“Bem-aventurados os que choram...”
José Brígido (Indalício
Mendes)
Reformador (FEB) Julho 1960
Naquela
tarde o bom velhinho chegara cansado, mas contente. Perguntei-lhe a razão da
alegria e ele respondeu com certa discrição:
- Hoje
consegui realizar todas as obrigações da minha lista.
E apontou para
uma tira de papel cheia de anotações.
- Que é isso?
- Uma
pequena relação do meus deveres de cada dia. Há muito anos venho tentando realizar tudo quanto nela escrevo todas as manhãs, ao sair de
casa. Ora fazia umas coisas e não cumpria outras: ora não conseguia realizar nenhuma. Não
me deixava, porém, a esperança de um dia alcançar todos os objetivos assinalados.
Hoje fui de tal sorte favorecido pelas circunstâncias que consegui riscar a
lista toda. Explico-lhe: cada vez que cumpria uma da obrigações que me impunha,
riscava a linha que a ela se referia.
- Posso ver
o que aí está escrito, ou é segredo?
- Pode, sim.
Não tenho segredos.
Então, li:
“Egoísmo -
devo combatê-lo com o desinteresse e a generosidade.
Ambição
malsã - preciso substituí-la pelo espírito de renúncia, e pela solidariedade espontânea,
sincera.
Vaidade -
urge desterrá-la do meu modo de ser.
Orgulho - é
do meu dever dominá-lo integralmente pela humildade e compreensão.
Inutilidade
- devo cooperar com todos os que precisam de ajuda, desfazendo em mim, a indiferença
pelo próximo e a esterilidade da minha vida de relação.
- Realmente,
amigo, foi uma grande tarefa.
- Árdua tarefa que me tem tomado
longos anos de tentativa. Felizmente, aprendi no Espiritismo a não desaminar e
a ter a certeza de que nunca estou só. Se a a minha intenção for firme, sempre
saberei de que nunca estou inteiramente. Ao retornar a casa, fortalecia-me! o
desejo de ser mais feliz na próxima vez e ia fazendo aM minhas fraquezas uma
reserva de forças. Quantas vezes mostrei o firme propósito de proceder sempre
bem, mas, quando me apercebia do que se passava, estava sendo miseravelmente egoísta,
torpemente orgulhoso e mais vaidoso que nunca! Ah! A virtude é muito mais difícil
de adquirir mas os vícios são extremamente fáceis... Se alguém me contrariava
ou se eu ouvia algo desagradável, meu orgulho repontava belicoso, não deixando
lugar para a humildade. Porém, se me elogiavam por qualquer coisa, eu já me supunha
um super-homem. Enfeitava-me com o sorriso superior dos fátuos e ficava convencido
de que valia muito mais do que os que me rodeavam: ...Grande tristeza me cobria
a alma sempre que me pilhava vogando nesse mar perigoso, que traía as minhas
melhores intensões. Reforçava-me de vontade para reagir e reagia durante algum
tempo. Às vezes, pensando mais em mim prejudicava
outras pessoas. A batalha era terrível. Eu era o maior obstáculo à minha reabilitação. Mas fui progredindo. Muito pouco, mas fui.
Quando consegui escorar-me, ainda vacilante, na renúncia, no desapego ao ao meu “ego”,
compreendi os benefícios da solidariedade sincera e a função negativa da
ambição malsã, tão perniciosa e má quanto o egoísmo, porque dele provém.
Então, hoje
é um dia feliz, não é?
- Sim, não deixa
de ser um dia feliz. Não constitui, no entanto, uma vitória, mas uma reação satisfatória.
Somente terei triunfado quando não houver mais nenhuma possibilidade de ocorrer
uma derrota diante das provas agora vencidas. Recebi as graças de hoje como misericordioso
estímulo para os dias de amanhã, que serão muito mais difíceis. Porquê? Sempre
que avançamos um centímetro, as dificuldades se multiplicam. Temos de defender
esse avanço com o maior empenho. Somos como um objeto lançado para cima, que tende
a cair por efeito da lei da gravidade...
- Você é um
homem admirável!
- Não me
diga isso; amigo! Ajuda-me a levantar, não a cair. Admiráveis são os que já conseguem não cair mais. Nossa vida é feita de quedas e levantamentos,
de recuos e avanços, de derrotas e vitórias. O mérito está em ir cada vez caindo
menos, em conservar-se cada vez mais de pé. Achamo-nos muito longe do Cristo
para pretendermos, por enquanto, viver sem decair. Nele, através dos trabalhadores
do Além, buscamos alento para persistir
na luta: sem esmorecimento. Há mérito, sem dúvida, nos que, apesar de falharem
muitas vezes; teimam corajosamente na ânsia de superar as próprias deficiências, certos de que um dia, que pode estar perto, como pode estar
muito distante, alcançarão o nobre desiderato.
Eu olhava, admirado,
para esse velho de alma juvenil. Que exemplo maravilhoso me proporcionava o
ancião!
E
prosseguiu:
- Temos o
dever de trabalhar todos os dias pela melhoria do nosso caráter, pelo fortalecimento
das nossas aquisições morais, pelo aprimoramento dos bons conhecimentos que
adquirimos. Se falharmos por imprudência, tanto pior. Se cairmos porque ainda
somos inexperientes ou incapazes de resistir com êxito, poderemos procurar em
nós mesmos as forças necessárias a tentativas menos frágeis. Seja como for; a beleza
está em persistir e jamais ceder aos reveses. Cada vez que retomarmos a luta,
estaremos dando ao Alto um testemunho de honestidade, determinação e de pura
boa vontade.
Fez-se
pequeno intervalo. O velhinho passou o lenço nos olhos e rematou:
- Há muitos
anos que eu não obtinha o resultado que hoje alcancei. Fui premiado, mas não me
envaideço por isso. Contudo,é justo que meu coração esteja jubiloso. Agora,
terei de redobrar a minha vigilância, porque a subida será bem mais áspera. Quanto
mais se sobe, mais se cansa. É preciso coragem, é preciso, sobretudo, fé. Deus
teve pena de mim, oferecendo-me, neste fim de encarnação, a bênção dessa
oportunidade. Deu-me forças, deu-me coragem,
deu-me principalmente fé em mim mesmo para que eu pudesse reafirmar a fé que n’Ele deposito! Daqui por
diante, necessito de muita humildade, muita mesmo, para não esbanjar, como um perdulário inconsciente, a
grande esmola recebida.
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Ao ver a
lágrimas correrem, francas e desembaraçadas, pelas faces enrugadas do animoso ancião,
fui-me afastando discretamente, envergonhado da minha inferioridade, da minha
fraqueza, das imperfeições e defeitos que me marcam a individualidade. Se
aquele velhinho se julgava sem valor, que valerei eu, deficiente e covarde, que
não posso sequer imitá-lo? Diante
daquelas lágrimas sinceras, tive a impressão de ouvir, docemente proferidas,
estas palavras do Sermão da Montanha:
-
Bem-aventurados os que choram porque serão consolados!
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