segunda-feira, 6 de maio de 2019

Últimas disposições de Tolstoi



ÚItimas disposições de Tolstoi
Leon Tolstoi
Reformador (FEB) Janeiro 1920

            Com a epígrafe – “O meu testemunho” – nosso colega “Revista de Espiritismo” de Curitiba, em sua edição de Novembro último, transmite aos seus leitores a seguinte página que constituem as últimas disposições firmadas por Léon Tolstoi.  

            “Eu não poderia mais contemporizar. Inútil hesitar e refletir mais tempo sobre o que tenho a dizer. A vida não me espera. A minha existência já declina e pode desaparecer de um momento para o outro. Se eu posso ainda alguns serviços aos homens, se posso fazer perdoar os meus erros, a minha vida ociosa e material, só o conseguirei ensinando aos homens, meus irmãos, aquilo que me foi dado compreender mais nitidamente do que eles; aquilo que me tortura e magoa o coração há muitos anos.  

            Todos os homens sabem, como eu, que a nossa vida não é o que deveria ser e que nós nos tornamos mutuamente desgraçados.  

            Nós sabemos que para ser felizes e tornar felizes os outros, devemos amar o nosso próximo como a nós mesmos e que, se nos é impossível fazer lhe aquilo que queremos para nós, a menos, não lhe devemos fazer o que para nós não desejaríamos.

            É o que ensinam as religiões de todos os povos e ordenam a razão e a consciência de cada um ele nós.

            A morte do envoltório carnal, que nos ameaça continuamente, lembra-nos o caráter efêmero de todos os nossos atos e, assim, a única coisa que podemos fazer para conseguir a ventura e a serenidade é obedecer a cada instante ao que ordenam a nossa razão e a nossa consciência, se não cremos na revelação, ou nos ensinamentos do Cristo.

            Por outras palavras, se não podemos fazer ao nosso próximo o que desejamos para nós, ao menos não lhe façamos o que para nós não queremos.

            Embora conheçamos todos há muito tempo esta verdade, em vez de n realizar, os homens matam, roubam, violentam.

            Por isso, isso, em vez de viver na alegria, na tranquilidade e no amor, eles sofrem, Pensam e não sentem uns pelos outros senão ódio ou medo. Por toda a parte sobre a Terra os homens procuram dissimular sua vida insensata, esquecer, abafar o seu sofrimento, sem O conseguirem; o número de homens que perdem a razão e se suicidam aumentam de ano para ano, porque está acima de suas forças o suportar de uma vida contrária à natureza humana.

            Mas, dir-se-á talvez, que é necessário que assim seja, necessária a existência dos imperadores, dos reis, dos governos, dos parlamentos, que comandam milhões de soldados armados de fuzis e canhões, prontos a cada instante a se atirarem uns sobre os outros; necessárias as fábricas e as usinas que produzem objetos inúteis e nocivos, onde milhões de homens, de mulheres e de crianças são transformados em máquinas, penando 10, 12 e 15 horas por dia; necessário, o despovoamento crescente das aldeias e o acúmulo progressivo das cidades com os seus cabarés, os seus albergues noturnos, seus asilos de crianças e seus hospitais; necessário, o encarceramento de centenas de milhares de homens.  

            Talvez seja necessário que a doutrina de Cristo, ensinando a concórdia, o perdão das ofensas, o amor do próximo, do inimigo, soja inculcada nos homens pelos sacerdotes de seitas inumeráveis, em lutas contínuas, e isto sob a forma de fábulas estúpidas e imorais sobre a criação do mundo e do homem, sobre o seu castigo e a sua redenção pelo Cristo, e sobre o seu castigo e a sua redenção pelo Cristo, e sobre tal e qual rito, tal ou qual sacramento.

            Talvez esse estado de coisas seja natural a homens, como é o próprio das formigas e  abelhas a viverem em seus formigueiros e colmeias em lutas contínuas e sem outro ideal. É assim, com efeito, que alguns se exprimem.

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