Profissão de Fé – parte 9
por Gustavo Macedo
Fonte: Reformador (FEB)
a partir de
15 de Abril de
1905
37
São Paulino, na vida de São Felix de Nole, atesta que viu um
possesso andar na abóbada duma igreja, com a cabeça para baixo, sem se
desarranjarem suas roupas, e que esse homem ficou são no túmulo de São
Felix. (O Demônio, vol II, pág. 128. Typ.
Saleriana.)
O
cunhado está doido, ou faz de mim chacota?
Que pretende inferir da estúpida anedota? (Tartufo. Tradução de Castilho, págs. 23).
Não é pequeno o nosso reconhecimento ao irmão que de bom grado se prestou a ir
à tipografia dos padres salesianos, de Santa Rosa, adquirir, para bem servirmos
aos leitores da Profissão de Fé, obras devotas, e sobretudo o
tratado em dois volumes - O Demônio.
Já falamos na célebre tentativa de deposição celeste, em que as forças legais
eram comandadas por S. Miguel e as revoltosas por Lúcifer, também alcunhado
Satanás ou Belzebu.
O motivo da batalha não é sabido pela igreja, que declara não ser necessário
sabe-lo. Segundo uns teólogos, o anúncio da encarnação do Verbo deu motivo a
exasperação de Lúcifer, que entendia não dever adorar o futuro Cristo.
Outros pensam, com S. Tomás de Aquino, que o demônio julgava poder subir à ‘bem-aventurança
sobrenatural’ e quis conquistá-la sem o socorro do Criador.
Isto de ‘bem-aventurança sobrenatural’ não é claro, é assim uma espécie de -
claridade muito obscura. Enfim, coisas de teologia.
Apesar de expulsos do paraíso depois da derrota, os demônios conservaram ‘a
inteligência e força superiores as do homem’ como anteriormente tinham.[1]
Toma Satanás diversas formas para se apresentar aos homens: “a fealdade dos
condenados é proporcionada à grandeza dos seus crimes”. É comum a aparência do
bode, porque “na grande cena do juízo final é o símbolo dos escravos do pecado”;
no Éden tinha a forma de serpente quando tentou a Eva. São Estanislau Costa e o
cura d’Ars viram-no em um cão: “é o símbolo do vício impudente”. O referido Cura,
que foi o venerável Vianney, avistou-o muitas vezes em forma de ratos.
Santo Irineu afirma que Simão Júpiter é o filho primogênito do diabo, e que em
Roma, na presença do imperador Nero, voou no anfiteatro diante do tirano e por
entre as aclamações da multidão.
Na vida de Santo Hilarião conta-se que todos os dias levavam-lhe animais
possuídos do demônio.
Certo dia foi à sua presença um terrível camelo, amarrado por grossas cordas,
pois esse animal matara mais de trinta pessoas; a boca espumava, a língua
movia-se perpetuamente, e ele dava rugidos que atroavam os ares.
São Jerônimo refere muitos casos passados junto ao túmulo de S. João Batista,
em que Paula, sua discípula, estremecia de horror ouvindo o uivar, ladrar e
assobiar dos demônios, outros piruetar com a cabeça, que caía sobre os calcanhares,
até tocar ao chão. Algumas mulheres ficaram suspensas no ar com a cabeça para
baixo, e contudo estavam cobertas.[2]”
Às vezes o demônio finge-se de monge, simulando rezar o rosário piedosamente.
Outras vezes procura entrar no corpo humano pela alimentação; uma freira, certo
dia, quase o engoliu em uma folha de alface. Não poucas ocasiões toma o diabo a
forma de mulher, por ser a mais tentadora; por isso o povo afirma que as
mulheres que vivem em união demasiado estreita com os padres são demônios, o
que se poderá certificar, observando às sextas-feiras as mulas sem cabeça,
transformação a que ficam sujeitas nesse dia da semana.
Dizem que o desgraçado que encontra desembestada uma das tais mulas, deve, para
fugir aos seus perigosos coices, esconder as unhas, por onde esse animal
infernal reconhece a criatura.
Tal doutrina, porém, das mulas sem cabeça não é oficial da igreja: faz parte da
tradição popular.
A pura e teológica doutrina dos santos padres é a que Augusto Collet resumiu
nos trechos seguintes:
“Uns têm asas de morcegos, pontas, couraças escamosas, grifos e agudíssimos
dentes, de serras, de grelhas, de foles, de clavas, empregando tudo isto
durante a eternidade numa espécie de açougue e cozinha da carne humana. Há
outros transformados em leões, e víboras enormes, arrastando as preás em solitárias
cavernas; alguns desfiguram-se em corvos para arrancar os olhos a certos
padecentes, enquanto outros se transformam em dragões voláteis, e vão
carregados de almas sangrentas através de tenebrosos espaços, e as precipitam
no lago de enxofre. Além se vêm nuvens de gafanhotos e de agigantados
escorpiões, cuja vista arrepia, cujo cheiro enoja, cujo menor contato
convulsiona. Acolá estão os monstros policéfalos, abrindo vorazes fauces,
sacudindo as crinas formadas de áspides, triturando os condenados entre os seus
queixos sangrentos, e vomitando-os logo mastigados, mas ainda vivos; porque são
imortais.”[3]
Apesar da proteção dos demonólogos e das autoridades que citamos no capítulo
anterior, julgamos ser impossível dar uma estatística segura ou fazer um
recenseamento perfeito da população demoníaca, pois o clássico Bernardes nos
refere: “O padre Francisco de Fano, religioso capuchinho, antes de o ser,
estando em oração, viu em espírito chover da terra almas no Inferno, tão
espessas como quando as nuvens chovem em um dia de grande tempestade cerrada; e
viu que muitas delas eram de pessoas religiosas de um ou outro sexo. Tornando
em si, ficou tão atemorizado que logo, logo, de carreira lançou a fugir para o
convento dos Capuchinhos, onde pediu a vozes o hábito; e depois de professo
contava com vivas lágrimas este sucesso, e causa de sua vocação.”[4]
Entendidos no entretanto nos afirmam que lá existem, além do imperador, 23
duques, 13 marqueses e 10 condes.
Conhecido o diabo em todas as suas modalidades, e os males que produz aos
cristãos, a igreja, no intuito de premunir os seus fiéis das artimanhas
diabólicas, aconselha-lhes entre outras coisas o uso da água benta como o
antídoto mais eficaz. Lê-se à página 138 da obra citada - O Demônio:
“Como dizem eles, esta água, por exemplo, expulsaria o demônio, que nem mesmo
ela pode tocar, pois ele não tem corpo?” Responde o cristão: “Não é a água que
expulsa o demônio, é a bênção.” Uma bênção é uma virtude espiritual que Deus dá
a um objeto material, para que o possamos empregar em tempo conveniente. O
objeto bento vem a ser assim, pela vontade de Deus, o veículo duma graça
conforme à bênção recebida. Ora, eis qual é a bênção da água:
“Eu te exorcizo, criatura d’água, em nome de Deus Padre todo poderoso, em nome
de Jesus Cristo seu Filho Nosso Senhor, e na virtude do Espírito Santo, para
que sejas água exorcizada para expulsar todo o poder do inimigo, desarraigar e
arrancar o mesmo inimigo com seus anjos apóstatas, pela virtude de Nosso Senhor
Jesus Cristo.”
“Graças a esta prece da Igreja, a água benta, empregada com religião, afasta o
demônio, atormentado, não pela água, mas pela virtude divina, da qual essa água
é o receptáculo. A prática da água benta remonta aos primeiros tempos do
Cristianismo, pois que as Constituições apostólicas, redigidas no fim do quarto
século, chamam-na um meio de afugentar os demônios. Os bons cristãos têm sempre
água benta em sua morada; empregam-na ao menos de manhã, ao despertar, e de
noite antes de adormecer. Enquanto aos demais, devem saber que, se não é
obrigação tomar água benta, deve-se respeitá-la, como tudo o que a Igreja
santifica por suas bênçãos.”
É singular: a água benta que tanta ação tem sobre os tinhosos, não tem nenhuma
sobre os micróbios pois há pouco tempo um bispo italiano ordenava, em sua
diocese, a máxima limpeza e desinfeção nas pias da referida água.
Ao chegarmos entretanto ao final deste capítulo, o leitor há de naturalmente
refletir e observar: mas esta não é uma notícia da obra de Allan Kardec.
É certo. Que fazer, então? Topamos com o papão, velho gasto e desmoralizado;
não nos quisemos dispensar de dar-lhe um piparote. O medo que nos quiseram
meter, quando já no uso da razão nos obrigou a rir: - está é uma gargalhada
diabólica.
Tornaremos ao querido Mestre.
[1] Demônio,
vol. I, págs. 14 e 16.
[2] Ob. Cit., págs.
129.
[3] Aug.
Collet, O Inferno, págs. 122.
[4] M.
Bernardes, Pão Partido, vol. I págs. 17 e 18.
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