Croniqueta – 4
Manuel Quintão
Reformador (FEB) Junho 1923
O vespertino “A Vanguarda” iniciou em
suas colunas uma enquete interessante sobre o que pensam do Espiritismo os
nossos intelectuais e homens de letras.
A ideia não é nova: Jules Bois, o
romancista francês, teve-a em 1903, quando publicou L'au-delà et les forces inconnues,
um repositório opulento de opiniões de vultos notáveis da literatura francesa,
entre os quais Lemaitre, Sully Prudhome, P. Bourget, François Copée, etc.
Neste particular, poderíamos aplicar à iniciativa
do simpático diário carioca de fronte rubra, as palavras de Salomão: nil
novi sub sole,(nada de novo sob o sol) guardadas, naturalmente, as distâncias de tempo e de
meio.
E dos opinantes ... também.
Não temos acompanhado regularmente os veredicta,
dos nossos Protágoras e Picos de La Mirandolo" por mais de
uma razão, inclusive a de que a nós nos interessaria muito mais, se possível, a
opinião dos Espíritos sobre eles, os opinantes, e sobre nós mesmo, Coisas de
maluco, de espírita, dirão. Seja, mas, contudo, nossas, genuinamente nossas e
lealmente confessadas. Depois, diz o rifão: “cada louco com sua mania,”
Entretanto, por uma que outra referência
de segunda ou terceira mão, tirando a média das opiniões glosadas, parece poder
concluir-se que os juízes mais desfavoráveis são justamente os que se revelam
mais ignorantes do assunto, trazendo à tela da publicidade, com a
responsabilidade dos seus nomes mais ou menos ilustres e ilustrativos, em estilo
mais ou menos lustroso, por sentenças preconcebidas e perfunctórias, a prova de
uma insensatez que raia pelo ridículo.
Assim, criaturas outras, que estudam e
cultivam a Doutrina por décadas, têm visto estampados nas colunas d “A
Vanguarda” conceitos e deduções de um ineditismo delicioso, de fazer rir as
pedras, se elas, as pedras, fossem inteligentes e capazes de conceder
entrevistas aos jornais.
Aquela de um gravebundo (muito grave) Galeno,
a porejar ciência infusa pelo cristal dos óculos, de que o Espiritismo nega
Deus porque Kardec diz que Deus é imaterial e só a matéria existe (para ele), é
profundamente típica e sugere logo este silogismo: o doutor usa óculos de grau,
é míope não vê longe; em se lhe tirando os olhos, deixa de existir para todo
mundo o que ele, o pobre míope, não veja a um palmo adiante do seu, dele nariz:
logo, o que existe, realmente, são os óculos do doutor, não a visão de mais
alguém.
A gente lê uma opinião dessas, pasma e
fica a pedir que o ilustre homem de ciência e de... óculos nos venha dizer o
que é matéria em si; mas o homem tinga-se (embranquece-se) na companhia dos notáveis e ninguém lhe pode lobrigar
outras notabilidades além dessa de roncar grosso, pelas colunas dos jornais.
Mas, agora nos lembramos: este é o mesmo
homem que afirmou alhures a ignorância de Kardec em fisiologia!
*
Sobre a influência da doutrina na produção
literária, a enquetes da “Vanguarda” tem sido de uma justeza flagrante. Nós não
temos literatos espiritistas, nem os
poderíamos ter, na acepção rigorosa do termo.
Não é que a doutrina não faculte ao investigador
inteligente um filão de ideias do mais fino quilate.
Para prova do asserto basta lembrar os
romances: Casa Assombrada e Pérola Negra de Max (Dr. Bezerra de Menezes) e
ainda recentemente as novelas mediúnicas de Zilda Gama, isto para não falar de
obras estrangeiras, a começar nas do conde de Rochester para terminar na série atualíssima
do Dr. Lucien Graux –
Reincarné, Hanté e Initié.
No gênero didático, filosófico ou meramente
doutrinário, a nossa bibliografia é menos precisa: temos autores científicos
quais o visconde de Saboia, o dr. Pinheiro Guedes, Alberto Seabra; e, no campo
especulativo da filosofia doutrinal, as obras do Dr. Bezerra de Menezes e ainda
ultimamente a “Doutrina e Prática do Espiritismo”, de Leopoldo Cirne.
Desta obra profundamente honesta e
superiormente traçada, não nos consta se tenham ocupado os indigetas (uma comunidade na Espanha) da nossa critica. Além destas, outras produções literárias e científicas,
monografias e memórias, estudos e teses peculiares existem publicados, de
feição a provar que o Espiritismo percute nas camadas cultas da sociedade
patrícia, muito mais do que a certa gente possa prefigurar-se. Na poesia, podemos
apontar um Bittencourt Sampaio com a “Divina Epopéia” e ainda, há pouco vimos
emigrar das fileiras ativas um jovem poeta já consagrado - o saudoso Amaral Ornellas.
De Fernando de Alencar, o médico prematuramente desencarnado, quando mais floreava
nas colunas desta Revista, quem se lembraria?
Mas, admitido não tenhamos, a rigor, literatos
espíritas, não quer isso dizer que não haja entre os prosélitos uma cultura
capaz de floração literária. A razão seria, então, a mesma pela qual não temos
romancistas católicos, poetas protestantes, filósofos positivistas, caracteristicamente
escolásticos ou ortodoxos.
Não temos mesmo - e esta é a melhor das
revelações colhidas na messe da “Vanguarda” - literatos que se afastem dos
moldes franceses com encenações de “vaudeville”, visando mais o sucesso pelo
escândalo do que a moralidade do meio, no culto superior da Arte pela Arte.
*
Mas, dado que assim não fosse? Haveria
a consignar que, ainda neste quesito, há uma completa inversão dos fins imediatos
da Revelação Espírita, na sua essência.
Porque, de fato, o que dela decorre é
que lhe não cabe fazer homens mais doutos nem mais sábios, porém melhores e
menos infelizes.
Daí germinar e proliferar maiormente
nas camadas ditas inferiores, nas
classes humildes e desamparadas, entre os que gemem, sofrem
e flutuam entre
a dúvida d'alma e a miséria do corpo, sem o arrimo de uma
crença na incude (bigorna) da vida e sem a miragem da posse de bens materiais, ou,
ainda, de uma cultura intelectual presunçosa, enfatuada e logicamente egoísta,
por isso que vazia de finalidade superior.
Ora, que o Espiritismo tem alcançado esse
objetivo é um fato com justiça e sem favor assinalado por um dos opinantes da “A
Vanguarda” -o Dr. Mauricio
de Lacerda, quando disse que ele, o Espiritismo,
produzida na consciência humana uma revolução maior que a produzida pelo Cristianismo,
a seu tempo.
Pois é o que veremos. Não que o Espiritismo
valha mais que o Cristianismo, mas porque ele é - O Cristianismo integral - reivindicado
por essa consciência humana em vinte séculos de mistificações, praticadas em
nome d' Aquele que o revelou como padrão definitivo de progresso e concórdia
universal.
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