O lema
da vitória
Redação
Reformador (FEB) 16 Maio
1929
A perspectiva da reforma do Código Penal e a
intensificação de atividades clericais na hora que passa, preocupam e agitam os
meios espiritistas, chegando alguns de seus expoentes mais zelosos e não menos
autorizados a conjecturar destes sintomas, a possibilidade de uma questão
religiosa em nosso país.
Por nossa parte, e sem com isso abstrairmos da causa em
apreço os valores específicos que porventura possam acionar, dirimir e
decidir-lhe da sorte, diremos desde logo que não admitimos o seu triunfo senão
a título precário e transitório, e nunca, jamais, com o caráter absoluto e
violente que a história regista nos conflitos dessa origem.
Antes de tudo, é força convir que a índole pacifica do
nosso povo é avessa a paixões extremadas de fanatismo. Não temos a bem dizer, a
estratificação tradicional e secular de uma consciência religiosa coletiva,
muito menos de uma religião terrorista e compulsória, sustentada a golpes de
espada e a tiros de canhão.
E a não ser a explosão isolada de um que outro grupo
sertanejo, eivado antes de superstição e misticismo grosseiro que de convicção
ou ideal religioso, propriamente dito, a nossa comunhão político-social tem, pacífica
e liberrimamente, correspondido à sua finalidade histórica de povo jovem, na
formação de um novo continente e quiçá de uma nova civilização, sem
prejuízos sectários.
Fossem mais argutos, mais psicólogos e menos imperialistas
ou visionários os corifeus deste reacionarismo exótico e intempestivo, e veriam
que as necessidades vitais do nosso ambiente prescindem e até proscrevem o
monstruoso anacronismo de uma crença oficial, por significativo de servidão
moral, intelectual e política substancialmente incompatível com a natureza humana, e contrário
a todos os surtos de progresso. O Brasil de nossos dias não é o
Brasil de cinquenta anos atrás, dividido entre senhores e escravos, sem massa
burguesa e sem massa proletária conscientes a pesarem, a influírem e refletirem
na vida política as suas necessidades morais e materiais.
E não há de ser, certo, com os seus setenta por cento de
analfabetos, fanatizados ou fanatizáveis - esses
que constituem de direito e de fato a tão proclamada maioria católica - que
a Egreja se arrogue o direito e o dever de pleitear, para restabelecer, a oficialização
do seu credo.
O Brasil dos nossos dias, a pátria que estremecemos e
queremos livre, pacífica e grande, não nas linhas arquitetônicas dos seus
templos nem na pompa material dos seus cultos mas na consciência evangélica,
que tanto vale dizer nos atos de seus filhos, é a mocidade inteligente sem
atávicos preconceitos de casta, de raça e de escola; é o estrangeiro operoso e
independente que conosco colabora alheio e indiferente a princípios religiosos;
é o operário que faz da oficina o seu templo; é o trabalhador agrário que
comunga na terra e com a terra por fecunda-la, são todos quantos à sombra das
nossas leis benignas e tolerantes vão
realizando a sua missão sem atritos nem violências à lei maior - Lex legum
- do amor a Deus sobre todas as coisas e ao próximo com a a si mesmos.
Depois, é bem de ver, não há antecedentes que justifiquem
perante o bom senso universal a excelência do Catolicismo sobre os demais
credos e confissões religiosas.
Mussita-se (mover
os lábios, sem articular palavras); por aí
que o desregramento dos nossos costumes, a perversão moral e social dos nossos evos
(antepassados) são fruto lídimo da falta de princípios
religiosos...
Argumento cerebrino (irreal) e inconsistente, na verdade, porque a verdade é que,
tomada a religiosidade em sentido católico exclusivo, a separação da Igreja
jamais lhe tolheu as prerrogativas, nunca lhe cerceou atividades, antes pelo
contrário - as estimulou e favoreceu. Por outro lado, o que se pode facilmente
comprovar é que o mal é geral, e quiçá mais grave e mais vultoso nos países
oficial e oficiosamente católicos.
Os homens públicos que a Providência suscita a tempo para
conduzir os povos, têm, no que pesem os seus foros de livre arbítrio, deveres
maiores a que não podem furtar-se impunemente.
Instrumentos da Providência, só os cegos e ignorantes
dessa Providência podem supô-los capazes de ultrapassar de uma linha ou de um
minuto, os seus desígnios.
E como para nós outros se prefigura que os tempos
chegados o são realmente para o ajuste de
contas, impossível sem índices de liberdade relativa, não acreditamos que
os nossos homens de governo queiram e possam, em consciência; contrariar e
subverter uma evolução que vimos afirmando, senão de direito, ao menos de fato,
desde que existimos como entidade política independente.
A mentalidade dos nossos dias já não se conforma com essa
ortodoxia exclusivista e dogmática, fundada em princípios de direito divino, de
uma evidente caducidade. Nem se justificam organizações políticas quaisquer,
com tutelas teocráticas por manter a
imanência de Deus em
codificações terroristas e pueris, que são, em última análise, as verdadeiras,
as legítimas fontes de descrença e fanatismo.
Que Deus ilumine, pois, os corifeus (chefes religiosos)
dessa reação extemporânea e lhes dê, a tempo, a noção das próprias
responsabilidades, como sacerdotes que se inculcam (impregnam) do
Divino Mestre.
Que a nós outros, em busca-lo e tentar servi-lo dentro
dos Evangelhos, isto é, em espírito e verdade, só nos cumpre aguardar com
serenidade de ânimo, que em nós se cumpra a vontade do Senhor!
Valendo a nossa causa por centenas de milhar, senão por
milhão de crentes e valendo, ainda mais, pela integridade da nossa consciência,
- unida a de nossos irmãos protestantes, teosofistas e, finalmente; todos os
espíritos liberais que propugnam pela emancipação moral da humanidade, não recusamos
desde logo a atitude que nos compete,
mas, entenda-se também,
com as únicas armas que se nos permitem - a da Fé esclarecida no cristianismo
d'O Cristo, que manda dar a Cesar o que é de Cesar e a Deus o que é de Deus.
Seja de Cesar “capa e mesmo a túnica”, mas a Deus e só a
Deus pertença a nossa consciência intangível, na consciência da própria vida
que d'Ele promana.
Há cinco séculos, precisamente, a Pucela de Orleans, hoje
canonizada pela Igreja, era levada a fogueira pelo bispo de Beauvais por ouvir
aquelas vozes que lhe ordenavam a libertação da França.
Se os Beauvais brasileiros tentassem, não diremos queimar
vivos, mas encarcerar quantos ouvem, hoje, as mesmas vozes proclamarem a morte
do Syllabus para maior glória de Deus
e do gênero humano na libertação de todas as pátrias, haveríamos, então, de ver
como falariam por eles as próprias lajes das masmorras, se masmorras houvesse
para os deter a todos.
A revide, toda a revide violenta, é indigna de nossa
causa, de vez que só os pacíficos serão chamados filhos de Deus. Coloquemo-nos
com serenidade de ânimo acima de todas as ciladas, porque também dito foi que nas armadilhas de lobos só caem lobos;
sejamos, finalmente, grandes na humildade e saibamos esperar mais de Jesus que
dos homens, a realização das suas promessas.
Não recusemos jamais o testemunho da nossa Fé, mas em o
fazermos, sejamos coerentes, pois O Cordeiro de Deus, ao triunfar na cruz nos
deu o paradigma de todas as vitórias - Perdoai-lhes Pai, porque não sabem o que
fazem.
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