Considerações
sobre as penas eternas
por Carlos Imbassahy
Reformador
(FEB) Setembro 1925
Só agora me foi dado o prazer de ler
a tréplica de meu distinto amigo, Dr. Hamilton Nogueira, sobre as penas
eternas.
Isso vem de longa data. Havia eu
replicado, pelo Correio da Manhã, um jovem doutor, que é católico, argumentador
destemeroso e que discorrera, na Ordem,
sobre as excelências das penalidades intérmitas.
O meu amigo voltou ao assunto pela Revista Social e post tantos tantosques labores,
("depois
de tantos e tão grandes trabalhos") – (Frase de Virgílio que se aplica
quando se fala das dificuldades, perigos e tormentos por que alguém passou-) tive eu,
finalmente, o prazer de ver as suas letras, que até então nunca me tinham
chegado às mãos.
Começa ele sentindo que eu não tenha
usado da verdade, quando justifico os
motivos que me levaram a responder-lhe.
Eu tinha tido? Não teria coragem de
obstar ao prezado amigo, se não falasse ele nos “malfeitores da pena”, onde
provavelmente devo estar metido.
E o Dr. H. Nogueira responde:
“1, amigo, não condizem com a sua pessoa
tais artifícios de polêmica; deixe isso para o A ou para o B... “
Artifícios de polêmica? Artifícios de polêmica é uma saída, é uma escapatória, de que usa o autor, quando as razões lhe
vão faltando.
Pode ser que as razões lhe faltem
sempre, mas aí nada se dá esse caso.
Ora, malfeitor é aquele que faz mal.
Bem ou mal intencionado, desde que faz mal,
é malfeitor, isso ao pé do léxico (do
latim malefactor).
O amigo referiu-se aos
“malfeitores da pena”, isto é, aqueles que fazem mal com a pena. Eu me julguei
incluso, por propagar as heresias por ele tão condenadas. E o que eu queria,
com a minha frase, era explicar a razão por que revidava, a um amigo; era o
dizer que só tinha o desejo de justificar-me e não o de contradita-lo.
Era uma espécie de barretada. Pelo
menos, era esse o meu fim.
Pois essa explicação passou a ser um
artifício e artifício de pessoa menos verdadeira.
Continua o meu jovem amigo:
“Tendo eu perguntado se seria justo que Deus suportasse
a presença de uma horda de bandidos, que para o céu se encaminhasse em meneios
lascivos, entoando árias báchicas, o meu caro I., sem que, de moo algum, me
tivesse referido, nesta parte do meu artigo, ao Espiritismo, sai-se com essa
interrogação: - Mas em que trabalho espírita se lê a descrição dessa marcha
pouco apresentável, com que os humildes se dirigem para o céu?
Agora, pergunto eu ao distinto
kardecista: será capaz de me demonstrar que nesse ponto de meu artigo, fiz
referências, mesmo ligeiras, ao Espiritismo?”
Neste ponto não; mas fez em outro.
Nem eu podia esperar que, ao fim de cada período, viesse a explicação: isso é
com o Espiritismo; isso não é com o Espiritismo.
Ora, é vezo dos nossos antagonistas
atribuir ao Espiritismo a doutrina da impunidade. O meu amigo, no seu primitivo
artigo da Ordem, fala do Kardec “o
eminente patife que teve a ousadia de transformar-se em arauto de uma nova
revelação”; fala da Doutrina Espírita; fala das penas eternas, como coisa de
muita justiça, e das doutrinas espíritas que lhe são contrárias e refere-se à
horda de bandidos que se dirige para o céu.
Fácil me foi inferir que esses
bandidos se dirigiam assim para o céu, por falta das penas eternas, e,
necessariamente, por culpa do Espiritismo, que os não perfilha e, logo, que
aquilo devia ser com o Espiritismo.
Daí a minha ilação.
Mas, se não era com o Espiritismo a
pontuada, com quem era?
Já agora estou com a curiosidade de
saber qual é essa religião, filosofia ou doutrina, que tem como certa, ou que
apresenta essa viagem de bandidos para o céu, com maneios lascivos e árias
báchicas.
Mas não é com o Espiritismo, diz o
meu douto amigo. Tanto melhor.
Vamos, porém, ao ponto principal de
nossa controvérsia – as penas eternas, a incompatibilidade entre essas penas
inextinguíveis e a inextinguível bondade do Criador.
Sobre o assunto diz o Dr. Hamilton:
“...emite o meu prezado amigo uma objeção que certamente
não teria formulado se conhecesse pelo menos o catecismo católico.
Se o meu trabalho se refere
exclusivamente às penas eternas, não quer dizer que sejam estas as únicas penas
que esperam o pecador após a sua morte.
É ensinamento da Igreja que há duas
espécies de pecados: os mortais,
gravíssimas ofensas ao Criador, e os veniais
de menor gravidade.
...Deve haver, portanto, uma pena
temporária e é por isso que eu disse que os
castigos são proporcionais aos crimes.
...Vê o meu amigo que tudo é muito
simples: é puro catecismo. Qualquer menino que frequente as igrejas sabe da
existência do Purgatório.”
Qualquer menino sabe disso e eu
também sabia.
O que eu não sei, nem talvez
qualquer menino saiba, é a razão por que a relatividade da pena deva ir só até
certo limite, até o purgatório.
Pode ser que a igreja ensine que há
duas espécies de pecados, mas o que nós vemos é que essas espécies variam ao infinito.
O
que a que eu me queria referir era à uniformidade das penas eternas, para as
diversas categorias de crimes. – os crimes graves, os pecados mortais, as gravíssimas
ofensas ao Criador.”
Sim; há um purgatório, para onde vão
certos faltosos, e há um inferno para onde vão os outros. Mas esses outros têm
crimes de várias espécies e feitios e modalidades e lhes cabe a mesma pena
eterna. Onde há aí a gradação? Onde a relatividade no tempo e no espaço?
É o mesmo espeço para todos. – o lnferno; e o mesmo tempo -- a eternidade.
Há, no entanto, crimes graves,
crimes mais graves, crimes excessivamente graves. Não tem lides a ferocidade
humana. Há pecados de maior e de menor
intensidade, há maiores e menores agravantes. E o inferno, a menos que a
distinção esteja na maior ou menor ebulição das caldeiras – é sempre o inferno,
onde o desgraçado terá que sofrer por todos os séculos dos séculos.
Ao que matou um, ou cem, ou dez, ou
mil, o que o espera é a mesma eternidade das penas, é a mesma certeza terrível
– a de que o suplício não acabará mais!..
Mas, há ainda mais no caminho do
absurdo: - o que matou mil, o que matou com crueza, poderá arrepender-se e está
perdoado.
É o meu amigo quem diz: “Tão grande
é a misericórdia de Deus que, mesmo nos derradeiros momentos da vida perdoa,
mediante contrição sincera, os mais
repugnantes pecadores.
Mas, o que matou um só e pode não
ser um repugnante pecador, o que matou sem crueza, não se arrepende. Não teve
tempo, ou não pode, ou não soube arrepender-se, que não se arrepende quem
quer. Para o arrependimento, são
necessárias umas tantas circunstâncias que podem falhar e este que só matou um,
sem crueza.
Mas este vai para o inferno. Está
irremediavelmente perdido, enquanto o outro, o pecador, o pecador repugnante,
está salvo.
E se Kardec, apresentando a teoria
dos Espíritos, vem declarar que não pode ser esta a justiça do Pai, não passa
de “um patife, que teve a inacreditável insolência de arvorar-se em arauto de
uma nova revelação.”
***
Com a doutrina das penas eternas,
com as leis do inferno, - e destas foi que eu unicamente tratei - o castigo não
passa de uma vingança. O bom e meigo Criador é transfigurado num Júpiter
tonante enfurecido, ou num magnata raivoso pelo não cumprimento de suas ordens.
Compreende-se as penas relativas,
como um processo de cura; o sofrimento é o crisol (cadinho) da alma. Mas, da
pena absoluta, da pena eterna não existe benefício nenhum, ninguém sabe o fim a
que culmina.
Com as penas temporárias o
delinquente sofre para tornar-se bom, para melhorar; há uma finalidade na sua
dor – é ela o remédio que se coloca nas feridas e as feridas são as chagas da
alma.
Nas penas do inferno não há
finalidade nenhuma. E, se na Terra o castigo já tem por fim regenerar o pecador,
no alto, o castigo, com as pens eternas, ninguém sabe que fim tem, a não ser
fazer doer, não há benefícios, não há resultados, - é a crueldade, a
inexorabilidade em todo o seu horror!
E é o Deus, o Pai de misericórdia, o
Criador de bondade infinita, quem assim trata os seus filhos, criando-os para
os deixar perder para sempre.
É essa a justiça que o meu amigo compreende
e defende. E porque Kardec nos mostra o Senhor como ele é, Pai, de fato, de
bondade sem mácula, o Salvador, o que não deixa condenadas as suas ovelhas,
ei-lo um patife e malfeitores da pena os que se sentem arrastados pela lógica
indestrutível dos ensinamentos espiritualistas modernos.
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