Liberdade de Ensino
Túlio Tupinambá (Indalício Mendes)
Reformador (FEB) Janeiro 1958
O ambiente católico
andou alvoroçado com a perspectiva de alcançar a “liberdade de ensino” segundo
os “princípios cristãos”. Há nessas palavras muita isca para peixes incautos. A
Igreja considera “liberdade de ensino” a adoção de seus especialíssimos pontos
de vista partidários. Para ela, “liberdade de ensino” é um eufemismo que encobre
justamente a inserção de tirar do ensino a liberdade que ele deve ter,
consoante as normas modernas da democracia. Seria, então, a liberdade de seus propósitos
coercitivos, para prevalecerem as intenções católicas de coagir os que não se
curvam aos caprichos clericais e desejam um ensino equidistante de quaisquer influências
religiosas. Por “princípios Cristãos”, entende a
Igreja “imposições católicas”, exercidas em detrimento de outros credos
cristãos, não subordinados a Roma. Não pode o povo brasileiro renunciar às conquistas
da República nesse sentido. Temos de pleitear o reconhecimento de uma liberdade
real, ampla, livre de injunções dogmáticas e de preconceitos políticos de qualquer
espécie. O ensino laico é o que melhor atende aos interesses do País. Nem se
pode conceber volte o ensino a dominação depressiva e deturpadora, constringente
e escravizante do clero católico, cuja intolerância é tradicional, cujo desapego
às recomendações evangélicas se faz notório por sua guerra inclemente a quantos,
embora seguindo o Cristo, se neguem a seguir a Igreja.
O passado pode servir de exemplo claro e iniludível acerca
da flagrante inconveniência de se enunciar aos benefícios do ensino laico, que
pode perfeitamente ser dirigido num sentido moral e cívico sem se prender
unilateralmente a qualquer corrente religiosa. Quando a Igreja fala em “princípios
cristãos”, não se refere à orientação evangélica traçada por Jesus, mas à sua
própria orientação, tantas e tantas vezes distante do Nazareno. O papel das
religiões pode ser perfeitamente cumprido sem interferir no ensino, sem
violentar a formação mental de crianças, sem predispô-la ao fanatismo, sem afogar
seu espírito inexperiente nas trevas do obscurantismo clerical. Se a filosofia educacional
de hoje não consulta os interesses da família brasileira, como soem dizer
elementos de relevo da Igreja, a culpa cabe aos supostos mentores religiosos
dominantes neste Pais há mais de quatrocentos anos, porque sempre contribuíram
para isso, politicado, agindo partidariamente, em vez de trabalharem em plano
superior, evangelicamente mais preocupados em servir à Humanidade do que em se
servir dela. Em quatrocentos anos de ação no Brasil, a Igreja Católica não
soube exercer com elevação e inteligência a missão que lhe cumpria, preferindo
as facilidades da política profana aos sacrifícios de um apostolado verdadeiramente
cristão. Se em quatro séculos a Igreja fez mais fanáticos e incrédulos do que
cristãos legítimos, na verdadeira acepção da palavra, daqui por diante nada de
melhor fará, porque agora o povo já está liberto de uns tantos preconceitos e
não se deixa enganar tão amiúde, pois não teme a intolerância do alto clero, sabe
discernir e escolher o caminho certo do Cristianismo do Cristo, como, por
exemplo, o Espiritismo Cristão, luz que ilumina muitos milhões de brasileiros,
entre os quais numerosos católicos aparentes, isto é, indivíduos que se dizem católicos,
vão a missas, mas aceitam espontaneamente os ensinamentos espíritas, embora não
procedam às claras, conforme a Doutrina recomenda aos seus verdadeiros adeptos
do Espiritismo.
Não faz muitos meses, foi denunciado na Câmara dos Vereadores,
na capital carioca, um livro escolar em que a igreja, ferindo claro e
indeclinável preceito constitucional, atacava o Espiritismo, recorrendo, como sempre,
a argumentos falsos e deles tirando, naturalmente, conclusões do mesmo modo falsos.
Isso demonstra o que poderá suceder se a “liberdade de ensino”, desejada tão ardentemente
pelo credo católico, vier de acordo com os seus “princípios cristãos”, evidentemente
divorciados do Evangelho de Cristo.
O tremendo ataque desfechado contra a personalidade do educador
Anísio Teixeira foi igualmente boa amostra de que a velha e tradicional intolerância
do alto clero está sempre disposta a repudiar o Evangelho para guerrear por todos
os meios naqueles que possam impedir a consumação de seus desígnios. Se hoje a igreja
não conta mais com o Santo Ofício e, consequentemente, com a possibilidade de “'purificar”
milhares de pessoas em fogueiras acesas em nome de Deus, ou nos cárceres infectos
e nas rodas, pavoroso Instrumento de suplício,
ainda possui recursos outros que lhe conferem a subordinação política de grupos
e indivíduos tolhidos por compromissos eleitorais.
Precisamos da liberdade de ensino, mas essa liberdade somente
poderá ser compreendida dentro do critério de laicidade indispensável a uma
democracia legítima. Pior do que a “'filosofia educacional”, que o alto clero
está acoimado de “falsa filosofia”, é a filosofia clerical, que se baseia no atrofiamento
das faculdades de independência intelectual do homem e tem por fim cercear a
liberdade de pensar e de discernir, para que tudo se faça conforme os desejos e
as insinuações clericais. Bem pior que a liberdade mal dirigida é a falta de
liberdade. Se o Brasil não tem, como julga a Igreja, uma filosofia educacional
com necessidades morais de seu povo, de quem a responsabilidade maior, senão da
própria Igreja, que, em quatrocentos anos, poderia ter estabelecido e consolidado
uma filosofia fiel aos Evangelhos, fidedignamente cristã, em vez de estimular e
contribuir, como tem feito, para a deturpação doa ensinamentos de Jesus, quando
seus interesses políticos, dogmáticos e partidários assim o exigem!?
Não se pense que exageramos. Se a lgreja estivesse obediente
aos Evangelhos, não perseguiria ninguém, muito menos outras religiões, cristãs ou
não cristãs, porquanto o princípio de tolerância deveria de ser um de seus mais
evidentes apanágios, porque é necessária e essencialmente, apanágio dos
ensinamentos do Cristo.
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