sexta-feira, 10 de agosto de 2018

Quantas são as oportunidades...



Quantas são as oportunidades...
Boanerges / (Indalício Mendes)
Reformador (FEB) Maio 1976

Pouco antes do nascimento, inúmeros fatos transcorreram, visando a sacudir o
homem do torpor que lhe insensibilizava o coração e toldava a visão da consciência.

Um dos mais notáveis foi, sem dúvida, o halo de grandiloquência e fé que cercou o nascimento do precursor, aquele que se declara a voz do que clama no deserto, como a dizer que é a voz do próprio Messias que clama no deserto humano.

João era filho de Zacarias - sacerdote do turno de Abias - e de Isabel, do tronco de Arão, oprobriada perante os homens, padecendo a esterilidade. Ambos, clarificam os Evangelhos, eram avançados em dias.

O Evangelho situa a problemática transcendental num campo de luminosidades bem a gosto da linguagem inspirada em que está escrito. Tendo entrado no santuário para queimar o incenso - pois que corria a época em que os sacerdotes da classe oitava eram responsáveis pelo serviço no Templo -, numa das duas vezes em que o rito se cumpria, diariamente, e oculto por um véu, Zacarias, enquanto a multidão rezava no átrio, vê, à direita do altar do incenso, um anjo, o qual, pouco depois, identificar-se-á como Gabriel. Prediz-lhe o emissário do Senhor, que irá nascer aquele que traz o Espírito e o poder de Elias, habilitando para o Senhor o povo preparado (mais adiante, entenderemos que o preparo a que o Anjo Gabriel aludia era muito mais restrito do que amplo, como, de resto, costuma ser o contingente daqueles que, realmente, envergam o manto nupcial).

Como pedisse provas, perturbadíssimo como o devemos imaginar, naquele momento, face àquela revelação, Zacarias emudece, e a mudez não deixa de querer simbolizar a necessidade do recolhimento às fontes íntimas, o jejum espiritual, a maturação das indagações do próprio psiquismo, para que a criatura aceite e entenda, nos limites do possível, os mistérios de Deus. Só muito tempo depois, enchendo-se do Espírito Santo (expressão que já entendemos no seu devido sentido), lança aos céus um cântico imortalista dos mais belos de que se tem notícia.

João, apelidado Batista, vinha desbravar em parte o caminho, não porque o Senhor necessitasse de aplainadores do mundo, mas porque a excessiva dureza de nossos corações não suportaria, íntegra, o peso da Verdade. Fazia-se mister a ministração homeopática.

Se considerarmos o continuismo da Revelação, não fora senão o Cristo quem falara pela boca dos Profetas do Antigo Testamento, antecipando à própria manifestação tangível o quem tem ouvidos de ouvir ouça. Era Ele mesmo quem já aplainava o caminho nas furnas de nosso ser. A seguir, mandou-nos Elias reencarnado, a quem não reconhecemos, por não termos, tampouco, olhos de ver. E não foi só: veio, afinal, Ele mesmo, semeando a transubstanciação da carne terrestre com a substância da fé. Ponderável que tenha escolhido o seio do povo judeu, um dos mais azoinados e indisciplinados dentre todos, naqueles tempos.

Esse programa de vida eterna, que frequentemente malbaratamos (graças aos céus ele é eterno...), manifesta-se, em praticamente tudo, de modo trino, conforme costumam aludir as crenças orientais. Essa manifestação em trilogia não deixa de ter um altíssimo significado, que não podemos desprezar, ainda que o não entendamos plenamente, não sendo, por outro lado, aventável a hipótese de que se esteja preocupado com "assuntos esoteristas e orientalistas".

Assim, é interessante notar, construtivamente, sem que se desvirtuem os fatos, e sem que se criem teorias bizantinas, certas particularidades do Evangelho: a própria Revelação é tríplice, assim como o homem se constituí de Espírito, Perispírito e Corpo Carnal Grosseiro, em nossa fase atual. No esquema revelacionista, vejamos:

a.     Jesus fala pelos profetas;
b.     Jesus envia o precursor;
c.      vem, Ele mesmo, até nós.

Outro esquema que poderia ser armado:

a.     Revelação moisaica:
b.     Revelação messiânica;
c.      Consolador prometido.

O próprio João, filho de Zacarias e de Isabel, cujo batismo deveria ser efetuado durante o inverno, uma vez que no vau do Baixo Jordão, a mais ou menos 350 metros abaixo do nível do mar, a temperatura é insuportável durante o verão - o próprio João, dizíamos, completou um ciclo de trabalho em três importantes etapas:

a)     Moisés, o legislador, o libertador:
b)    Elias, o mantenedor:
c)     João, o precursor,

Nessa sucessão de deslumbramentos que inebriam a Palestina e o mundo, convém ressaltar que três foram os cânticos em louvor a Deus, que o Evangelho apresenta:

a) o cântico de Maria, logo a seguir às exaltações de Isabel;
b) o cântico de Zacarias, enchendo de espanto a todos;
c) o cântico de Simeão, declarando-se pronto para a morte, após ter visto o menino.

A estrutura, em seus fundamentos, parece continuar a mesma: o ministério público de Jesus dura três anos. Três são as fases do seu julgamento:

a) frente a Pilatos;
b) frente a Herodes;
c) novamente frente a Pilatos,

No cimo do Monte da Caveira, três são as cruzes que atestam a bestialidade humana. O próprio martírio do Justo desenrolou-se, mais agudamente, da hora sexta à hora nona, ou seja, das 12h às 15h, durando, portanto, três horas.

Passaram-se três dias até que Jesus ressuscitasse, firmando-se como Senhor do Túmulo Vazio, na feliz expressão de Humberto de Campos:um túmulo vazio que nos plenificou de esperanças os dias!

Por três vezes o Senhor apareceu aos discípulos após a ressurreição:

a)     em João, XX - vv. 19 a 23 (ausente Tomé);
b)    em João, XX - vv. 26 a 29 (presente Tomé);
c)     em João, XXI - vv. 1 a 18.

Relembremos que o testemunho do Batista, quanto àquele que batizaria no Espírito Santo, foi, igualmente, tríplice manifestação:

a. "Este é o de quem eu disse: O que vem depois de mim tem, contudo, a primazia, porquanto já existia antes de mim" (João, I-v. 15);

b. "Respondeu-lhes João: Eu batizo com água; mas no meio de vós está quem vós não conheceis, o qual vem após mim, de qual não sou digno de desatar-lhe as correias das sandálias" (João, 1- vv. 26 e 27);

c. "É este a favor de quem eu disse: Após mim vem um varão que tem a primazia, porque já existia antes de mim" (João, I-v. 30).

É, todavia, no final da trajetória visível do Mestre entre nós que estas belezas se conjugam, com a finalidade de mostrar-nos toda a vastidão do Amor de Jesus por nós. Referimo-nos à negação de Pedro e, posteriormente à ressurreição, à confirmação, também tripla, de seu profundo Amor pelo Nazareno. Vejamos a negação:

a. "Então a criada, encarregada da porta, perguntou a Pedro: Não és tu também um dos discípulos deste homem? Não sou, respondeu ele" (João, XVIII - v. 17);

b. "Lá estava Simão Pedro, aquentando-se. Perguntaram-lhe, pois: És tu, porventura, um dos discípulos dele? Ele negou e disse: Não sou" (João, XVIII - v. 25);

c. "Um dos servos do Sumo-Sacerdote, parente daquele a quem Pedro tinha decepado a orelha, perguntou: Não te vi eu no jardim com ele?..

De novo Pedro o negou, e no mesmo instante cantou o galo" (João, XVIII - vv. 26 e 27).

O cantar do galo é uma espécie de baliza aterrorizadora para todos nós. A todos os momentos estamos negando a Jesus, e a todos os momentos os galos cantam melancolicamente, nos prados de nossa consciência... todas estas coisas se passaram perante Anás e Caifás, e sob os aplausos do mundo,

Mesmo assim, nada é insanável: o erro tríplice de Pedro, que - logo após André, seguiu a Jesus, sucedendo-se Filipe e Natanael -, não ficaria sem igual oportunidade de reerguimento, perante o mesmo Senhor, e perante os homens. Após a ressurreição, da
terceira vez em que o Nazareno aparece aos discípulos (aparição a 7 discípulos), Pedro é interrogado por três vezes:

a. "Depois de terem comido, perguntou Jesus a Simão Pedro: Simão, filho de João, amas-me mais do que estes outros? Ele respondeu: Sim, Senhor, tu sabes que te amo, Ele lhe disse: Apascenta os meus cordeiros" (João, XXI - v. 15);

b. "Tornou a perguntar-lhe pela segunda vez: Simão, filho de João, tu me amas? Ele lhe respondeu: Sim, 'Senhor, tu sabes que te amo, Disse-lhe Jesus: Pastoreia as minhas ovelhas" (João, XXI-v. 16);

c. "Pela terceira vez Jesus lhe perguntou: Simão, filho de João, tu me amas? Pedro entristeceu-se por ele lhe ter dito, pela terceira vez: Tu me amas? E respondeu-lhe: Senhor, tu sabes todas as coisas; tu sabes que eu te amo. Jesus lhe disse: Apascenta as minhas ovelhas" (João, XXI - v. 17).

É o Evangelho o mais perfeito dos códigos que conhecemos. Considerando as trilogias apontadas, que são as coisas a mais que existem, a desafiar a nossa vã filosofia; considerando, principalmente, a tríplice negação e o tríplice testemunho de Simão Pedro, nada nos resta senão trabalhar infinitamente, perdoar irrestritamente, e não invejar nunca! Quem conhece os martírios que, por vezes, uma fisionomia sorridente esconde? O desespero que um rosto sério oculta? O próprio questionário formulado pelo Senhor, em presença de todos, pareceu dizer da infinita pena que Jesus nutria por todos nós, simbolizados, naquele momento, por quem haveria de ser o esteio do Cristianismo. O Cristo possibilita-nos iguais ensejos de soerguimento, quantas sejam as quedas que soframos.

             Primeiramente, diz a Pedro que apascente os cordeiros: estes bem podem simbolizar uma primeira fase dos homens. São as criaturas indiferentes à Boa Nova.

             Os cordeiros são a passividade, mas não a pacificação. Logo a seguir, aconselha ao Apóstolo que pastoreie as suas ovelhas. Cordeiros despertados, pacificados, transformam-se em ovelhas: estas são a parte do rebanho que está, de fato, preparada (na preparação do povo, não estavam incluídos os "doutos e os prudentes"). Em terceiro lugar, fala em apascenta as minhas ovelhas. O Cristo sabia perfeitamente que as ovelhas tresmalhar-se-iam; seria preciso, após a turbulência, apascentar as partes do rebanho despertas. Ou seja:

a)     apascentar cordeiros (despertá-los);
b)    pastorear ovelhas (conduzir os que estão preparados);
c)     apascentar ovelhas (trazer de volta ao aprisco as que, preparadas, se tresmalharam).

Diante de tudo isso, Senhor, quanto não nos reserva a misericórdia de Deus?!. ...Se não sabemos tudo, isso se dá, com certeza, porque não convém que o
saibamos; e porque nem tudo daquilo que sabem os que nos estão acima pode ser-nos revelado. Não foi o próprio Paulo de Tarso quem declarou trazer um espinho na carne, embora jamais tenha dito que espinho era esse?...


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