Kardec-Roustaing
por Indalício Mendes
Reformador
(FEB) Maio 1943
Em O Caminho,
estimado órgão da "Tenda Espírita Mirim", deparamos, no seu número de
abril último subordinado ao título acima, com um bem lançado artigo da lavra do
nosso distinto e esclarecido confrade Indalício Mendes, a quem pedimos, bem
como a O Caminho, vênia para com ele
enriquecermos as colunas de Reformador, transcrevendo-o nelas.
É este o artigo:
“...14. Lembra-lhes
estas coisas, conjurando-os diante de Deus que não tenham contendas de pa.
lavras que para nada aproveitam, senão para perverter os que as ouvem. 15. Esforça-te para te apresentar diante
de Deus aprovado como obreiro que não tem de que se envergonhar, e que manejas bem
a palavra da verdade."
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”... 23. Rejeita
as questões absurdas e desassizadas, sabendo que elas provocam brigas. 24. Ora, o servo do Senhor não deve
brigar, mas deve ser condescendente para com todos, capaz de ensinar, sofrido; 25. que corrija com mansidão aos que se
opõem, na esperança de que Deus lhes conceda o arrependimento para conhecerem a
verdade." - (Segunda Epístola de Paulo a Timóteo, cap. 2, versículo cit.)
A situação do Espiritismo no Brasil exige, de todos os que
se interessam pelo seu futuro, meticuloso exame e profunda meditação acerca dos
problemas criados pela inobservância dos Evangelhos. Os verdadeiros espíritas -
e estes são tão reduzidos... - precisam redobrar seus esforços para o reencaminhamento
ao aprisco das ovelhas desgarradas pelos sentimentos inferiores que o orgulho e
a vaidade inspiram. Nunca
Se viu tanto apego à polêmica, nas fileiras do Espiritismo, porque também nunca
se observara tamanho desconhecimento da doutrina, nem tão lata ignorância das
lições de amor e humildade que refulgem nas páginas preciosas dos Evangelhos.
Urge que os "soi-disant" (supostos) espíritas se
compenetrem de seus deveres em face da doutrina do Espiritismo, que é toda
amor, toda humildade, toda paz, toda caridade, enfim. Colocam-se fora dela - e contra
ela, concomitantemente - aqueles que, em vez de empregarem esforços para praticá-la
e difundi-la conscientemente, realizam espúria tarefa, empenhando-se em contendas
fúteis e provocando situações malsãs, muito do agrado dos irreconciliáveis
inimigos da Terceira Revelação.
Está em moda combater J. B. Roustaing e "Os Quatro
Evangelhos ..." Perde-se, semeando a discórdia no meio espírita, valioso
tempo que poderia estar sendo proficuamente utilizado na evangelização daqueles
que tanto necessitam de amparo doutrinário. Entretanto, Allan Kardec, homem
superiormente equilibrado, cioso da enorme responsabilidade, que assumira em
face da humanidade contemporânea, do seu trabalho gigantesco, não anatematizou
a obra de Roustaing ainda que se manifestasse a respeito dela com indisfarçável
prudência. Ele próprio escrevera na "Revue Spirite": "Estas observações, subordinadas à sanção do
futuro, em nada diminuem a importância da obra, que, de par com algumas coisas
duvidosas, segundo o nosso ponto de vista, outras contém incontestavelmente
boas e verdadeiras e será consultada com proveito pelos espiritas conscienciosos".
Kardec, no trecho transcrito, ressalvou até que os
"espíritas conscienciosos" consultariam com proveito a dita obra. E,
quanto às restrições que fizera, provinham de sua opinião pessoal, tanto que lá
está - "de par com algumas coisas duvidosas, segundo o nosso ponto de vista".
Tanto ele prezou "Os Quatro Evangelhos" que se preocupou com a forma
material da obra, ao ponderar inequivocamente: "No nosso parecer, se, limitando-se ao estritamente necessário,
houvera reduzido a obra a dois ou mesmo a um só volume, ela ganhara em
popularidade". É obvio que Allan Kardec pouco
se importaria com a popularidade de "Os Quatro Evangelhos", se não estivesse
convencido de sua utilidade para os estudos dos "espíritas conscienciosos".
É claro também que, não obstante a grande autoridade moral e intelectual do codificador,
não se podem considerar
todas as suas opiniões pessoais como que forradas de infalibilidade.
Consideremos ainda o fato dele ter lealmente confessado:
"O autor desta nova obra julgou
dever seguir outra orientação: em lugar de proceder gradativamente, quis de um
salto atingir o fim. Assim é que tratou de certas questões que AINDA NÃO JULGÁRAMOS
OPORTUNO ABORDAR e a respeito das quais, portanto, lhe deixamos a
responsabilidade, assim como aos Espíritos que as comentaram".
Devemos olhar para Kardec e Roustaing com "olhos
cristãos", isto é, reconhecendo o valor do trabalho realizado por um e
outro, porque ambos contribuíram para a elucidação dos Evangelhos. Kardec foi o
grande pioneiro, o desbravador destemeroso que enfrentou as furiosas
arremetidas do preconceito religioso do sécuIo
XIX. Coube-lhe abrir o caminho para o esclarecimento espiritual da humanidade,
permitindo-lhe a compreensão mais perfeita da vontade de Deus, através dos
livros que deixou. Sofreu, como sofrem todos os apóstolos da verdade. Foi
escarnecido, vilipendiado, perseguido, mas, encouraçado pela fé, nunca desertou
o posto de honra, cumprindo sua elevada missão, sem ter dito, porém, a última
palavra.
Do mesmo modo, Roustaing, como continuador de Kardec, é
digno do respeito dos "espíritas conscienciosos", porque foi também um
homem de excepcional valor moral e intelectual, deixando, em "Os Quatro
Evangelhos", a prova do seu amor à doutrina de Jesus, ali explicada, com
amplitude, em espírito e verdade.
Roustaing deve ser estudado sem prevenções, mas com boa
vontade e disposição serena. Sem tolerância nem humildade, sem amor nem caridade,
o Espiritismo terá, a sobressaltar-lhe o programa de ação evangélica, grupelhos
de sectários, imbuídos do mesmo dogmatismo negativista que levou a ruina outras
religiões.
"Pode e deve a criatura
ser tolerante em face das opiniões alheias, por mais opostas que sejam às suas
próprias; ela (a tolerância) prescreve o respeito às crenças, aos gostos e tendências
dos outros; porém, a ninguém impõe o silêncio diante do que lhe desagrade, ou
seja compreendido de outro modo. Ao contrário, respeitando o indivíduo,
inspirado pela bondade e pela justiça que ela em si contém, a maneira por que
os outros exteriorizam seus sentimentos, a tolerância o obriga a considerar os
outros como a si mesmo e a fazer-lhes tudo aquilo que lhes possa convir. Ora, o
que convém a todo ente humano é aprender, progredir, evoluir espiritualmente, o
mais rápido possível. E a tarefa dos que mais sabem é, ou deve ser, ensinar aos
que sabem menos e a dos que mais bondade possuem dar lições práticas dessa
bondade, para que os seus inferiores tenham um guia que lhes indique de que
maneira devem proceder para também subir" (Aguarod, "Grandes e pequenos problemas", págs. 100/1).
O que primacialmente nos interessa a todos não é discutir se
Jesus teve "corpo fluídico" ou "corpo carnal como o nosso",
durante sua passagem por este planeta, embora seja assaz conhecida a expressão
de Paulo aos Coríntios, de que nem toda
carne é a mesma carne''. Há tempo para chegarmos lá. Em relação ao que nos falta
aprender, nada ainda sabemos. Precisamos, sim - e os fatos atuais o comprovam -
é de nos evangelizarmos, estudando em vez de discutirmos, perdoando em vez de
condenarmos, pesquisando,
primeiramente em nós mesmos, as imperfeições e lacunas que julgamos existir em nossos
semelhantes. Toda essa grita se faz porque está sendo negligenciado o estudo
metódico e atento dos Evangelhos. As censuras, as polêmicas, as discussões
podem satisfazer à vaidade de alguns homens, porém, ferem a doutrina codificada
por Allan Kardec e colidem com os preceitos de paz, amor e caridade que
constituem a
palavra de ordem de Jesus. Persistir nessa atitude anti-espírita será favorecer
a negregados desígnios dos inimigos gratuitos que o Espiritismo tem, na terra e
no espaço.
Em vez de dissenção, preguemos a união, porque a família
espirita é uma só, como uma só é a verdade. Só uma luta deve entusiasmar-nos: a
luta pelo bem, sem nos esquecermos, todavia, de que "a humildade é a fonte de todas as virtudes".
Está-se procurando formar um antagonismo que jamais existiu
entre Kardec e Roustaing, no que diz respeito à doutrina espírita. Desses que
criticam e combatem "Os Quatro Evangelhos...", quantos já leram e
compreenderam essa obra superiormente elaborada e magistralmente desenvolvida?
O "ponto nevrálgico" de toda essa questão é o "corpo
fluídico", que, no entanto, interessa principalmente à parte científica do Espiritismo.
Entre os espíritas, porém, é avultado o número dos que nunca leram todas as obras
de Kardec e dos que, em tendo lido algumas, não assimilaram seus ensinamentos.
Entretanto, discute-se, faz-se bulha, põe-se em triste evidencia a falta de orientação
verdadeiramente espírita.
Sempre que houver algo de difícil compreensão para nós ou
aparentemente absurdo meditemos, pedindo a Jesus que nos ilumine o entendimento.
Nada se deve negar "a-priori", porque muitas vezes poderá suceder seja
nosso o erro, por não havermos ainda alcançado a maturidade intelectual e
espiritual adequada para interpretá-lo
o acertadamente. Devemos não esquecer que “acima
de tudo está a vontade superior, que pode ou não, em sua sabedoria, permitir
uma revelação". (Kardec, "Obras póstumas".)
A melhor maneira de seguir as instruções de Allan Kardec
está em exemplificar a doutrina que ele codificou, tendo por norma invariável este
seu lema – “Trabalho, solidariedade, tolerância"-
que muitos de seus pretensos defensores parecem desconhecer. A obra de Roustaing,
pode, sem favor, ser incluída entre aquelas de Kardec, Léon Denis, Camille
Flammarion, Gabriel Delanne, Ernesto Bozzano, etc., opímos (de
grande valor) frutos de uma falange de trabalhadores
assistidos pelos mensageiros do Cristo. Torna-se necessário que os espíritas
sejam, pelo menos, espíritas, "espíritas conscienciosos", no dizer de
Kardec, abandonando ideias sectárias, sufocando e
destruindo em si tendências dogmáticas, jugulando inferiores impulsos que a
doutrina desaconselha, se não quiserem ser apenas, como disse Jesus, "sepulcros caiados de branco por fora".
Somos todos irmãos, devendo-nos auxílio recíproco. Se Jesus
disse que a ninguém viera julgar, porque só Deus julga, porque pretendermos nós
os humanos, que nada valemos, ser maiores que o Divino Mestre? "Não julgues a fim de não serdes julgados;
porquanto sereis julgados conforme houverdes julgado os outros; com a medida
com que medirdes sereis medidos. Como é que vês um argueiro no olho do teu irmão
e não percebes a trave no teu?" (Mateus, VIl, v. 1-3.)
0s que procuram perturbar a paz do ambiente espírita
atacando Roustaing a pretexto de defender Kardec, como se este houvera sido vítima
de algum agravo, estão fora da doutrina, são contra ela, porque não a cumprem.
Os piores inimigos do Espiritismo são aqueles que estão dentro dele, dizendo-se
espíritas sem cumprir-lhe os princípios essenciais. Já é tempo de se suspender
tão inglória conduta. Preguemos todos o Evangelho e não a cizânia, porque quem
estiver em erro por ele respondera. Deixemos em paz o corpo de Jesus; atentemos,
porém, para a sua doutrina de amor e caridade, porque
dela é que virá a nossa salvação moral. Está em "O Evangelho segundo o
Espiritismo: "Não anatematizeis os
que não pensem como vós". Porque não se procede assim? Nessa mesma
obra confortadora e sublime, escrita por Allan Kardec lê-se este conselho amigo
de O Espírito de Verdade": “Espíritas!
Amai-vos! este o primeiro ensinamento; Instrui-vos, este o segundo".
Em "Obras póstumas", também de Kardec, encontram-se
estas outras palavras, tão oportunas para os que falseiam o espírito da doutrina:
"O Espiritismo proclama a liberdade
de consciência como direito natural; reclama-a para si e para todo o mundo,
respeita toda a convicção sincera e pede reciprocidade”.
"Se um cego se
faz guia de outro cego, cairão ambos no fosso" (Mateus, XV, v. 14).
Para esses "cegos" devemos implorar a misericórdia
do Pai. São almas que se afastam do caminho iluminado dos Evangelhos, ovelhas
que se transviam. .
"Guias cegos, que
coais um mosquito e engolis um camelo”, meditai!
PARABÉNS PELO TEXTO. ESTIVERA AMPARADO PELO ESPÍRITO DO MESTRE E SENHOR JESUS. GRATO POR CONHECÊ-LO:
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