sexta-feira, 26 de julho de 2019

Caminhemos pela estrada estreita



Caminhemos pela estrada estreita
Sylvio Brito Soares
Reformador (FEB) Janeiro 1951

Os adeptos da Terceira Revelação podem ser classificados em duas categorias distintas: a dos que se limitam a tomar parte em trabalhos práticos, cuja magnificência os empolga, mas sem leva-los a qualquer modificação do ritmo vibratório de seus corações, e a dos que já passaram da fase do deslumbramento e da curiosidade para a da exemplificação. Estes são os que apreciam os diversos panoramas, através de um critério diferente do comumente seguido pela maioria, por compreenderem que a maldade e os vícios são frutos exclusivos da ignorância. Seu dever, portanto, é o de levar, aos que vivem em pecado, a luz da verdade. E o fazem sempre com brandura, com amor e discrição.

Praticar o Espiritismo pela palavra escrita ou falada é, sem sombra de dúvida, uma missão árdua, necessária e digna de encômios. O certo, porém, é que os ventos levam, com facilidade, as palavras orais e as traças destroem impiedosa e serenamente as que são lançadas ao papel.

O Espiritismo, quando escrito com a pena da sinceridade e sobre o pergaminho do exemplo, é palavra invulnerável aos vendavais dos interesses e do indiferentismo dos homens; palavra que as traças jamais conseguirão destruir, porque fala diretamente aos corações e, por isto, todos a entendem e não dá margem a interpretações dúbias e sofísticas.

O Batista certa vez enviou dois de seus discípulos a Jesus; a fim de que dele indagassem se Ele era realmente o Messias, o Cristo do Senhor! E qual foi a palavra do divino Mestre em resposta a essa inquirição? “Ide contar a João o que vistes e ouvistes: os cegos veem, os coxos andam, os leprosos ficam limpos, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados, aos pobres anuncia-se lhes o Evangelho.”

O espírita teórico consome horas a fio no propósito de demonstrar a superioridade da Doutrina, alinha opiniões de homens sábios e santos, arma hábeis silogismos, põe em prova toda a sua erudição e inteligência, enfim, argumenta por “a” mais “b” que fora da Caridade não há salvação. Ao final de sua oração estrugem os aplausos, o entusiasmo eletriza as multidões, o orador é abraçado, felicitado e até apontado como grande apóstolo! E depois de todo esse verbalismo, os homens retomam aos lares, às lutas de cada dia e dizem: - palavras bonitas, nobres, sublimes mesmo, mas, na vida real quem as poderá pôr em prática, se longe estamos de ser um Cristo, um Paulo de Tarso, um Simão Pedro, um Estêvão? Será que esse orador, continuam eles dizendo, que tão inspiradamente evidenciou a necessidade de sermos bons, fraternos, humildes, corajosos diante dos sofrimentos: invulneráveis às influências do orgulho, da ambição e da vaidade não baqueará na hora da comprovação dessas lições grandiosas?

Quem, no entanto, prega com o exemplo, semeia a boa semente. Um simples gesto supera as mais exaustivas pregações!

           Falar é questão de exercício, de gosto pela leitura e de boa memória, mas executar o que se diz, em momento de entusiasmo oratório, é evidentemente coisa muito difícil. Tanto que é comum o dizer-se: faze o que eu digo e não o que eu faço.

Já Confúcio, esse extraordinário espírito que peregrinou pela Terra, mais ou menos no ano 500 antes de Jesus-Cristo, afirmava que “uma grande pobreza de ações encontra-se muitas vezes junto da opulência das palavras".

A palavra de Jesus era simples, concisa, branda, sem afetação, e essa palavra empolgava as multidões, tocava fundo os corações dos homens, chamando-os ao exercício da fé, ao trabalho da reforma moral, à prática do amor" E o milagre da sua palavra estava precisamente na maneira por que ele se conduzia, sempre em
plena concordância com seus ensinamentos.

Ele pregava a humildade, e foi a expressão máxima da humildade. Nasceu em uma manjedoura, aprendeu de José o ofício de carpinteiro, lavou os pés de seus discípulos, viveu sempre entre os pequeninos, os pobres, os enfermos do corpo e da alma. Pregava a necessidade de termos fé e confiança em Deus, e durante todo o seu missionato foi um exemplo edificante de fé n’Aquele que o enviou. No momento culminante da epopeia do Calvário bradou: Pai! em tuas mãos entrego meu espírito! Pregava o amor e por esse amor à Humanidade deixou-se imolar no madeiro infamante.

O espírita cristão só o é em verdade quando no lar, na oficina, na sociedade, enfim, em toda a parte e em todas as horas, prega a palavra - exemplo.

Em nossas reuniões é costume exaltarmos os ensinos de Jesus e, não obstante, crucificamo-lo diariamente no Gólgota das intransigências, das paixões sectaristas, do separativismo, enfim, crucificamo-lo com a nossa falta de amor ao próximo.

Eis porque os nossos amigos que já se encontram na Espiritualidade, e que, por isso mesmo, podem falar com autoridade e melhor transmitir as verdades divinas, dizem que a nossa “simplicidade solucionará problemas para muita gente", que a nossa “indiferença fará manifesta frieza nos outros”, que o nosso “desejo sincero de paz garantirá tranquilidade no caminho”.

E em nossa lembrança viverão sempre as admiráveis palavras de Emmanuel, esse Espírito que tanta luz tem espargido sobre nós: “Todos podem transmitir recados espirituais; mas para imantar corações em Jesus-Cristo é indispensável sejamos fiéis servidores do bem, trazendo o cérebro repleto da inspiração superior e o coração inflamado na fé viva”.

Jesus, ao instruir seus discípulos a respeito da maneira segura de eles se conduzirem no mundo, disse: que jamais tomassem o caminho largo por onde anda toda a gente, levada pelos interesses fáceis e inferiores; mas que buscassem a estrada escabrosa e estreita dos sacrifícios pelo bem de todos. Disse-lhe, também:
que se ninguém os recebesse, nem desejasse ouvir-lhe as instruções, que se retirassem, sacudindo antes o pó das sandálias, isto é, sem conservarem nenhum rancor e nem se contaminarem da alheia iniquidade.

Caminhemos nós, espíritas, pela estrada estreita do exemplo edificante, sem nos preocuparmos com as pedras que os ignorantes possam atirar-nos. Que o nosso revidar seja sempre e sempre o da piedade e do amor, e que intimamente os perdoemos, pois que ontem também vivêramos, como eles, em completo desconhecimento da lei grandiosa do Amor!

Iniciemos, com o surgir do Novo Ano, a nossa caminhada decisiva, através da estrada escabrosa e estreita dos sacrifícios pelo bem de todos, esquecidos completamente das riquezas do mundo, para rogarmos, apenas, farta messe de trabalho produtivo e muito ânimo para executá-la!


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