Consciência
religiosa
A Redação
Reformador (FEB) 16 Outubro 1929
Conan Doyle ao prefaciar a obra do Rev. Vale Owen diz,
com justeza, que todas as religiões faliram em seus processos e objetivos, diante
do conflito mundial (1ª Grande Guerra)
que ensanguentou a parte mais civilizada da humanidade.
Mas essa guerra, aliás prevista e proclamada, como
expressão de falência moral, pode considerar-se apenas a explosão de um mal
mais grave, mais profundo, que as religiões jamais cuidaram de aniquilar em
suas fontes vivas.
Originadas e organizadas à força e pela força amparadas,
sempre, ora em luta franca, ora em acomodações veladas com os poderes temporais
emergentes, as igrejas são filhas legitimas das revoluções e tumultos
seculares, a caminharem de flanco e distanciadas de toda a evolução racional.
Negativas na teoria e anódicas (sem
importância) na prática.
O seu contato, antes político que natural, se faz com os
governos e não com os povos. Respeitadas ou temidas pela tradição de poderio e
grandeza, em cultos externos aparatosos, elas, as religiões, deixaram de ser
compreendidas e amadas em princípio e por princípio, para degenerarem, assim,
num automatismo intelectual obrigatório e inconsciente. A obrigação substituiu
a devoção, o ritual dispensa a indagação, a vibração, a iluminação.
Ser crente não é ser consciente, é ser autômato e levado
de roldão nas torrentes da vida, obediente e apassivado ao fatalismo do
momento.
Pontificados teóricos e não vividos nem demonstrados, legislações abstratas não podem,
efetivamente, atuar no espírito das massas para modificar pendores inatos e
melhorar os destinos da humanidade.
E neste sentido fora talvez lícito modificar o conceito
do ilustre pensador inglês, para dizer que as religiões não chegaram a falir,
porque nunca, jamais, se provisionaram de recursos capazes de lhes assegurar
uma hegemonia real, estável e definida, na pacificação do mundo.
Nunca, a bem dizer, procuraram espiritualizar a crença,
de feição a matar no homem apetites materiais, tal como fizeram os Apóstolos,
sem recursos outros que os da própria Fé nas promessas do Messias de Deus.
Politicantes (politiqueiros) por excelência, no intuito de senhorear as consciências
e colaborando em todas e por todas as tiranias, os presumíveis ministros de
Deus bem cedo se esqueceram de que só há uma realeza legitima e capaz de
avassalar o mundo, que é a do amor.
E o que aqui se aplica mais taxativamente à influência do
pensamento religioso no ocidente, também se pode generalizar ao oriente, com as
suas organizações aristocráticas e seccionadas do grande rebanho de fanáticos e
supersticiosos, destinados mais a obedecer cega, passivamente, que a raciocinar
inteligente e livremente.
O rigor disciplinar das fórmulas convencionais, a
autoridade dos textos escritos criou, dessa arte, um hábito que se transmite de
geração a geração, em detrimento daquela autonomia natural que, num imperativo espontâneo
e não menos natural da razão humana, constitui o “substractum” de todas as religiões, ou por melhor, dizer da
Religião, que é uma e única, em síntese filosófica.
Em 1914, vimos a França católica, ao lado da Inglaterra
luterana, combater contra a Alemanha luterana, a Áustria católica e a Turquia
muçulmana; e todas teístas do mesmo Deus, a invocarem o seu Deus para o “sabá” -
da destruição sanguinosa e fratricida!
Agora, vemos o massacre de Judeus por maometanos, e vemos
a Rússia cismática em fase da China búdica, prestes a se chocarem pelas
armas!
Daí, a conclusão de que o sentimento religioso remanesce divorciado
da finalidade religiosa em sua veraz acepção de fraternidade universal.
Daí, a prova que as Igrejas, sejam quais forem os seus
matizes ortodoxos e os seus métodos de ação e catequese, não tem autoridade para
reivindicar uma jurisdição universal.
Essa autoridade tê-la-á o Espiritismo firmado nos
Evangelhos, porque oriundo dos Espíritos, que não têm pátria nem interesses
mundanos a propugnar e não só falam, mas demonstra a realidade da sobrevivência
do ser consciente, apontando-lhe um destino imanente e transcendente a todos os
problemas ocasionais e contingentes ao plano físico, que é meio e não fim.
A essa mesma conclusão chega o emérito pensador inglês,
mas, para que ela seja uma realidade apreciável no desdobro das atividades
coletivas do planeta, preciso se faz ainda, expurgar a criatura humana desse
individualismo que lhe intercepta a visualização do problema universal,
indefinido e eterno, e a retém manietada a preconceitos de casta, de raça, de
pátria, de sociedade e de família, a confundir o que é de César com o que é de
Deus, dando frequentemente a Deus o que é de César e a César o que é de Deus. É
preciso, finalmente, se convença o homem que os Espíritos de hoje foram os
homens de ontem e que, artífices da Verdade absoluta, por gradações relativas,
em lecionarem de planos mais lúcidos, com maior amplitude e segurança, os desígnios
da Providência, nem por isso nos isentam de esforço e trabalho próprios para
nos libertarmos da ignorância e dos erros que lhe condizem quer moral, quer
intelectualmente.
E assim sendo, generalizado o critério das opiniões
singulares, seja de encarnados, seja de desencarnados, à revelia de um padrão
de aferências, de uma lei insofismável - neste caso a Lei de Amor qual se impõe
nos Evangelhos em espírito e verdade - o Espiritismo acabar percorrendo o ciclo
das religiões conhecidas, isto é: dividido e subdividido em escolas e seitas
prontas a se digladiarem por amor à Verdade, mas, na verdade, fora e longe da
verdade.
Eis porque, ressalvados os imperativos de uma bem
entendida liberdade e iniciativa individual, não prescinde a prática do estudo
e meditação, do conhecimento, em suma, das leis que regem o mundo físico e o
mundo espiritual.
Não é, pois, uma doutrina de aplicações e rendimentos
empíricos, mas racional e científica no que a razão e a ciência podem suscitar
de mais nobre e elevado. Nem de outro modo se poderia conceitua-la, porque da
ignorância só pode derivar o fanatismo.
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