terça-feira, 24 de setembro de 2019

Croniqueta - II



Croniqueta - II
Manuel Quintão
Reformador (FEB) Maio 1923

Vitimada por acidente fortuito, cujos detalhes ignoramos, desencarnou, em Belém do Pará, Dna. Anna Prado, a excelente médium dotada de poderosas faculdades, que, de cinco anos a esta parte vinha revolucionando o pacato meio provinciano do extremo norte e provocando - a nosso ver, logicamente - tão valiosas conversões quão apaixonadas controvérsias.

Os que combatem, iracundos e tendenciosos, os fatos espíritas e as teorias deles decorrentes, poderiam edificar-se com proveito, buscando conhecer o desenvolvimento mediúnico da Sra. Prado, desde os planos rasos e imprecisos dos primeiros sintomas, às culminâncias das materializações tangíveis e definidas, no exposto por seu marido, com singela naturalidade, em “Trabalho dos Mortos”, o magnífico livro do distinto confrade Dr. Nogueira de Faria.

Eles veriam, então, que, católica por educação e timorata por índole, só a
contragosto e por condescendência do marido, carinhosa e devotada esposa, veio ela a ser um dos melhores instrumentos à propagação da verdade espírita pelo fato, não só em nosso país, onde seu nome se tornou conhecido e acatado, como no estrangeiro, onde revistas de valor científico qual a “Revue Metapsychique”, do Dr. Geley, se ocuparam da sua personalidade e dos seus trabalhos mediúnicos.

Com tais precedentes e predicados de educação, considerando-se a produção mediúnica da Sra. Prado, é fácil concluir que o fenômeno espírita independe da vontade dos homens e, por conseguinte, de cânones científicos ou religiosos, mais ou menos oficializados, para aflorar oportuna e providencialmente, onde quer que o suscite a evolução da humanidade.

Não somos nós quem o diz, é a História que o registra: é a sombra de Samuel pela pitonisa do Endor, é o festim de Baltazar, são a Bíblia, o Evangelho, os anais da própria igreja católica, ao clarão sinistro das fogueiras medievais.

O povo não pensa, não lê, não medita. A grande massa ignora, simplesmente.

*

Modesta e boa, recatada e simples, esposa dedicada e mãe amantíssima, dotada, enfim, desses requisitos que fazem da mulher a Rainha do Lar, a dispensadora única da felicidade única e sadia, no volutabro (monte de imundícies) da Terra, Dna. Anna Prado deveria estar imune da suspeita, da calúnia, da protervia (petulância) sectarista, se nos detratores energúmenos da crença espírita falasse mais alto o pudor da consciência do que os interesses contingentes mal feridos - tesouros que a traça roi, no conceito lapidar do Cristo. 

Natural, portanto, a campanha desabrida e refece (sem valor) que lhe moveram na imprensa os adversários de todos os tempos e feitios, inquinando (sujando-se) de fraudulentas as suas provas.

A verdade, porém, tem o seu império absoluto no substractum das consciências, ainda as mais rebeldes e tenebrosas.

Se umas calam, por conveniência, falam outras por necessidade incoercível e assim, pouco a pouco, hoje uma, amanhã outra, se vão avolumando as vozes dos Epaminondas, que honram a espécie, de todos os tempos e para todas as nobres causas da humanidade.

Lá, no Pará, uma plêiade de espíritos de escol, criaturas de valor social e moral, lida hoje na guarda da causa espirita, que é a da regeneração substancial do homem, graças aos memoráveis trabalhos da Sra. Prado.

E não só no Pará como em outros centros do Brasil, intelectuais de valor, médicos, jornalistas, magistrados conservam - quiçá como fruto pendente de sazão - impressões realistas dos fenômenos a que assistiram entre comovidos e maravilhados.

Para citar dois nomes:

O venerando Dr. Lauro Sodré, que disse: “São, a meu ver, forças ainda desconhecidas; mas o que repilo, pelos meus sentimentos de justiça, é a ideia de fraudes.

E o Dr. João Coelho, também ex-governador do Estado, que afirmou “ter tido a impressão de reconhecer os traços fisionômicos do espírito cuja mão apertou, fisionomia em nada semelhante à de qualquer dos presentes.” (1)
              (1)  “Trabalho dos Mortos” – pág. 9

De fato, só quem não assistiu às sessões da família Prado poderá agasalhar essa pecha – a fraude.  

Ao justo, critério doutrinário visando, que são, que representam os médiuns?

Espíritos devedores que, fraudando a Verdade em anteriores encarnações, escolheram a prova, em regra difícil e dolorosa, de ser, dessa mesma Verdade, expoentes vivos, a seu tempo e meio, conforme as vistas da Providência Divina.

Felizes dos que, sem esmorecimentos nem revolta, vão até o fim, impassíveis e superiores a todas as gritas e rumores do maelstrom (grande turbilhão de água) da vida.

Dna. Anna Prado é, para nós, do número desses, e eis porque o seu espírito, hoje liberto, receberá os votos de reconhecimento e de paz de encarnados e desencarnados, de quantos, em suma, graças às suas faculdades, puderam, do nível em que se encontravam, na terra ou no espaço, vislumbrar mais amplos e róseos horizontes de luz.

À distinta família Prado, neste registo, deixamos o testemunho de fraternidade e comunhão espiritual, certos de que os éstos (calores) humaníssimos do coração, neste caso, não sobrepujaram as consolações da fé na sobrevivência do missionário espírito, em marcha ascendente para mais gloriosos destinos.

E a tantos dos nossos confrades que deploram o desaparecimento do médium precioso, diremos apenas: - Deus tem poder para fazer das pedras filhos de Abraão.

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