Resposta
a Pilatos
Redação
Reformador (FEB) Abril 1924
Os agentes do sacerdócio
hebraico, que, em grande tropel, armados de varapaus e espadas, haviam efetuado
a prisão de Jesus e o conduzido, após as audiências dos pontífices, ao tribunal
romano, não entraram no pretório para evitar a “contaminação”, (João, XVIII, 28). Estavam
também presentes sacerdotes judeus, denunciantes e acusadores.
Era na sexta feira
(parasceve) da semana pascoal.
A morte do Justo martirizado
poderia ser desejada, exigida e conseguida, como foi, pelo clero e seus
sectários.
A religião, como eles a
entendiam e praticavam, não lhes opunha obstáculos; mas, adstritos ás
exterioridades do culto, ficariam maculados ou contaminados, se penetrassem na casa de um
gentio, no tribunal de Pilatos,
Se o fizessem, estariam
impedidos de celebrarem a festa comendo o pão ázimo e o cordeiro da páscoa.
No pretório, onde não tiveram
ingresso os acusadores pelo motivo exposto, Pilatos interrogou a Jesus.
Não há, parece-nos, frase
evangélica mais citada e vulgarizada, embora pouco compreendida, do que a
resposta do Senhor, segundo João:
“O meu reino não é deste
mundo.”
Em contínuas revoltas, como
as de Teudas (morto em 46 d.C., foi um rebelde Judeu do século I) e Judas Galileu, mencionadas nos Atos dos Apóstolos
(V. 36, 37) os Judeus, que se consideravam povo privilegiado, aguardavam um
grande libertador, suscitado pela Providência, para a restauração do reino de
Israel.
Eça de Queiroz pôs em relevo
esse pensamento, em um trabalho literário, publicado por ocasião da sua viagem
à Palestina.
O autor fantasia o convite
para um movimento insurrecional na Judeia, dirigido a Jesus por Eleziel.
Fala o imaginário
protagonista, a quem perseguia a ideia de pátria: “És um homem mandado
providencialmente, num tempo humilhado e vil, para erguer as almas, desmascarar as hipocrisias,
vingar a pátria!
“Penso que, se tens uma ação
no mundo, essa deve ser insurgir-te contra a aristocracia do templo, contra
este espírito estreito de Jerusalém, contra este culto pagão das tradições,
contra o fariseu e contra o romano, ser o consolador e ser o vingador!..
“De que servem essas parábolas,
essas ironias, essas respostas excelentes, se elas não vão ferir a riqueza do
saduceu, a hipocrisia do escriba, a vexação do romano?
“Queres abster-te da ação?
Imaginas que as prédicas do templo e o ensino sobre as montanhas, só pela sua
verdade abstrata, podem combater, vencer um mundo completo, organizado, civil,
rico, amado?.. Crê tu que um mundo inteiro, tribunais, templos, edifícios,
mercados, sacerdócios, escolas, tudo fortemente ligado, se dissipe como uma visão, porque um
homem simpático se ergueu num caminho e diz: - Amai-vos uns aos outros e sereis amados do Pai celeste? Não...
“Deixa esses galileus
simples, liga-te aos homens que têm a força, a ciência e o segredo das coisas
humanas: nós seremos a ação, sê tu o novo Messias.” (1)
(1) Eça de Queiroz – “Prosas
bárbaras”
Jesus teria respondido: “Meu
reino não é deste mundo.”
Ele veio dar testemunho da
verdade, ensinar a lei do amor e salvar almas.
*
Pedindo desculpe ao leitor,
vamos indicar o motivo que nos levou a fazer a transcrição acima, um pouco
longa.
Os fundadores e diretores da
igreja romana pensavam, até certo ponto, como o personagem de Eça.
Não acreditavam na eficácia
do singelo ensino de Jesus, exposto nos Evangelhos.
Houve, em consequência, a
substituição por demais conhecida e da qual nos temos ocupado, em outras
ocasiões.
Como entenderam as seitas
religiosas o pensamento do Cristo, expresso na resposta a Pilatos?
Prevaleceram os interesses
mundanos.
Abandonada a religião
espiritual, chegaram até ao ponto, sob o pretexto de que o homem é composto de
alma e corpo, de santificar a matéria grosseira e faze-la objeto de adoração,
como provam a instituição dos sacramentos, o culto das imagens e relíquias, as
práticas da liturgia.
Na resposta a que nos
referimos o Senhor afirmou: “mas agora não é daqui o meu reino – nunc autem regnum meum non est hinc.” (João,
XVIII, 36.)
Aberta a era auspiciosa da
revelação espírita, anunciada pelos celestiais mensageiros, podemos alcançar o
sentido dessa palavra profética.
Submetidos o planeta e seus
moradores à lei do progresso, relegados, em seu cumprimento, para mundos
inferiores os espíritos insubmissos e endurecidos, a Terra passará à categoria de mundo
regenerado, onde ficará estabelecido o reino de Jesus, seu Diretor.
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