Planos Superpostos
Arnaldo S. Thiago
Reformador
(FEB) Janeiro 1941
A lei do progresso é inelutável.
As camadas geológicas se superpõem no curso
dos séculos. Se é duvidoso encontrar-se no arqueano um traço primitivo de vida,
absurdo não será procurar-se no paleozoico um organismo animal, os restos
fósseis de uma árvore que já estivesse enfeitada de flores.
Também o progresso moral se faz
gradativamente. Do salteador de estrada ao santo de Assis há toda uma sucessão
de degraus a ascender, na torrente dos séculos.
O decálogo nos veio, quando o espírito
humano começava apenas a entrever, ainda configurada em férteis pastagens e
rios de mel, a Terra da Promissão. Contudo, é um código de moral absoluta,
sendo eternos os seus princípios, como eterna é a divina lei do Amor em que se
baseia o mesmo decálogo. Constitui a Lei indiscutível, inflexível para as
sociedades humanas. Quem quiser ter vida feliz deve submeter-se a esse código.
A advertência que Jesus fez ao mancebo rico
enquadrava-se no primeiro mandamento do Decálogo. Entretanto, o mancebo estava
convencido de que em toda a sua vida outra coisa não fizera senão cumprir à
risca todos os mandamentos. Como se compreende, então, que Jesus não lhe
houvesse contestado a declaração, mas apenas advertido de que, para segui-lo,
devia vender, primeiro, tudo o que possuía e distribuí-la entre os pobres?
Será, então, que a própria Lei Divina
esteja sujeita ao critério da elasticidade, como as leis humanas?
Certamente que não. Apenas, o que se dava
era que o mancebo supunha honestamente estar cumprindo a Lei - embora
infringindo-a - e Jesus, que lhe reconheceu a honestidade intencional e,
portanto, a dificuldade de compreender de outra forma o decálogo, ofereceu-lhe,
naquela advertência, uma interpretação mais elevada do primeiro mandamento, sem
uma referência expressa a este - o que seria de ordem secundária para o
objetivo que o Mestre tinha em mente - e que não era comprometer a relativa
felicidade honestamente desfrutada pelo mancebo rico, felicidade decorrente da
sua ingênua certeza de que cumpria integralmente a Lei, mas tão só induzi-lo a
um modo de viver compatível com o desejo, que nutria, de seguir o Mestre, isto
é, de ascender na escala do progresso.
A lição é eloquente e mostra até que ponto
chega o delicadíssimo respeito que Jesus vota ao livre arbítrio dos seus irmãos
mais moços, ou, seja, das ovelhinhas que o Pai lhe confiou.
Pode, portanto, cada um ser feliz ao seu
modo, desde que honestamente pratique o decálogo segundo a interpretação
compatível com o seu grau de discernimento.
A questão está em praticá-lo honestamente,
embora errado. Agora, o que não pôde dar felicidade é o erro consciente. E
nisto é que consiste o pecado: na infração consciente da Lei.
Não há, portanto, elasticidade na Lex legum; o que há são estados
conscienciais mais elevados
e menos elevados.
Por isso, Jesus disse aos apedrejadores da
adúltera: "Quem estiver sem pecado atire a primeira pedra". E ele,
que o estava, longe de atirar-lhe essa primeira pedra, levanta-a
carinhosamente, aconselhando-a: "Vai e não peques mais".
Mestre, concede-nos o teu divino perdão,
tanto por causa das nossas próprias faltas. como por causa da intolerância que
muitas vezes revelamos com relação às faltas dos nossos irmãos!
Aos que sabem interpretar a Lei e a
infringem conscientemente - para estes, sobretudo, Mestre, a tua misericórdia!
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