A prece
Alex Carrel / Lino Teles (Ismael Gomes Braga)
Reformador (FEB) Julho
1941
Alex Carrel, o autor de “O homem, esse
desconhecido", é um nome planetariamente acatado como cientista e pensador.
Neste momento está sendo muito divulgado em todas as Américas um seu esplêndido
artigo sobre o poder da prece.
Declara o grande médico que em sua clínica teve ensejos
de verificar o poder supranormal da prece, quando os recursos da terapêutica haviam
falhado; no entanto, o maior milagre da prece não é esse de curar corpos
enfermos, no conceito de Carrel. Muito mais do que isso faz a prece, porque
cura almas doentes, melhora e transforma o
homem, elevando-o para
Deus.
Sob a onda de materialismo que vem escravizando o mundo,
a prece ficou esquecida. O homem passou a crer de preferência na força
material, mais evidente, do que na Fonte mesma da força, que é o Espirito.
Houve uma dessas lamentáveis evidências falsas que tantas vezes nos têm enganado,
como quando supúnhamos que o Sol girava em torno da Terra. A ilusão de força
material foi tão grande que em certo momento o Chefe da Igreja Católico-Romana
aconselhou o emprego da força militar contra o perigo pagão que ameaçava o
mundo, isto é, até o Infalível Doutor da Igreja foi colhido pelas malhas da
ilusão de que a força material existia como causa e não somente como efeito de
ação do Espirito. Nesta situação, o ensinamento de Carrel vê, de grande
oportunidade, porque nos lembra que temos arma poderosíssima, invencível, para
lutar contra a tempestade que desencadearam os erros acumulados durante milênios.
Aos leitores de Reformador talvez pareça ocioso
aconselharmos destas colunas a prece, pois que isso vem sendo repetido desde o
primeiro momento em que se estuda Espiritismo; mas, não nos parece seja assim
no convívio com os nossos irmãos. O homem velho é muito forte ainda; tenta por
todos os meios impor-se às ideias novas. O espírita está sempre disposto a
criticar, ridiculizar, irritar-se, como qualquer materialista. Conheço até um
que é incapaz de conversar cinco minutos sem ferir a alguém com a mais impiedosa
mordacidade; vive extravasando malevolência e despeito e apesar disso, desses
terríveis exemplos negativos, é um pregador da doutrina, faz preces em público.
Saberá ou poderá orar quem passa a vida
rebuscando meios de amesquinhar, ferir, ridiculizar seus irmãos? De certo que não. O Mestre
por excelência condicionou a eficácia da prece ao perdão das ofensas. Uma alma cheia de
malignidade, que não soube perdoar as ofensas e amar os inimigos, é incapaz de
orar, se bem possa dizer belos palavreados com o nome de prece. Antes de colocar a oferta
sobre o altar, é necessário acertar as desarmonias com os ofensores ou
ofendidos. Passar quinze horas de azedumes, afundando-se nas trevas do
malquerer e, depois disso, cinco minutos em prece, é de uma insensatez
absoluta. Só pelo exercício perseverante adquirimos uma capacidade. Para
adquirirmos a prática de orar, temos que passar a vida cultivando pensamentos
de amor, de harmonia, de perdão; escolher a nossa leitura, evitar todas as
palestras que nos desarmonizem a alma; fugir de toda a sorte de irritação;
cultivar, enfim, a afinidade com os grandes Espíritos. Sem esta preparação de
todo instante, não saberemos orar, por mais brilhantes que sejam as nossas
palavras com pretensão a prece.
Acima de tudo, a prece é amor e só ama quem está
exercitado para isso. Quem se exercita a odiar, só pode odiar, mas nunca orar.
Ao espírita que conhece a lei das reencarnações, que sabe
quanto somos influenciados pelos Espíritos atrasados, que crê numa Justiça
Superior que tudo governa e dirige, nada deveria ofender, surpreender ou
irritar. Tudo está dentro de uma lei perfeita e qualquer irritação é revolta
contra a lei. Logicamente o espírita deveria estar sempre “vigiando e orando
para não cair em tentação”.
A prece é uma força poderosíssima, invencível, capaz de
operar milagres; lamentável é que tão pouco saibamos cultivar em nossa alma
esse poder superior. A forma literária da prece nenhuma significação tem. As
melhores preces são sem palavras, formadas de sentimentos elevados para os
quais a pobre linguagem humana ainda não cunhou vocábulos. A prece que não
brote do coração espontaneamente, sem cogitar de palavras, fica na Terra, não
sobe a Deus.
Como obter esse estado superior de prece espiritual?
Pela contemplação da obra divina, das manifestações da
vida, Flammarion nos diz que chegou a uma dessas preces sublimes (1). Foi esse
o seu caminho. Para outros, haverá outras sendas que conduzam ao mesmo alvo. A
meditação sobre a justiça que se nos revela pelo conhecimento da lei de causa e
efeito, em muitos é bastante para conduzir ao estado superior de prece. Outros
encontram suas inspirações refletindo sobre o progresso de todos os seres e de
todas as coisas, comparando o passado com o presente e prevendo o futuro
grandioso da humanidade.
Muitos são os processos de nos elevarmos à atitude de
prece e só um é o processo oposto que nos impede de orar: a pretensão a juiz.
Quem pretenda ser juiz de seus irmãos, da natureza, de Deus, dispondo de
conhecimentos limitados no tempo, servindo-se de aparências incompreensíveis, irrita-se,
enleia-se, desce e escraviza-se às trevas.
Não julgar é a lei.
Vivemos entre maravilhas, na superfície de uma estrela.
Por toda parte a natureza é um hino de harmonia e beleza ao Criador. Leis admiráveis
e infalíveis governam os movimentos dos astros e dos átomos. O crescimento e
reprodução das plantas, a alegria dos animais, a inteligência dos grandes
homens, tudo é grandioso e belo no mundo. Tudo nos pode encantar e enlevar
desde que os nossos olhos sejam bons e não se detenham erradamente julgando
acabada uma obra em formação e pondo-se a criticá-la. Essa obra mala acabada é
o nosso irmão com pretensões a juiz e condenador de aparências.
“Devemos orar sempre, pensar sempre em Deus e procurar
cada vez mais elevar-nos à compreensão das maravilhas do Universo, sem nos
prendermos demasiado a um só momento da eternidade. Um momento isolado da vida
da humanidade pode parecer-nos um pandemônio; mas, ligado esse momento aos milênios
passados e futuros, tudo se torna harmonioso e justo, digno da sabedoria do
Eterno.
A prece constante é a luz que iluminará a nossa jornada
rumo ao futuro.
(1) “Deus na Natureza”.
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