Bilhetes
G.
Mirim (A Wantuil)
Reformador (FEB) Dezembro 1943
Fui criado no Catolicismo. Deste, passei para o meio
protestante e, deste outro, para o numeroso grupo dos indiferentes. Por todo
lado se me apresentavam os tais mistérios e dogmas, recheados com aquela
obediência cega e quase servil ao sacerdote, padre ou pastor, e, por isso,
aconteceu comigo o que se verifica hoje com quase todos, senão todos, que
nascem neste país, dito católico.
Sempre me disseram que eu tinha uma alma, e que esta possuía
qualquer coisa de divino, porque fora formada pelo Criador. No entanto, não
deixavam a essa alma o direito de raciocinar, subordinando-a às suas irmãs que
vestem batina ou sobrecasaca preta, com colarinho branco e ares de santidade,
sob pena de enviá-la ao inferno, entregue a Satanás, para ser queimada
eternamente, entre ranger de dentes e caldeiras a ferver.
E eu, nascido assim, com franca tendência a crer num Ser
Superior, aos poucos me ia deixando levar para o numerosíssimo grupo dos indiferentes
gozadores, conduzido indiretamente por aqueles sacerdotes que deviam
encaminhar-me para esse Deus que o meu espírito ansiava por compreender, para amá-lo
com o cérebro e com o coração.
E os anos se foram passando. Quanto mais se desenvolvia a
minha acanhada inteligência e quanto menor deixava de ser a minha cultura, mais
exigia o meu raciocínio e mais me pedia essa alma que Deus me deu, até que,
finalmente, passei a fazer parte, definitivamente, quanto à Religião, dos
noventa por cento dos habitantes do meu Brasil.
Os sacerdotes e pastores me evitavam. Minhas perguntas não
lhes agradavam e lhes apresentavam dificuldades, por obrigá-los a responderem
sempre com evasivas, que eles próprios julgavam deprimentes para teólogos
iluminados que deviam ser, ao menos diante das ovelhas que contribuíam para a "maior
glória de Deus", como diziam os "santíssimos" inquisidores dos
séculos que se foram.
Um dia, um desses "loucos" que nos são conhecidos,
através dos sermões religiosos, convidou-me para assistir a uma sessão de
Espiritismo. Tive pena do "louco", mas como era um homem de idade
avançada, por isso mesmo, e pela sua vastíssima cultura literária, aceitei o
seu convite.
Formei os meus planos e segui para a sessão do nosso amigo,
disposto a demonstrar-lhe, com provas científicas e indestrutíveis, o erro em
que se encontrava.
Entrei no ambiente em que se achavam reunidas pessoas que me
eram estranhas e fiquei, no meu canto, a sentir piedade de todos aqueles
"loucos", que se comportavam quais os frades de que nos falam as histórias
religiosas, com respeito, silêncio e atitude de religiosidade.
"A "coisa" começou. Falam espíritos daqui, replica
um senhor que se encontrava na cabeceira da mesa, gritava um outro, queixa-se
um terceiro de dores, e eu, sem nada compreender, já sentia desejo de rir,
quando uma senhora, voltando-se para mim, recordou-me tantos fatos de que me
esquecera com o passar dos anos, tantos conselhos e tantos nomes que me eram
caros, que eu, meio tonto, ao sair, levava no bolso um papelzinho com a
indicação do livro que me serviu para voltar ao Criador de que me afastara - O
Livro dos Espíritos.
Tornei-me, com a observação e com a leitura de centenas de
obras espíritas, um entusiasta do Espiritismo, mas, no fim de algum tempo, já
me inclinava ao afastamento, pelas mesmas razões de sempre, comuns a todas as
religiões: - Pregam o ensino e repetem as palavras do Cristo, sem documentação
que satisfaça ao raciocínio do homem do século XX, que tudo quer examinar,
discutir e compreender.
E se não fui novamente estacionar entre os adeptos dos gozos
da Terra, creiam, meus amigos, que foi por conselho daquele mesmo velho
"louco", que me falou novamente: - "Alia, meu caro, Kardec com o
complemento da sua obra – “Os Quatro Evangelhos de Roustaing”.
Aí tem, meus companheiros, o meu bilhete de hoje. Não é
bilhete de loteria, porque é bilhete que, adquirido e assimilado, produzirá a
sua fortuna, a fortuna que a traça não corroí e que os ladrões não roubam.
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