Vigilância Evangélica
Indalício Mendes
Reformador (FEB) Março 1954
Depois de duas guerras tremendas, forgicadas (fraldadas) pela má
política internacional, sofre hoje a Humanidade às tristes consequências da
falta de educação evangélica daqueles que galgaram as posições do poder,
movidos por ambições pessoais e impulsionados pelo egoísmo fratricida. Povos
amigos e pacíficos foram iludidos, envenenados pela intriga e deixados ao
abandono nos vendavais do ódio. Manejados por minorias políticas viciadas em
práticas incompatíveis com os deveres cristãos, tais povos se afogaram em
sangue, viram seus lares destruídos, suas famílias dizimadas e as nações,
outrora alegres e felizes, caíram prisioneiras da miséria, escravas da dor,
envoltas no negrume do ceticismo que corrói as almas e as induz a novas e duras
provações.
A Humanidade está pagando pesadíssimo tributo por suas convicções
materialistas. Quanto mais divorciada do Evangelho do Cristo, mais sofrerá,
porque ninguém pode colher senão o resultado do que semeia. Quem semear amor,
colherá amor; quem semear paz, colherá paz, quem semear entendimento, só
entendimento poderá colher. Entretanto, aquele que semeia ventos, colhe
tempestades, A "pena de talião" é uma ordem que nenhum ser humano
pode alterar, de vez que ela significa simplesmente que a lei de causa e de
efeito se encontra em plena ação. Se todos procurassem dar boa-vontade e
consciente tolerância aos seus semelhantes, acabariam por estar rodeados também
de boa-vontade e tolerância.
Infelizmente, o revide substitui a ponderação; o orgulho ferido não se
compadece com a necessidade da indulgência bem conduzida; a humildade sem
vileza nem sempre encontra corações onde repousar. E assim vão os homens, assim
vai a Humanidade, lutando e sofrendo, desesperada, procurando soluções erradas
para resolver conflitos que poderiam ser amenizados e eliminados com a só
compreensão dos princípios evangélicos. Não
há fé, não há caridade, não há esperança, na maioria dos seres humanos. Todos
querem gozar os prazeres que a vida oferece, sem pensar na necessidade de dar
ao espírito a tranquilidade que ele pode encontrar na vida simples, devotada à
esposa e aos filhos, em plena comunhão fraterna com os semelhantes. O
imediatismo, filho natural do materialismo sórdido que domina o mundo, reflete
as condições mentais e a pobreza moral em que tantos seres humanos se debatem. O
pudor mingua cada vez mais. Consequentemente, a sociedade se dilui, corrompendo
o sentido tradicional da família; as relações entre as criaturas se fazem sem
as indispensáveis fronteiras do respeito e do cavalheirismo. A desintegração
das coletividades se opera rapidamente, pelo desaprimoramento dos costumes,
pelo descaso com o idioma pátrio, pelo desamor às tradições. Hoje, a mocidade
se desenvolve sem o freio salutar da disciplina, desde o lar que nem sempre os
pais resguardam convenientemente. Os compromissos morais se afrouxam e se vai
formando, num ritmo exacerbado, a mentalidade volúvel de homens e mulheres que
nem sequer se preocupam com as pesadas responsabilidades do futuro.
*
Muito se sofre nos dias que correm. Mais se sofrerá
ainda, porquanto a incredulidade se expande sob a capa de pseudo-esclarecimento
científico e o intelectualismo frívolo se refocila(reforça) no cinismo das atitudes
artificiais. Falar em Jesus é tão vergonhoso quanto crer em Deus. É falta de
virilidade o confessar espírito religioso. Escudar-se na prece é ganhar fama e
pusilânime... Evidentemente, a beatice é perigosa, porque vizinha da hipocrisia
e do fanatismo. Para assegurar a graça divina, nada melhor que a exemplificação
das verdades evangélicas. Exemplificar é o caminho mais curto, embora o mais
difícil. Em nossa peregrinação terrena atual, realizamos esforços para seguir
as pegadas daqueles que, melhor do que nós e com maior propriedade, já se assenhorearam
dos princípios evangélicos. Nossas quedas são muitas, porque o nosso espírito
ainda está sobrecarregado de defeitos e fraquezas. Somas dos últimos, na
caravana dos que buscam iluminar-se nas refulgências(no brilho) do
Espiritismo cristão, bem o sabemos. Todavia, ainda que convencidos da nossa
insignificância, ainda que a nossa desvalia seja fardo incômodo em nossa
consciência,
tivemos a felicidade
de encontrar a trilha da Verdade. Algum dia haveremos de alcançá-la, se não nos faltar,
como estamos certos de que não nos faltará jamais, a misericórdia do Alto. ÀS
vezes, em solilóquios breves, perguntamos a nós mesmos: para ande iremos? para
onde se encaminha a Humanidade contemporânea, empolgada pela concupiscência,
seduzida pelos gozos fáceis e impuros, traída pela ambição de fortuna rápida e
de qualquer origem? Consultemos a História, perlustremos o passado,
investiguemos os dias da nossa meninice, ainda vivos na memória, e
estabeleçamos sincero e mesmo benévolo confronto com o que foi e com o que é.
Encontraremos a desoladora resposta acerca do futuro que espera a
Humanidade destes dias atribulados. Ainda se respira o odor de sangue de duas
guerras pavorosas e já se sente o cheiro de pólvora dos conflitos que se armam
nos gabinetes secretos. Mal refeita ainda da experiência assustadora das bombas
atômicas que destruíram Hiroshima e Nagasaki, vivem as populações do mundo intranquilas,
sob a ameaça de outros meios de destruição, como as bombas de hidrogênio,
porque a ciência, que tanto tem trabalhado pelo bem da Humanidade, mostra
igualmente duas faces: uma, benéfica, abençoada, porque positiva; outra,
maléfica, apavorante, porque negativa. A insegurança do mundo gerou a
intranquilidade. Se os povos tivessem fé, confiança nos desígnios do Mestre, as
vicissitudes passariam sem deixar marcas indeléveis na formação moral dos
homens. Mas, infelizmente, o ceticismo ganhou forças, alimentando-se nos erros daqueles
que, no passado, se inculcaram herdeiros do Cristo, sem, no entanto,
salvaguardarem devidamente os tesouros portentosos do Evangelho, através da
exemplificação fiel. Estamos sofrendo hoje os desvios de ontem, como a
Humanidade de amanhã virá a sofrer as consequências da má orientação
contemporânea.
*
Não se mitiga a fome com arengas filosóficas ou
religiosas, porque são diferentes as necessidades do
corpo e as necessidades do espírito. Todavia, é preciso, quando se atende a
umas não se deixar sejam as outras esquecidas. Entretanto, quando se está
espiritualmente preparado para a vida terrena, nunca se abandona a esperança de
salvamento. O Espiritismo cristão esclarece o homem sobre a sua legítima
posição na vida terrena. Muitas vezes, as provações de hoje nada mais são do
que o resultado de débitos contraídos em vidas anteriores. Isto demonstra que
há necessidade de calma e resignação, porque não há causa sem efeito, assim
como não há efeito sem causa. A preparação espírita do homem lhe dá uma
sensação de segurança extraordinária. Ele se sente com forças para
suportar os contratempos da vida, porque confia em Jesus e a fé lhe nutre o
espírito. Mais do que nunca as palavras do admirável apóstolo Paulo, na sua Epístola
aos Coríntios (4:8-10), devem ser lembradas e retidas: "Em tudo somos atribulados, mas não
angustiados; perplexos, mas não desanimados; perseguidos, mas não desamparados;
abatidos, mas não destruídos; trazendo sempre, por toda parte, a mortificação
do Senhor Jesus em nosso corpo, para que a sua gloriosa vida se manifeste
igualmente em nós."
Mas, convenhamos, é bem amargo o cálice do sacrifício. É
preciso que o espírito esteja imerso na fé sincera, para compreender e
exemplificar as lições contidas nas palavras de Paulo. Nessas horas, sentimo-nos
menos que pigmeus diante da grandeza sem par do Evangelho. Quem somos nós,
Senhor, para resistir galhardamente às solicitações da covardia espiritual?
Enriquece-nos com a Tua misericórdia, para que a nossa miserabilidade moral
possa adquirir um muito pouco que seja das virtudes evangélicas! Que o quase
nada que já beneficia o nosso espirito possa quebrar as resistências da nossa
imperfeição, para que melhor sintamos os efeitos renovadores da palavra de
Jesus e das mensagens psíquicas de seus
operosos e beneméritos mensageiros! Que saibamos sempre compreender a função
educativa e regeneradora do sofrimento, aceitando-o de ânimo forte e resignação
ativa. Que nunca nos falte a capacidade da reação moral, porque ao Mestre não
agrada a passividade negativa e estéril. O homem foi feito para lutar e é pela
luta que seu espírito se engrandece. A resignação consciente não deixa de ser
uma forma de luta, porque se escuda na fé. Ela representa uma atitude de
resistência contra o desânimo e a descrença, assim como pode constituir o ponto
de partida para a reconstrução que glorifica os esforços do espírito! A
resignação negativa é como uma morte aparente, enquanto que a resignação ativa
revitaliza o espírito, dá-lhe ânimo para resistir contra o desespero e
oferece-lhe oportunidades magníficas para se reerguer moralmente, justificando
o prêmio da ascensão na escala evolutiva. De certo modo, somos os obreiros do
nosso destino, porque de nossa conduta atual dependerá o rumo que seguiremos no
futuro, nesta ou na próxima peregrinação terrena.
Em face da confusão que domina o mundo, os espíritas temos todos um programa a
seguir. Esse programa não foi traçado pelos homens: está no Evangelho. Sem ele,
todos os esforços resultarão nulos, todas as tentativas de salvação moral
estarão condenadas ao malogro. O homem precisa compreender que, embora com
deveres importantes na vida material, seu destino é espiritual. Através do
Evangelho, encontrará a tranquilidade interior de que necessita na hora
atribulada em que vivemos. Exemplificando quanto possa na obediência ao
itinerário evangélico estará, simultaneamente, trabalhando para si e para o
próximo, porque não se pode conceber, dentro do Espiritismo cristão, nenhuma
obra com objetivos egoísticos.
Servir é o dever que a todos nos assiste, sem, no entanto, esperarmos retribuição. Nosso
salário não se perderá jamais, porque, consoante a lei de causa e de efeito, cada qual
colherá o fruto correspondente à semente que plantou. Em outras palavras,
conforme o Cristo: “a cada um, segundo suas obras".
O recurso da prece nunca foi tão
oportuno quanto nestes dias incertos. Jamais foi tão necessária a vigilância em
torno dos nossos pensamentos e dos nossos atos, como nas horas agitadas do
mundo hodierno. Preocupemo-nos mais em vigiar a nós mesmos, do que aos nossos
semelhantes e sentiremos, ao fim de cada tarefa, a consciência repousada na
confiança de que cumprimos o nosso dever perante Deus, perante Jesus, perante
os homens.