Religião de verdade
A Redação
Reformador (FEB) 1º Dezembro 1929
Parece
incrível, mas espíritas há que pretendem não seja o Espiritismo uma doutrina
religiosa, para conceitua-la de preferência doutrina filosófica,
exclusivamente, deduzida de fatos experimentais, a eles circunscrita e, como
tal, científica.
Entretanto, Allan Kardec, missionário a quem foi posta a
tarefa inicial de ampliar as eternas verdades, esquecidas e deturpadas através
dos séculos pelo egoísmo dos homens a fim de repô-las ao nível da evolução
mental contemporânea, disse de princípio; que o Espiritismo pela natureza mesma
dos problemas que suscita, não deixaria de abranger e interessar todas as
religiões.
De fato: na transcendência de suas fontes, na unidade e
universalidade dos seus princípios e respectivas aplicações, quer na ordem física,
quer na ordem moral, o Espiritismo é ciência, mas, é também, e principalmente
religião, ou, se o preferirem, ciência religiosa, de vez que abrange em magnífica
síntese todas as religiões e induz a concluir não sejam elas mais, nem menos,
que modalidades de uma única e eterna Verdade imanente, atraindo e acionando a
criatura na medida exata do seu grau de evolução. O que o Espiritismo não é,
nem poderá ser, nunca, é seita religiosa ao nível e de molde às seitas que aí
se ostentam e digladiam no ambiente planetário, só por só, a reivindicarem
política e materialmente, mercê de privilégios inconcebíveis, a posse das
verdades divinas, a chave dos nossos destinos, para jurisdição e governo das consciências.
Não o será, portanto, e muito menos, no aparelhamento e
utilização dessas fórmulas de culto exterior, destinadas a impressionar os
sentidos, mas, já agora, incapazes de faltar a alma e despertar a inteligência
para os surtos do amor e da razão, alcandorando-a (colocando no ponto mais alto) aos esplendores da Fé espontânea, natural, livre de peias
(amarras) e aranhões, abstrusos (ocultos) e dogmáticos.
Não o será, enfim, no sentido de disciplina convencional,
constritiva (que aperta) da consciência, mas se-lo-á na espontaneidade dos
efeitos sobre a mesma consciência, pela grandeza de seus princípio, a
constituírem-se imperativos lógicos, incoercíveis na fluência natural dos fatos,
a não permitirem seccionamentos de efeitos e causas.
De sorte que, se no domínio da experimentação fora lícito
atribuir ao Espiritismo foros científicos, nem por isso se forraria alguém de
lhe perquirir, não diremos as causas - porque essas na essência escapam sempre
ao homem, em que pesem sua filáucia (amor
desmedido de si próprio) e orgulho, quiçá
por isso mesmo - mas, as leis que regem os fenômenos.
Fenômenos inteligentes, complexos e porventura
exorbitantes dos métodos clássicos de observação e raciocínio, mas atestantes, ao
mesmo tempo, e uniformemente atestantes de uma fonte inteligente, extra material,
eles conduzem logicamente, também, à concepção de uma inteligência suprema,
absoluta, causal, ou seja – Deus.
E se Deus é, sempre com Kardec o princípio, o fundamento
racional de todas as religiões, não vemos como abstrair da doutrina dos Espíritos
o seu caráter substancialmente religioso, no sentido veraz do vocábulo, isto é,
no de ligar o efeito à causa, a criatura ao Criador.
O misticismo, palavra cuja pronuncia parece causar
calafrios na alma de muitos confrades forrados de presunções e devaneios
racionalistas, não reside na confusão e na obscuridade, conforme acertadamente
disse Steiner, porque o misticismo tem uma visualização mais vasta, por isso
que implica a crença nas verdades eternas reveladas por Jesus, o maior de todos
os místicos.
Por sua vez, o oculto espiritual dessas verdades não pode
eximir o crente, uma vez delas compenetrado, de viver aquelas virtudes que Ele,
o Cristo, personificou.
E assim temos, no Espiritismo, a sanção indefectível da
Moral, implementar de toda a religião.
Não bastassem estas razões para firmar o ascendente
religioso da doutrina, outras nos sobrariam da categoria e mais que ostensiva
conformidade dos Espíritos superiores, no afirmarem a existência de Deus, a imortalidade
da alma e, finalmente, uma lei moral reguladora dos nossos destinos, tudo, enfim,
que constitui o substrato das religiões.
Além disso, os Espíritos inculcam e aconselham a prece, ato
fundamentalmente místico, como necessário à purificação e iluminação do próprio
ser.
Considere-se, mais, que a humanidade não enferma da falta
de conhecimentos científicos, hipotéticos ou falsos, definitivos ou transitórios,
pois o que lhe falta não é ciência mas consciência de si mesma, noção intrínseca
da sua origem e dos seus destinos, e fácil será concluir pela improcedência de
um Espiritismo humanamente científico.
Sempre com Kardec, vemos que ele se escudou no Evangelho,
apontando- o como paradigma de progresso e salvação espiritual. Por outro lado,
compreendemos que, se para ser espíritas e para ser felizes houvéramos de ser sábios,
o Cristo teria vindo pontificar nos templos e nas academias para os sacerdotes
e doutores do seu tempo.
Ora, isso ele não o fez. Muito pelo contrário, elegeu por
discípulos a humildes pescadores e buscou, de preferência, os simples de
entendimentos mais ricos de coração. Publicanos e Madalenas. Nem para outros
declamou, então, o “Sermão da Montanha”, monumento de sabedoria divina,
apontado ao futuro dos séculos.
Repetem-se os tempos: os arautos do Senhor baixam a revalidar
-lhe os ensinos, a concretizar lhe as promessas; proclamam, alvissareiros, a
ressurreição das almas na exatitude da Lei, e pretende-se, então, ver nisso os
pródromos (os primeiros escritos) de uma nova ciência... Mas, por Deus! antes que a ciência
dos homens se confesse espírita, faz-se preciso que o Espiritismo ressuscite
para o Cristo, em espírito e verdade, os homens da ciência; que ela, a ciência,
se faça cristã, não pela letra que mata
mas pelo espírito que vivifica.
Ora, a ciência humana ainda é, por índole e por princípio,
profundamente materialista. Os que a professam, em regra, negando a Deus, colocam-se
abaixo da esfera de influência dos Espíritos superiores, prepostos à remodelação
espiritual do planeta, na hora agônica que
transcorre.
Também os sacerdotes e caudatários das religiões metafísicas
e abstratas, agonizantes para não dizer mortas e amortalhadas no sudário das próprias
dúvidas, não podem sincronizar as verdades que afloram com a doutrina dos Espíritos
em clarinadas de ressurgimento moral. Uns e outros sectaristas, é natural que
façam no mundo velho e para o velho mundo, a sua ciência, a sua religião. Nós
outros, os coxos e estropiados, iremos sem presunções de escola,
sem classificações preconcebidas, recolhendo de boa mente esmolas e subsídios
para conhecimento da lei, meditando teorias e observando fatos, mas, sem
embargo, orando e vigiando, principalmente, a fim de justificarmos no templo da
consciência a religião da Ciência divina, por excelência, que é antes de tudo
amor e só amor.
Amor a Deus, em teoria, pelo conhecimento progressivo da sua
obra maravilhosa e amor ao próximo, na prática, pelo sentimento, o que vale
dizer na aplicação possível de maior justiça e de maior bondade.
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