sexta-feira, 22 de novembro de 2019

Profissão de Fé - Parte 9



Profissão de Fé – parte 9        
por Gustavo Macedo
Fonte:  Reformador (FEB) a partir de 15 de Abril de 1905
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                               São Paulino, na vida de São Felix de Nole, atesta que viu um possesso andar na abóbada duma igreja, com a cabeça para baixo, sem se desarranjarem suas roupas, e que esse homem ficou são no túmulo de São Felix.  (O Demônio, vol II, pág. 128. Typ. Saleriana.)

                        O cunhado está doido, ou faz de mim chacota?
Que pretende inferir da estúpida anedota? (Tartufo. Tradução de Castilho, págs. 23).

            Não é pequeno o nosso reconhecimento ao irmão que de bom grado se prestou a ir à tipografia dos padres salesianos, de Santa Rosa, adquirir, para bem servirmos aos leitores da Profissão de Fé, obras devotas, e sobretudo o tratado em dois volumes - O Demônio.

            Já falamos na célebre tentativa de deposição celeste, em que as forças legais eram comandadas por S. Miguel e as revoltosas por Lúcifer, também alcunhado Satanás ou Belzebu.

            O motivo da batalha não é sabido pela igreja, que declara não ser necessário sabe-lo. Segundo uns teólogos, o anúncio da encarnação do Verbo deu motivo a exasperação de Lúcifer, que entendia não dever adorar o futuro Cristo.

            Outros pensam, com S. Tomás de Aquino, que o demônio julgava poder subir à ‘bem-aventurança sobrenatural’ e quis conquistá-la sem o socorro do Criador.

            Isto de ‘bem-aventurança sobrenatural’ não é claro, é assim uma espécie de - claridade muito obscura. Enfim, coisas de teologia.

            Apesar de expulsos do paraíso depois da derrota, os demônios conservaram ‘a inteligência e força superiores as do homem’ como anteriormente tinham.[1]

            Toma Satanás diversas formas para se apresentar aos homens: “a fealdade dos condenados é proporcionada à grandeza dos seus crimes”. É comum a aparência do bode, porque “na grande cena do juízo final é o símbolo dos escravos do pecado”; no Éden tinha a forma de serpente quando tentou a Eva. São Estanislau Costa e o cura d’Ars viram-no em um cão: “é o símbolo do vício impudente”. O referido Cura, que foi o venerável Vianney, avistou-o muitas vezes em forma de ratos.

            Santo Irineu afirma que Simão Júpiter é o filho primogênito do diabo, e que em Roma, na presença do imperador Nero, voou no anfiteatro diante do tirano e por entre as aclamações da multidão.

            Na vida de Santo Hilarião conta-se que todos os dias levavam-lhe animais possuídos do demônio.

            Certo dia foi à sua presença um terrível camelo, amarrado por grossas cordas, pois esse animal matara mais de trinta pessoas; a boca espumava, a língua movia-se perpetuamente, e ele dava rugidos que atroavam os ares.

            São Jerônimo refere muitos casos passados junto ao túmulo de S. João Batista, em que Paula, sua discípula, estremecia de horror ouvindo o uivar, ladrar e assobiar dos demônios, outros piruetar com a cabeça, que caía sobre os calcanhares, até tocar ao chão. Algumas mulheres ficaram suspensas no ar com a cabeça para baixo, e contudo estavam cobertas.[2]

            Às vezes o demônio finge-se de monge, simulando rezar o rosário piedosamente. Outras vezes procura entrar no corpo humano pela alimentação; uma freira, certo dia, quase o engoliu em uma folha de alface. Não poucas ocasiões toma o diabo a forma de mulher, por ser a mais tentadora; por isso o povo afirma que as mulheres que vivem em união demasiado estreita com os padres são demônios, o que se poderá certificar, observando às sextas-feiras as mulas sem cabeça, transformação a que ficam sujeitas  nesse dia da semana.

            Dizem que o desgraçado que encontra desembestada uma das tais mulas, deve, para fugir aos seus perigosos coices, esconder as unhas, por onde esse animal infernal reconhece a criatura.

            Tal doutrina, porém, das mulas sem cabeça não é oficial da igreja: faz parte da tradição popular.

            A pura e teológica doutrina dos santos padres é a que Augusto Collet resumiu nos trechos seguintes:
            “Uns têm asas de morcegos, pontas, couraças escamosas, grifos e agudíssimos dentes, de serras, de grelhas, de foles, de clavas, empregando tudo isto durante a eternidade numa espécie de açougue e cozinha da carne humana. Há outros transformados em leões, e víboras enormes, arrastando as preás em solitárias cavernas; alguns desfiguram-se em corvos para arrancar os olhos a certos padecentes, enquanto outros se transformam em dragões voláteis, e vão carregados de almas sangrentas através de tenebrosos espaços, e as precipitam no lago de enxofre. Além se vêm nuvens de gafanhotos e de agigantados escorpiões, cuja vista arrepia, cujo cheiro enoja, cujo menor contato convulsiona. Acolá estão os monstros policéfalos, abrindo vorazes fauces, sacudindo as crinas formadas de áspides, triturando os condenados entre os seus queixos sangrentos, e vomitando-os logo mastigados, mas ainda vivos; porque são imortais.”[3] 

            Apesar da proteção dos demonólogos e das autoridades que citamos no capítulo anterior, julgamos ser impossível dar uma estatística segura ou fazer um recenseamento perfeito da população demoníaca, pois o clássico Bernardes nos refere: “O padre Francisco de Fano, religioso capuchinho, antes de o ser, estando em oração, viu em espírito chover da terra almas no Inferno, tão espessas como quando as nuvens chovem em um dia de grande tempestade cerrada; e viu que muitas delas eram de pessoas religiosas de um ou outro sexo. Tornando em si, ficou tão atemorizado que logo, logo, de carreira lançou a fugir para o convento dos Capuchinhos, onde pediu a vozes o hábito; e depois de professo contava com vivas lágrimas este sucesso, e causa de sua vocação.”[4]

            Entendidos no entretanto nos afirmam que lá existem, além do imperador, 23 duques, 13 marqueses e 10 condes.

            Conhecido o diabo em todas as suas modalidades, e os males que produz aos cristãos, a igreja, no intuito de premunir os seus fiéis das artimanhas diabólicas, aconselha-lhes entre outras coisas o uso da água benta como o antídoto mais eficaz. Lê-se à página 138 da obra citada - O Demônio:    
    
            “Como dizem eles, esta água, por exemplo, expulsaria o demônio, que nem mesmo ela pode tocar, pois ele não tem corpo?” Responde o cristão: “Não é a água que expulsa o demônio, é a bênção.” Uma bênção é uma virtude espiritual que Deus dá a um objeto material, para que o possamos empregar em tempo conveniente. O objeto bento vem a ser assim, pela vontade de Deus, o veículo duma graça conforme à bênção recebida. Ora, eis qual é a bênção da água:

            “Eu te exorcizo, criatura d’água, em nome de Deus Padre todo poderoso, em nome de Jesus Cristo seu Filho Nosso Senhor, e na virtude do Espírito Santo, para que sejas água exorcizada para expulsar todo o poder do inimigo, desarraigar e arrancar o mesmo inimigo com seus anjos apóstatas, pela virtude de Nosso Senhor Jesus Cristo.”

            “Graças a esta prece da Igreja, a água benta, empregada com religião, afasta o demônio, atormentado, não pela água, mas pela virtude divina, da qual essa água é o receptáculo. A prática da água benta remonta aos primeiros tempos do Cristianismo, pois que as Constituições apostólicas, redigidas no fim do quarto século, chamam-na um meio de afugentar os demônios. Os bons cristãos têm sempre água benta em sua morada; empregam-na ao menos de manhã, ao despertar, e de noite antes de adormecer. Enquanto aos demais, devem saber que, se não é obrigação tomar água benta, deve-se respeitá-la, como tudo o que a Igreja santifica por suas bênçãos.”

            É singular: a água benta que tanta ação tem sobre os tinhosos, não tem nenhuma sobre os micróbios pois há pouco tempo um bispo italiano ordenava, em sua diocese, a máxima limpeza e desinfeção nas pias da referida água.

            Ao chegarmos entretanto ao final deste capítulo, o leitor há de naturalmente refletir e observar: mas esta não é uma notícia da obra de Allan Kardec.

            É certo. Que fazer, então? Topamos com o papão, velho gasto e desmoralizado; não nos quisemos dispensar de dar-lhe um piparote. O medo que nos quiseram meter, quando já no uso da razão nos obrigou a rir: - está é uma gargalhada diabólica.

            Tornaremos ao querido Mestre. 

[1]  Demônio, vol. I, págs. 14 e 16.
[2]  Ob. Cit., págs. 129.
[3]  Aug. Collet, O Inferno, págs. 122.
[4]  M. Bernardes, Pão Partido, vol. I págs. 17 e 18.

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