IDIOTIA
Emmanuel
por Chico Xavier
Reformador (FEB) Outubro de 1962
Surge, aqui e ali, quem pergunte por eles, os tiranos que ensoparam o
mundo de lágrimas, conhecidos por lamentáveis fazedores de guerras.
Apropriam-se da autoridade e comandavam o extermínio das cidades que se
lhes rendiam sem restrições; passavam, quais ciclones pestilentos, incendiando
sítios prósperos, aniquilando homens dignos, abatendo enfermos, desrespeitando
mulheres, empalando fugitivos ou decepando os braços de crianças inermes;
apareciam por empreiteiros da demolição e do sarcasmo, organizando o cativeiro
de povos livres ou formando, em nome da prepotência, as inquisições políticas,
nas quais o abuso do poder consagrava a felonia e a traição por bases de
governança, a fim de que os quadrilheiros das trevas operassem, impunes;
salientavam-se por mandantes dos choques de violência em que os fracos eram
irremediavelmente impelidos à queda ou espoliados sem remissão... Entretanto,
nas seges purpuradas e nos palácios faustosos em que transitavam sorridentes,
na direção do sepulcro, repontavam, sem que eles mesmos percebessem, as
maldições dos sacrificados, o choro das viúvas e dos órfãos, os gritos de
horror dos perseguidos quando traspassados pelos últimos golpes, as chamas das
fogueiras destruidoras, o sofrimento dos mutilados, as pragas dos feridos
agonizantes largados à ventania da noite, o sangue dos campos recobertos de
cadáveres insepultos, o frio das necrópoles encharcadas de pranto, o infortúnio
dos lares vazios, o protesto das escolas arrasadas, a dor silenciosa dos
templos derruídos, os adeuses e soluços dos mortos.
E ao deixarem o corpo físico, muitas vezes com as honras tributadas aos
grandes chefes, no próprio catafalco resplandescente de luzes, de permeio com
os cânticos e orações, nas quais se lhes homenageavam os restos, passaram a
escutar, terrificados e indefesos, o vozerio de condenação e a algazarra do
desespero, com que eram recebidos em novo nível de consciência.
Atormentados, então, por muitas das
vítimas que não lhes desculparam a crueldade, humilhados e desditosos,
suplicaram da Providência Divina a própria internação provisória em celas de
esquecimento e renasceram na esfera do raciocínio deformado e
entenebrecido.
***
Quando passes, pois, diante de um irmão torturado por lesões cerebrais
irreversíveis, não lhe voltes o rosto, nem recorras à eutanásia inconsciente.
Quase sempre, o companheiro situado na provação temporária da idiotia é um
gênio fulgurante, reencarnado na sombra, a estender-te o pensamento aflito e
mudo, necessitado de compaixão.
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