A incredulidade e a ciência
Reformador (FEB) Janeiro 1924
Tratando
da incredulidade dos homens, que tudo negam, sem estudar os fatos, assim se
exprime Camille FIammarion, em interessante artigo publicado na Revue Spirite:
O
desconhecido de ontem será a verdade de amanhã. A ciência nos mostra grande número
de homens eminentes que pararam na senda do progresso, imaginando que a sua ciência
tinha dito a última palavra no assunto.
O
imortal Lavoisier, que tinha revolvido a flogística (fluido que os antigos químicos supunham inerente a todos
os corpos e que, segundo acreditavam, produzia a combustão ao abandonar esses
corpos) e que criou a química, ficou solidário
com as ideias de seu tempo. Encarregado pela Academia de Ciências de apresentar
um relatório sobre a queda de um aerólito, aliás muito bem observado, redigiu
em 1769, um documento em que declarava o seguinte, sob o título: Relatório sobre uma pedra que se pretende
tenha caído do céu durante uma tempestade.
“Se a existência de pedras do raio sempre foi
olhada como suspeita em um tempo em que os físicos não tinham nenhuma ideia da
natureza do raio, com mais forte razão o deve ser hoje que os físicos modernos
descobriram que os efeitos desse meteoro são os mesmos da eletricidade.”
Depois
de descrever a maneira por que foi vista a queda do aerólito e preocupado com a
lenda popular que dava essa pedra como produto do raio, acrescentou:
“Cremos poder concluir que a citada pedra
não tem sua origem no raio, que ela não caiu do céu.”
No
entanto, várias testemunhas viram a pedra cair em pleno dia 13 de setembro de
1768 em campo raso. Ela lá estava, examinaram-na, analisam-na e concluíram...
que não tinha caído do céu.
O
testemunho humano é aí considerado como nulo, e, em nossos dias, certa escola
continua a ensinar que as testemunhas, quaisquer que sejam, não tem nenhum
valor probante.
Ora,
não era a 1ª vez que se via cair do céu uma ou muitas pedras. Para citar a mais
celebre, lembremos que a 7 de novembro de 1491, em Ensisheim, uma pedra enorme caiu
diante de todo um exército, perto de Maximiliano I, rei dos romanos.
Os
seres humanos pensam ainda que os fenômenos metapsíquicos não são admissíveis,
pela razão de que admiti-los seria pôr em dúvida certos princípios do ensino clássico.
*
Não
é necessário remontar a um século para nos certificarmos desse espírito tão
funesto ao avanço do saber humano.
Eu
vi com meus olhos o fonógrafo negado, na Academia de Ciências pelo célebre Dr.
Bouilland. Tive por mestre o não menos célebre Babinet que negou a
possibilidade dos cabos submarinos; conheci o célebre geólogo Elias de
Beaumont, secretário perpétuo da Academia de Ciências, que sempre negou o homem
fóssil.
Chevreul,
Faraday, Tyndall, Huxley, sábios igualmente eminentes, nunca compreenderam nada
dos fenômenos psíquicos e os rejeitaram cegamente.
Em
1831, o Dr. Castel dizia à Academia de Medicina, em seguida à leitura de um
relatório de uma comissão dessa Sociedade, sobre o magnetismo animal:
“Se
a maior parte dos fatos enunciados fossem reais, eles destruiriam a metade dos
conhecimentos adquiridos em Física. É, pois, necessário que evitemos propaga-los, imprimindo o relatório.”
Mme.
Blavatsky conta (Isis dévoilée, t. IV, p. 366), uma anedota que corria entre os
amigos de Daguerre, entre 1838 e 1840. Mme. Daguerre consultou uma das
celebridades médicas da época a respeito da condição mental de seu esposo. Ela
declarou, com as lágrimas nos olhos, que a prova mais evidente da loucura de
seu esposo era a sua firme convicção de que conseguiria pregar a própria sombra
na parede ou fixa-la em placas metálicas mágicas.
O Dr. respondeu, por seu turno, que tinha observado ultimamente em Daguerre sintomas
de loucura. Terminou aconselhando a esposa a que mandasse o marido para Bicêtre.
Dois
meses depois um profundo interesse era despertado em todo o mundo das artes e
da ciência pela exposição de imagens apanhadas pelo novo processo. As sombras
haviam sido fixadas, não obstante, sobre as placas metálicas e a fotografia
estava estabelecida.
Que
dificuldades não tem a verdade que vencer para se impor!
Pois
o grande físico inglês Lord Kelvin não escreveu isto:
“Tenho que repelir toda a aparência de
qualquer tendência para aceitar o magnetismo, a clarividência, as pancadas. Não
há um 6º sentido de espécie mística. A clarividência e o resto são o resultado
de más observações, misturadas com um espírito de impostura voluntária, agindo sobre almas inocentes e
confiantes”.
Tal
o grau de cegueira a que foi levado um dos maiores espíritos da nossa época.
Temos
que juntar o nome de Ernesto Haeckel à lista dos sábios cegos por um falso
orgulho, que negaram os fenômenos inexplicáveis.
Em
uma página infeliz de sua obra, “Os
Enigmas do Universo”, fala da leitura
do pensamento nesses termos: “O que se
chama telepatia não existe mais que os espíritos e os fantasmas”.
Em
que pese a Haeckel e seus colegas, a transmissão do pensamento, o hipnotismo e
muitas outras manifestações psíquicas tem a sanção de homens eminentes e a psicologia
ousa aprofundar problemas em um terreno outrora considerado como um amálgama de
embustes e mistificações.
A
incredulidade é devida, parece-me - diz ainda Flammarion - à imensa e universal
ignorância. É, sobretudo, nas questões psíquicas que essa ignorância é notável
e lamentável, porque todos nós somos nelas interessados. O mundo psíquico é
mais vasto que o mundo físico e ninguém deveria desdenhar o seu estudo.
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