Caminhemos pela estrada estreita
Sylvio Brito
Soares
Reformador (FEB) Janeiro 1951
Os
adeptos da Terceira Revelação podem ser classificados em duas categorias distintas:
a dos que se limitam a tomar parte em trabalhos práticos, cuja magnificência os
empolga, mas sem leva-los a qualquer modificação do ritmo vibratório de seus
corações, e a dos que já passaram da fase do deslumbramento e da curiosidade
para a da exemplificação. Estes são os que apreciam os diversos panoramas,
através de um critério diferente do comumente seguido pela maioria, por compreenderem que a maldade e os
vícios são frutos exclusivos da ignorância. Seu dever, portanto, é o de levar,
aos que vivem em pecado, a luz da verdade. E o fazem sempre com brandura, com
amor e discrição.
Praticar
o Espiritismo pela palavra escrita ou falada é, sem sombra de dúvida, uma
missão árdua, necessária e digna de encômios. O certo, porém, é que os ventos
levam, com facilidade, as palavras orais e as traças destroem impiedosa e serenamente as que são lançadas ao
papel.
O
Espiritismo, quando escrito com a pena da sinceridade e sobre o pergaminho do
exemplo, é palavra invulnerável aos vendavais dos interesses e do
indiferentismo dos homens; palavra que as traças jamais conseguirão destruir, porque fala diretamente aos corações e,
por isto, todos a entendem e não dá margem a interpretações dúbias e sofísticas.
O
Batista certa vez enviou dois de seus discípulos a Jesus; a fim de que dele
indagassem se Ele era realmente o Messias, o Cristo do Senhor! E qual foi a
palavra do divino Mestre em resposta a essa inquirição? “Ide contar a João o que vistes e ouvistes: os cegos veem, os coxos
andam, os leprosos ficam limpos, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados, aos
pobres anuncia-se lhes o Evangelho.”
O
espírita teórico consome horas a fio no propósito de demonstrar a superioridade
da Doutrina, alinha opiniões de homens sábios e santos, arma hábeis silogismos,
põe em prova toda a sua erudição e inteligência, enfim, argumenta por “a” mais “b”
que fora da Caridade não há salvação. Ao final de sua oração estrugem os aplausos,
o entusiasmo eletriza as multidões, o orador é abraçado, felicitado e até
apontado como grande apóstolo! E depois de todo esse verbalismo, os homens
retomam aos lares, às lutas de cada dia e dizem: - palavras bonitas, nobres,
sublimes mesmo, mas, na vida real quem as poderá pôr em prática, se longe
estamos de ser um Cristo, um Paulo de Tarso, um Simão Pedro, um Estêvão? Será
que esse orador, continuam eles dizendo, que tão inspiradamente evidenciou a necessidade de sermos bons,
fraternos, humildes, corajosos diante dos sofrimentos: invulneráveis às
influências do orgulho, da ambição e da vaidade não baqueará na hora da comprovação dessas lições grandiosas?
Quem,
no entanto, prega com o exemplo, semeia a boa semente. Um simples gesto supera
as mais exaustivas pregações!
Já
Confúcio, esse extraordinário espírito que peregrinou pela Terra, mais ou menos
no ano 500 antes de Jesus-Cristo, afirmava que “uma grande pobreza de ações encontra-se muitas vezes junto da
opulência das palavras".
A
palavra de Jesus era simples, concisa, branda, sem afetação, e essa palavra
empolgava as multidões, tocava fundo os corações dos homens, chamando-os ao
exercício da fé, ao trabalho da reforma moral, à prática do amor" E o
milagre da sua palavra estava precisamente na maneira por que ele se conduzia,
sempre em
plena concordância com seus ensinamentos.
Ele
pregava a humildade, e foi a expressão máxima da humildade. Nasceu em uma manjedoura,
aprendeu de José o ofício de carpinteiro, lavou os pés de seus discípulos,
viveu sempre entre os pequeninos, os pobres, os enfermos do corpo e da alma. Pregava a necessidade
de termos fé e confiança em Deus, e durante todo o seu missionato foi um exemplo
edificante de fé n’Aquele que o enviou. No momento culminante da epopeia do
Calvário bradou: Pai! em tuas mãos entrego meu espírito! Pregava o amor e por esse amor à Humanidade deixou-se
imolar no madeiro infamante.
O
espírita cristão só o é em verdade quando no lar, na oficina, na sociedade, enfim,
em toda a parte e em todas as horas, prega a palavra - exemplo.
Em
nossas reuniões é costume exaltarmos os ensinos de Jesus e, não obstante,
crucificamo-lo diariamente no Gólgota das intransigências, das paixões
sectaristas, do separativismo, enfim, crucificamo-lo com a nossa falta de amor
ao próximo.
Eis
porque os nossos amigos que já se encontram na Espiritualidade, e que, por isso
mesmo, podem falar com autoridade e melhor transmitir as verdades divinas,
dizem que a nossa “simplicidade solucionará
problemas para muita gente", que
a nossa “indiferença fará manifesta
frieza nos outros”, que o nosso “desejo
sincero de paz garantirá tranquilidade no caminho”.
E em
nossa lembrança viverão sempre as admiráveis palavras de Emmanuel, esse
Espírito que tanta luz tem espargido sobre nós: “Todos podem transmitir recados espirituais; mas para imantar corações
em Jesus-Cristo é indispensável sejamos fiéis servidores do bem, trazendo o cérebro repleto
da inspiração superior e o coração inflamado na fé viva”.
Jesus,
ao instruir seus discípulos a respeito da maneira segura de eles se conduzirem
no mundo, disse: que jamais tomassem o caminho largo por onde anda toda a
gente, levada pelos interesses fáceis e inferiores; mas que buscassem a estrada
escabrosa e estreita dos sacrifícios pelo bem de todos. Disse-lhe, também:
que se ninguém os recebesse, nem
desejasse ouvir-lhe as instruções, que se retirassem, sacudindo antes o pó das
sandálias, isto é, sem conservarem nenhum rancor e nem se contaminarem da
alheia iniquidade.
Caminhemos
nós, espíritas, pela estrada estreita do exemplo edificante, sem nos
preocuparmos com as pedras que os ignorantes possam atirar-nos. Que o nosso revidar
seja sempre e sempre o da piedade e do amor, e que intimamente os perdoemos,
pois que ontem também vivêramos, como eles, em completo desconhecimento da lei
grandiosa do Amor!
Iniciemos,
com o surgir do Novo Ano, a nossa caminhada decisiva, através da estrada
escabrosa e estreita dos sacrifícios pelo bem de todos, esquecidos
completamente das riquezas do mundo, para rogarmos, apenas, farta messe de trabalho
produtivo e muito ânimo para executá-la!
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