao Silva, muito interessado.
- Imagine você: a minha sobrinha andava passando mal e
minha irmã resolveu leva-la ao médico. Feito o devido exame, receitou-lhe ele
umas gotas para tomar, de duas em duas horas e outras para pingar no nariz de
manhã e a noite. Minha irmã, aviada a receita, iniciou o tratamento.
Infelizmente, a menina começou a piorar, de nora para nora, até que minha irmã
já assustada com o estado da filhinha, resolveu mandar chamar o mesmo médico a
quem antes a levara. Depois de um demorado exame, disse ele que havia uma
intoxicação muito grave e em estado adiantadíssimo: e, após um ligeiro interrogatório,
chegou à conclusão de que minha irmã trocara os medicamentos, dando
internamente as gotas que deveria pingar no nariz, e vice-versa! Ora, como o
medicamento de uso externo era tóxico, ela estivera a envenenar a filhinha,
lentamente, de duas em duas horas durante quarenta e oito horas seguidas!
- O médico propôs que se chamasse um colega, e os dois,
em conferência, concluíram que a menina não tem salvação possível!
Não há mais nada a fazer! - concluiu o Guerra, com as lágrimas
a rebentarem-lhe pelos olhos fora.
- Espera, filho; tem calma! - disse-lhe, confiadamente, o
Silva, que era médium-receitista. - Enquanto há vida, há esperança. E, quando
Deus permite, só os absurdos são impossíveis. Se os médicos desenganaram, dessa
forma, nada perderemos nós em tentar, por todos os meios ao nosso alcance,
salvar a menina, desde que poderemos fazê-lo sem nenhum risco de lhe aumentar
os sofrimentos, e, até, pelo contrário, aliviando-lhes, mesmo quando não conseguíssemos
salvá-la. Queres que peça uma receita ao meu Guia?
- Sem dúvida! - respondeu o Guerra. - Se você vê que inda
pode fazer alguma coisa,
porque não tentar?..
E o Silva, concentrando-se, pediu a assistência do seu guia
espiritual, e escreveu: “Dissolva sabão em água, e dê a beber, o mais depressa
possível. Meia hora depois, dê a beber, o mais depressa possível. Meia hora
depois, dê Nux Vomica 5 e Beladona 5, alternados, de meia em meia
hora, duas gotas para uma colher de sopa de água, durante seis horas; depois,
dê de hora em hora.”
O Guerra tomou um taxi, correndo à farmácia, em busca dos
medicamentos, que, entretanto, o Silva mandou aviar, pelo telefone. E, chegado,
que foi, à casa, medicou, de acordo com as instruções que recebera, a
doentinha, cujo estado era, realmente, gravíssimo.
No dia seguinte, o médico, quando chegou, ficou
surpreendido com o estado da enferma.
- Que deram a esta menina?!
- O que o doutor receitou.
- Não pode ser! O medicamento que eu receitei destinava-se
a minorar lhe o sofrimento, mas não poderia salvar-lhe a vida; e a menina está salva!
A. intoxicação desapareceu!
Não houve outra coisa a fazer senão contarem-lhe o que se
passara; e ele, vendo a receita espírita, disse simplesmente, como quem está sonhando:
- Água com sabão! ...
Quarenta e oito horas depois, a doentinha brincava, como
se nada lhe tivesse acontecido...
Conforme sucedeu com a nossa narração anterior - Não há
efeito sem causa - também no caso que hoje, narramos, tudo é autêntico, incluindo
os nomes dos personagens. O mesmo sucederá - a não ser quando haja qualquer impedimento
quanto aos nomes - com todas as narrativas desta série, que nos propusemos a escrever,
atendendo a uma gentil sugestão do nosso bom amigo e distinto confrade
Almerindo Martins de Castro.
Niterói, 5-IX-1943
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