sexta-feira, 20 de setembro de 2019

Croniqueta - 4



Croniqueta – 4
Manuel Quintão
Reformador (FEB) Junho 1923

O vespertino “A Vanguarda” iniciou em suas colunas uma enquete interessante sobre o que pensam do Espiritismo os nossos intelectuais e homens de letras.

A ideia não é nova: Jules Bois, o romancista francês, teve-a em 1903, quando publicou L'au-delà et les forces inconnues, um repositório opulento de opiniões de vultos notáveis da literatura francesa, entre os quais Lemaitre, Sully Prudhome, P. Bourget, François Copée, etc.

Neste particular, poderíamos aplicar à iniciativa do simpático diário carioca de fronte rubra, as palavras de Salomão: nil novi sub sole,(nada de novo sob o sol) guardadas, naturalmente, as distâncias de tempo e de meio.

E dos opinantes ... também.

Não temos acompanhado regularmente os veredicta, dos nossos Protágoras e Picos de La Mirandolo" por mais de uma razão, inclusive a de que a nós nos interessaria muito mais, se possível, a opinião dos Espíritos sobre eles, os opinantes, e sobre nós mesmo, Coisas de maluco, de espírita, dirão. Seja, mas, contudo, nossas, genuinamente nossas e lealmente confessadas. Depois, diz o rifão: “cada louco com sua mania,”

Entretanto, por uma que outra referência de segunda ou terceira mão, tirando a média das opiniões glosadas, parece poder concluir-se que os juízes mais desfavoráveis são justamente os que se revelam mais ignorantes do assunto, trazendo à tela da publicidade, com a responsabilidade dos seus nomes mais ou menos ilustres e ilustrativos, em estilo mais ou menos lustroso, por sentenças preconcebidas e perfunctórias, a prova de uma insensatez que raia pelo ridículo.

Assim, criaturas outras, que estudam e cultivam a Doutrina por décadas, têm visto estampados nas colunas d “A Vanguarda” conceitos e deduções de um ineditismo delicioso, de fazer rir as pedras, se elas, as pedras, fossem inteligentes e capazes de conceder entrevistas aos jornais.

Aquela de um gravebundo (muito grave) Galeno, a porejar ciência infusa pelo cristal dos óculos, de que o Espiritismo nega Deus porque Kardec diz que Deus é imaterial e só a matéria existe (para ele), é profundamente típica e sugere logo este silogismo: o doutor usa óculos de grau, é míope não vê longe; em se lhe tirando os olhos, deixa de existir para todo mundo o que ele, o pobre míope, não veja a um palmo adiante do seu, dele nariz: logo, o que existe, realmente, são os óculos do doutor, não a visão de mais alguém.

A gente lê uma opinião dessas, pasma e fica a pedir que o ilustre homem de ciência e de... óculos nos venha dizer o que é matéria em si; mas o homem tinga-se (embranquece-se) na companhia dos notáveis e ninguém lhe pode lobrigar outras notabilidades além dessa de roncar grosso, pelas colunas dos jornais.

Mas, agora nos lembramos: este é o mesmo homem que afirmou alhures a ignorância de Kardec em fisiologia!

*

Sobre a influência da doutrina na produção literária, a enquetes da “Vanguarda” tem sido de uma justeza flagrante. Nós não temos literatos  espiritistas, nem os poderíamos ter, na acepção rigorosa do termo.

Não é que a doutrina não faculte ao investigador inteligente um filão de ideias do mais fino quilate.

Para prova do asserto basta lembrar os romances: Casa Assombrada e Pérola Negra de Max (Dr. Bezerra de Menezes) e ainda recentemente as novelas mediúnicas de Zilda Gama, isto para não falar de obras estrangeiras, a começar nas do conde de Rochester para terminar na série atualíssima do Dr. Lucien Graux – Reincarné, Hanté e Initié.  

No gênero didático, filosófico ou meramente doutrinário, a nossa bibliografia é menos precisa: temos autores científicos quais o visconde de Saboia, o dr. Pinheiro Guedes, Alberto Seabra; e, no campo especulativo da filosofia doutrinal, as obras do Dr. Bezerra de Menezes e ainda ultimamente a “Doutrina e Prática do Espiritismo”, de Leopoldo Cirne.

Desta obra profundamente honesta e superiormente traçada, não nos consta se tenham ocupado os indigetas (uma comunidade na Espanha) da nossa critica. Além destas, outras produções literárias e científicas, monografias e memórias, estudos e teses peculiares existem publicados, de feição a provar que o Espiritismo percute nas camadas cultas da sociedade patrícia, muito mais do que a certa gente possa prefigurar-se. Na poesia, podemos apontar um Bittencourt Sampaio com a “Divina Epopéia” e ainda, há pouco vimos emigrar das fileiras ativas um jovem poeta já consagrado - o saudoso Amaral Ornellas. De Fernando de Alencar, o médico prematuramente desencarnado, quando mais floreava nas colunas desta Revista, quem se lembraria?

Mas, admitido não tenhamos, a rigor, literatos espíritas, não quer isso dizer que não haja entre os prosélitos uma cultura capaz de floração literária. A razão seria, então, a mesma pela qual não temos romancistas católicos, poetas protestantes, filósofos positivistas, caracteristicamente escolásticos ou ortodoxos.

Não temos mesmo - e esta é a melhor das revelações colhidas na messe da “Vanguarda” - literatos que se afastem dos moldes franceses com encenações de “vaudeville”, visando mais o sucesso pelo escândalo do que a moralidade do meio, no culto superior da Arte pela Arte.

*

Mas, dado que assim não fosse? Haveria a consignar que, ainda neste quesito, há uma completa inversão dos fins imediatos da Revelação Espírita, na sua essência.

Porque, de fato, o que dela decorre é que lhe não cabe fazer homens mais doutos nem mais sábios, porém melhores e menos infelizes.

Daí germinar e proliferar maiormente nas camadas ditas inferiores, nas
classes humildes e desamparadas, entre os que gemem, sofrem e flutuam entre
a dúvida d'alma e a miséria do corpo, sem o arrimo de uma crença na incude (bigorna) da vida e sem a miragem da posse de bens materiais, ou, ainda, de uma cultura intelectual presunçosa, enfatuada e logicamente egoísta, por isso que vazia de finalidade superior.

Ora, que o Espiritismo tem alcançado esse objetivo é um fato com justiça e sem favor assinalado por um dos opinantes da “A Vanguarda” -o Dr. Mauricio
de Lacerda, quando disse que ele, o Espiritismo, produzida na consciência humana uma revolução maior que a produzida pelo Cristianismo, a seu tempo.

Pois é o que veremos. Não que o Espiritismo valha mais que o Cristianismo, mas porque ele é - O Cristianismo integral - reivindicado por essa consciência humana em vinte séculos de mistificações, praticadas em nome d' Aquele que o revelou como padrão definitivo de progresso e concórdia universal.

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