Um
estudo sobre aparições
– parte 2
Hermínio
C. Miranda
Reformador (FEB)
Agôsto 1959
Regressemos a Mr. Tyrrell e sua obra
"Apparitions" e tentemos dar maior síntese a este trabalho, que está
ficando muito alongado.
Deixem-me dizer, ainda, que o caso
35, que relatamos e comentamos no número passado desta revista, está no livro
de Mr. Tyrrell sob o título curioso e esdrúxulo de ''Uma alucinação subjetiva,
não telepática". Que não é telepática, sabemos nós, Mas. por que subjetiva?
E por que alucinação?
Com o objetivo de fazer caber todos
os casos relatados dentro de suas inaceitáveis teorias, Mr. Tyrrell se empenha
fundamente nas mais complexas hipóteses.
Em sua concepção, a visão é
produzida por um conjunto de circunstâncias. Não passa de uma fantástica
"piece at stage-machinery", quer dizer, uma peça de mecânica teatral,
Ela é criada (literalmente, na expressão do autor) para expressar uma ideia.
Essa ideia é uma espécie de motivo, de tema, ponto de partida para a criação do
enredo. não faltando mesmo o produtor e o cenarista. Na sua opinião, o agente
do drama e seu perceptivo - utilizando recursos comuns: lembranças, noções
retiradas do Inconsciente, etc. - constroem o drama, montam o cenário e, então,
a ideia se dramatiza, como se não passasse tudo de uma cena barata de
vaudeville, Infelizmente. o autor não pode explicar como é que se passa o
fenômeno. Admite, porém, que é difícil imaginar o agente do drama e seu
perceptivo reunidos, a combinarem os pormenores da ação (pág. l02).
Nas páginas seguintes, Mr.Tyrrell expõe
miudamente suas ideias, citando Freud, Myers, Leibnitz, McDougall, Mace, Lord
Balfour e outros e outros. Parece que, não se sentindo muito certo de seus próprios
recursos, o autor busca apoiar-se alhures.
Suas dificuldades aumentam
sensivelmente quando ele procura explicar, a seu modo, as visões coletivas,
isto é, presenciadas por mais de uma pessoa. Conclui, por não haver outra
alternativa, dentro de sua linha de raciocínio, que "some kind of telepathic
process" deve ocorrer. Mas como? se ele próprio acabou de recusar, muito
legitimamente, a hipótese de Gurney que explicava a transmissão por um ridículo
processo de infecção?
A seu ver, então, cada um dos
expectadores seria induzido a criar a sua imagem, expressando, assim, a ideia
coletiva coincidente. Meu Deus, quanta boa vontade é preciso ter para aceitar
todo esse mecanismo. O autor ainda vai mais longe, porém, e diz: se pudéssemos
produzir tais fenômenos coletivos experimentalmente, aprenderíamos muita coisa
sobre telepatia...
Mas, não se impressione o leitor com
as atuais dificuldades do autor, porque elas se agravarão nos capítulos seguintes.
*
No capítulo quarto ("Clarividência")
do seu livro, Mr. Tyrrell encontra novos e sérios embaraços. Diz inicialmente que,
do ponto de vista teórico, os casos mais difíceis de explicar são os chamados recíprocos.
Paciência, leitor, que precisamos
contar este também que é de grande importância. É um caso clássico e que no
livro tomou o número 36: Mr. Willmot, um cidadão
americano, regressava de navio à sua pátria, em companhia de um amigo, Mr. Tait.
Ocupavam a mesma cabine, com dois leitos - um em cima, outro em baixo. Mr.
Wilmot conseguiu dormir e então sonhou. Já. de manhã, que sua esposa – que estava
nos Estados Unidos - viera visitá-lo. Ela entrou no camarote, hesitou ao ver que
havia outro senhor no leito de cima, mas caminhou na direção do marido,
curvou-se para beijá-lo levemente, fez-lhe uma rápida carícia e saiu
silenciosamente, Em seguida, ele acordou e deu com o amigo, no leito de cima,
apoiado num cotovelo e olhando-o de maneira estranha. "Você, heim? - disse-Ihe
o outro - recebendo visitas femininas aqui no camarote." Mr. Wilmot,
atônito, insistiu por explicações e o amigo narrou toda a história. A descrição
correspondia exatamente ao sonho que acabara de ter, O mais interessante,
porém, é que, ao chegar em casa, a esposa de Mr. Wilmot foi logo perguntando:
"Você recebeu uma visita minha, terça-feira da semana passada? "Ele fingiu
ignorar e respondeu: "Como? se eu estava em alto mar', a mais de mil
milhas daqui?" Ela contou, então, o que lhe passara. Sentindo-se
preocupada com o marido, pois tinha tido notícia de que o navio em que ele
viajava sofrera consequências de mau tempo, transportara-se para lá, de algum
modo. Lembra-se de ter cruzado o mar agitado e chegado ao navio - baixo e negro
- onde entrou, descendo à cabine onde estava o marido dormindo. Ao entrar,
notou que havia um homem a olhar fixamente para ela, do leito de cima. Hesitou
por alguns instantes, mas depois foi até ao marido, curvou-se para beijá-lo e
fazer-lhe uma carícia, retirando-se em seguida.
O leitor pode agora imaginar as
dificuldades de Mr. Tyrrell. Ele começa por admitir que o caso parece favorecer
fortemente a teoria de Myers, segundo a qual uma Inteligência consciente
observadora estaria presente no lugar em que ação foi vista. A Sra. Wilmot se
recorda de cada detalhe; o amigo do marido a olhá-la do leito de cima, o estilo
peculiar dos leitos, que ela descreveu ao marido, o mar agitado, o navio, tudo
o mais. Por conseguinte, seria de se admitir, logicamente, que ele esteve lá. Mas não. Mr. Tyrrell conclui que ela "viu" a
cabine através de uma ligação telepática com o marido. O fato de Mr. Tait, companheiro
de quarto, ter participado da experiência, teria ocorrido, segundo Gurney,
porque ele se "infeccionou" pela ideia! "As explicações de Mr. TyrreIl
prosseguem, tão laboriosas quão fantásticas e inúteis. Depois de muito escrever,
citar e conjecturar, o autor conclui que toda a história foi um drama construído
pelo inconsciente do Sr. Wilmot e o de sua esposa. Bem, e como é que Mr. Tait,
expectador desinteressado, assistiu a tudo? É fácil, diz Tyrell: ele era urna
peça importante no drama, que não estaria completo sem ele; por conseguinte,
foi arrastado para a ação da peça! Simples, não? Mas como se deu esse fenômeno?
O autor não o explica, infelizmente. Fica o leitor com todo o direito de achar
que ele não tem uma explicação plausível do mecanismo dessa participação involuntária
de Mr. Tait, ainda que admitindo ser verídica ou aceitável a primeira parte da
explicação, quando afirmou que a visão era uma conspiração entre o senhor e a
senhora WlImot.
*
No subcapítulo seguinte, o autor
examina alguns fenômenos anímicos, a que ele chama "Travelling clairvoyance" - clarividência móvel. Ele próprio é
o primeiro a autenticar os fatos que cita, que estão acima de qualquer
suspeita. Trata-se de fenômeno de desdobramento consciente do perispírito, que
já tivemos oportunidade de comentar ligeiramente, em "Reformador" de
Maio deste ano.
No caso, uma jovem - que nunca recebeu dinheiro pelas demonstrações que fez - desdobrava-se, conservando a consciência, e depois descrevia as cenas a que assistira. Tais descrições eram testadas posteriormente, com as pessoas visitadas pela jovem, em Espírito. Claro que Mr. TyrreIl não conta o fato com essas palavras, mas é o que de fato ocorre. Como e, então, que ele explica o caso? Simples. Ele não admite a presença da moça no local que ela sempre descreve após a experimentação, Acha que ela construiu toda a cena, retirando o material de sua própria personalidade e das personalidades daqueles que possuem a informação de que ela precisa para "montar” sua dramatização. Extraordinário poder dessa moça! Descobrir que informação iria precisar, e descobrir onde encontrar as pessoas que possuíam tais informes e, ainda mais, penetrar a memória dessas pessoas e de lá retirar o material de suas "construções”... É de estarrecer!
Não posso compreender porque todo
esse esforço titânico era substituir, por uma elaborada, fantástica e
inaceitável hipótese, uma explicação tão simples, racional, lógica e perfeita.
Por que não se admite, pelo menos como hipótese, a afirmativa de que a moça esteve de fato no
local que descreveu? Não em seu corpo físico, material, mas em seu corpo perispiritual,
consciente?
*
Às vezes, o autor tem momentos de
humildade passageira. Admite, à página 128, que "estamos ainda no escuro,
com relação à estrutura da personalidade humana, que é provavelmente muito mais
extensa e complexa que qualquer ideia que dela se possa ter no presente; talvez
o processo telepático descubra, na personalidade, um fator que os processos
subjetivos e hipnóticos não tenham ainda atingido".
Com essas ideias preconcebidas,
suspeito que a Ciência continuará ainda por muito tempo naquele escuro a que se
refere o autor, não conseguindo nem mesmo tocar a superfície do profundo
significado contido na personalidade humana.
Mais para o fim do livro, o autor se
perde ainda mais nas suas conclusões. Vejamos algumas.
Comentando um caso em que a aparição
não é de pessoa viva conhecida, ele informa, candidamente, que, se a aparição
"representa' uma pessoa morta, isso não quer dizer que o morto é o agente.
A pessoa viva pode produzir o fenômeno. Como já vimos. o autor acha que o
"agente", isto é, aquele que deseja produzir uma aparição e um drama,
tem poderes supranormais, sendo capaz de criar o que bem aprouver, até mesmo
reprodução exata de outro ser humano! No entanto, após afirmar isso, o autor
informa que, por outro lado, a aparição é produzida por algum agente e que na
maioria dos casos é difícil encontrar um candidato plausível, a não ser a
própria pessoa que a aparição representa. Em outras palavras se a aparição
parece com meu amigo. J., falecido. há muito tempo, quem estaria interessado em
se mostrar como J., a não ser ele mesmo?
E dai, pergunto eu, onde ficamos,
Mr. Tyrrell?
Mas vamos seguir mais um pouco o
pensamento do autor. Os casos em que a evidência indica que o fantasma
aparecido não estava mais entre os chamados vivos, Gurney os interpretou como
sendo de telepatia diferida, ou
retardada. Vejamos o que é isso. A pessoa, ao morrer, segundo aquele teorista,
enviou uma mensagem telepática a alguém, que só a recebeu alguns minutos depois
ou algumas horas depois. Não vamos discutir essa possibilidade, porque teríamos
que escrever um livro. Vejamos, porém, onde quer chegar Mr. Tyrrell. Em contraposição
à teoria de Gurney, Myers acha que o ente "material" está de fato
presente, onde se deu a aparição. O autor não sabe como decidir a pendência
porque páginas atrás já rejeitara a
hipótese de Gurney, baseando-se, não somente na lógica, como em casos concretos
que relatou e aos quais a teoria de Gurney não se adaptava. O dilema, então,
pode ser assim expresso, se me permitem: ou a hipótese da telepatia diferida,
de Gurney, ou a hipótese material de Myers e seu corolário lógico, indispensável,
conclusivo, que é a sobrevivência do espírito, Não sabendo o que fazer de seu
dilema, o autor cria uma terceira ponta na alternativa, tal como um apêndice
incongruente. Diz ele que a argumentação apresentada no presente livro rejeita
a interpretação de Myers e altera profundamente a de Gurney. Vemos, pois que o
autor força a adaptação de suas teorias à medida que as dificuldades vão
surgindo em seu caminho, porque antes rejeitara não somente a teoria de Myers
como a de Gurney.
Ao tentar mais adiante explicar os
casos de aparições ocorridas muito depois da morte, (Gurney havia fixado um
limite arbitrário de 12 horas), Mr. Tyrrell esbarra novamente com um volumoso
bloco atravessado em seu caminho: os casos de percepção coletiva de aparições.
Ainda se poderia admitir, num "tour
de force", que a imagem telepática enviada pelo agente, no momento da
morte, ficasse retardada, de certa forma, não explicada, e certamente não
explicável. Por fim, ao cabo de algumas, horas, dias, ou anos, a imagem
atingiria o perceptivo, num momento psicológico favorável, quando ele estivesse
em condições de receber a imagem. Então, o fenômeno ocorreria e estaria tudo em
paz.
Mas como é que todo esse conjunto de
circunstâncias poderia ser explicado racionalmente, quando duas, três ou mais
pessoas assistem ao mesmo fenômeno de aparição e suas descrições coincidem?
O retardamento da imagem telepática,
nesse caso, teria que viajar no tempo e no espaço, tomando em consideração, com
precisão matemática, a disposição de cada um dos espectadores, para, então, eclodir,
simultaneamente, em todos, no exato momento psicológico de cada um. E daí?
Mr. Tyrrell não se impressiona muito
com as dificuldades criadas pela evidência e salva-se com esta: (pág. l361:
"Alguns casos, certamente contêm alguma evidência em favor do ponto de
vista de que a pessoa morta representada pela aparição é realmente o agente.
Então, qual a conclusão do leitor ? Mr. Tyrrell aceita ou não aceita a sobrevivência? De minha parte não admiro que o leitor não possa decidir a pendência, porque o
próprio Mr. Tyrrell está envolto pelas trevas da dúvida.
Desde que exista, porém, uma exceção
à qual não se aplique a hipótese arquitetada para a generalidade do fenômeno, a
suposição perde toda a sua substância . É uma contingência inelutável do raciocínio
científico, não da alta Ciência - que eu, pobre de mim, não estaria em
oondições nem de mencionar, mas daquela Ciência modesta, contida nas leis
fundamentais que nós todos aprendemos no ginásio. Uma lei só pode ser estabelecida
quando, sob idênticas condições experimentais produz idênticos resultados. Se misturarmos
oxigênio e hidrogênio, nas proporções exigidas e mergulharmos na mistura uma
esponja de platina, há uma reação química e se produz água (H2O). Qualquer
pessoa poderá fazer a experiência e ela se repetirá ad infinitum, quando observadas as mesmas condições básicas.
Agora, se alguns casos de aparição
produzem evidência da ação de pessoas chamadas mortas -- e isso o autor admite,
como acabamos de ver - então já não se pode generalizar a idéia de que a
sobrevivência não ocorre porque o fenômeno pode ser produzido por pessoas vivas.
Afinal, -que lei é essa que se adapta a diferentes situações? Basta uma exceção
para invalidar o raciocínio. E existe uma força impressionante de evidência a
esse respeito, desde tempos imemoriais. O próprio Cristo foi agente de aparições
Jogo após a morte na cruz. Já naquela época, havia os Tomés, que não podiam aceitar
a evidência. Hoje, eles são milhões.
Mal subido às tamancas ainda modestas
da incipiente ciência humana, o homem se deixa levar pela mística do laboratório
que só aceitaria à existência e a sobrevivência do Espírito se conseguisse
aprisioná-lo numa proveta e submetê-lo a testes. Ainda bem que o Espírito humano,
elaborado por uma inteligência infinitamente superior, ignora essas ridicularias
e vai vivendo e sobrevivendo, enquanto espera pela evolução do próprio homem.
*
A página 137, Mr. Tyrell afirma, após inúmeros rodeios, que, embora haja sempre
algum jeito de escapar à explicação da sobrevivência, ele pessoalmente admite -
à medida que os relatos se vão avolumando - "que uma parte considerável dos
casos, à parte de qualquer consideração apriorística, indicam uma ação
sobrevivente".
O caso 49 é um desses. Uma criança
de 2 anos e meio perdeu um irmãozinho de apenas 8 meses. Diariamente o menino
dizia à mãe que o baby falecido chamava por ele. Largava seus brinquedos e
corria na direção onde via a imagem do irmão desaparecido, dizendo à mãe que o
baby o estava chamando; que ela não ficasse triste quando ele se fosse, etc. Um
dia, veio aflito chamar a mãe para ver o baby sentado na sua cadeira alta.
Nunca estivera tão excitado. Dizia à mãe: "Venha, depressa, o baby está sentado na
cadeira alta." Quando não mais pode ver o irmão, ao retomar, disse à mãe
que ela não vinha vindo rapidamente como precisava. "Agora, ele se foi...",
concluiu. Esse menino, que gozava de perfeita saúde, adoeceu e morreu nove
semanas após a morte do irmão mais novo.
Comentário muito seco de Mr. Tyrrell:
"Estas parecem ser alucinações
(grifo meu) notáveis para urna criança de dois anos e meio."
No entanto, pelo simples fato de
terem ocorrido com uma criança de tão pouca idade - é o próprio autor quem o
admite -, se apresentam acima de qualquer suspeição de fraude.
Em outro caso relatado (nº 51) Mr.
Tyrrell não encontra outra saída e diz: "Devo confessar que não consigo
ver nenhum outro agente plausível (dos fenômenos narrados), a não ser a personalidade
ou o ser da Sra. S., cujos aspectos e hábitos o fantasma reproduzia." (pág.
142)
Aliás, seja feita esta justiça ao
autor; ele não põe em dúvida, nem por sombra, a autenticidade dos fenômenos, o
que seria o cúmulo: seu engano está em querer forçá-los dentro de suas
hipóteses e teorias.
A aparição nº 51 durou 7 anos, foi
testemunhada por 20 pessoas diferentes, as descrições coincidem; os animais
sentiam também o fenômeno. Enfim, um caso perfeito, inadmissível como trapaça.
Continuando sua tremenda ginástica
mental para criar explicações complicadas, o autor cada vez mais se perde pelos
caminhos que escolheu. Levanta primeiro a hipótese de que as aparições coletivas,
depois da morte do agente, seriam um produto das ideias que sobre ele ficaram
na memória dos que lhe sobreviveram! Tão acostumados estavam os sobreviventes a
ver a pessoa andando pela casa, que continuam ainda a ver seu fantasma. Os
estranhos, em tal caso, o veriam também por causa do caráter telepático
daquelas ideias, deixadas na memória dos sobreviventes.
No subcapítulo seguinte (pág. 149) o
autor analisa, pela sua conexão com o assunto de que vem tratando, novos casos
em que ocorrem experiências com pessoas vivas, fora do corpo físico, e que se
conservam conscientes durante o processo. O caso 57 é um desses e dos mais interessantes.
O narrador, Dr. Wiltse, da cidade de
Siddy, no Estado americano de Kansas, passou por uma crise orgânica intensa e
experimentou, conscientemente, o fenômeno do desdobramento do perispírito
(embora Mr. Tyrrell não use a expressão). Fala o médico sobre a sensação de
estar saindo de dentro de seu próprio corpo. Sentia e ouvia pequenos estalos de
numerosos laços que se partiam e acrescenta: "comecei a me retirar
lentamente dos pés para a cabeça, tal como urna corda de borracha que se
encolhe." Notou, então, que estava preso ao corpo, a considerável distância,
por um fio parecido com teia de aranha. "O fio estava preso ao corpo na
altura do ombro."
Em outra experiência (caso 59), um
homem desligado do corpo sob o efeito de intenso frio, no alto de uma montanha,
assiste conscientemente ao roubo de uma de suas garrafas de vinho e de uma
perna de galinha, praticado pelo guia da expedição. Quando conseguem reanimá-lo
e ele retoma ao corpo físico, conta o que havia presenciado e o guia se
apavora, julgando que ele tivesse poderes diabólicos.
Outros casos são narrados, mas o
autor se abstém de comentá-los, dizendo apenas, no inicio, que tais
experiências naturalmente não provam a sobrevivência, mas são muito
surpreendentes do ponto de vista do epifenômeno da consciência.
*
No último capítulo (páginas 156 e
seguintes), o autor apresenta suas conclusões finais sob o título ''Especulação
e reflexão". Entre outras coisas, tenta explicar o que entende ele sobre o
que nomeou por "cenarista" (Stagecarpenter) e o a que chamou
"produtor" (producer). Diz que não se trata de pessoas: são meros
"elementos constitutivos da personalidade humana, fatores da complexa
organização da personalidade" (?!).
A hipótese telepática é ainda a
favorita do autor. Diz ele, finalmente, que há indícios de que a mentalidade
científica começa a aceitar a existência dessa faculdade humana, mas a ideia de
que esse conceito novo pode provocar uma revelação em nossa concepção da
natureza das coisas, ainda está longe de ser aceita pelo mundo filosófico e científico.
O autor acha naturais as reações de
indiferença ou de hostilidade - aos fatos que ele traz ao conhecimento público.
“A verdadeira razão - diz ele - é que os fatos, que trouxemos à luz, se chocam
violentamente com o ponto de vista amplamente aceito acerca da natureza das
coisas. A telepatia exige uma revolução nas ideias correntes sobre a
personalidade humana, e a premonição exige uma revolução nas ideias correntes
sobre o tempo." (pág. 159) Mais adiante acrescenta que, a seu ver,
trata-se de uma reação em defesa de um credo.
Recomenda, a seguir, a experiência
hipnótica como elemento subsidiário de pesquisa psíquica, em lugar das
laboriosas técnicas estatísticas utilizadas pelos atuais parapsicólogos. Os processas quantitativos que esses
pesquisadores estão utilizando, apesar de úteis na solução de certos problemas,
são inadequados à pesquisa psíquica, que deve ser qualitativa e não
quantitativa. Esta é, sem dúvida, uma afirmação muito lúcida do autor.
Concordamos plenamente com ele neste ponto, embora partindo de premissas
diferentes. Certamente que, ainda segundo o autor, as novas ideias,
qualitativamente avaliadas, acarretarão grandes alterações nos quadros da
lógica e do senso comum. "Sem elas, no entanto, não faremos progresso
algum, mas ficaremos apenas a remexer, sem cessar, o mesmo material
antigo." (pág. 163)
O subcapítulo final é dedicado ao
problema da sobrevivência. Envereda o autor pela sua habitual teorização. A seu
ver, a resposta acerca da sobrevivência depende de certo "background"
de pensamento admitido, dentro quando a pergunta é formulada. A pessoa que
pergunta tem sempre em mente um específico "background" de
pensamento, dentro do qual espera, seja colocada a resposta. Na opinião do
autor, é por causa da falta de "background" adequado que as grandes
experiências religiosas e místicas têm ficado, a maior parte das vezes, como possessões
individuais, incapazes de serem transmitidas a outrem.
Cita, a seguir, um, trabalho de E.
R. Dodds, que pelo título diz tudo: "Porque não acredito na sobrevivência."
Não acredito, diz Mr. Dodds, porque a sobrevivência implica preexistência e os
psicólogos não encontraram traço disso". No dia em que a
encontrarem, diremos nós, Mr. Dodds descobrirá novas fórmulas para escapar ao
dilema e expressar suas negações estéreis, até que a evidência seja tão
esmagadora, que não haverá mais para onde escapar.
Outro aspecto que Mr. Dodds
apresenta em favor de sua negação é o de que, dentro da teoria da preexistência,
uma criança recém-nascida deveria possuir mente (espírito) amadurecida, ao
passo que parece ser simplesmente um espírito infantil num corpo infantil. O
argumento final de Mr. Dodds é o mesmo de todos os materialistas e feito da
mesma diafaneidade insustentável. Diz ele, vitorioso: "se a mente decai
com o corpo, na velhice, como se pode esperar que ela sobreviva a ele?"
Quanto a Mr. Tyrrell, apresenta
também suas conclusões cercadas de tantos subterfúgios e alçapões que quase não
conseguimos aprisioná-las em nossa compreensão. Diz ele que se a pesquisa psíquica
tem fornecido ou não elementos para uma resposta positiva ou negativa, com
respeito à sobrevivência, é uma questão pessoal, que cada um deve resolver a
seu modo. Muitos têm mesmo questionado se seria passível obter-se uma prova
positiva sobre isso. Na sua opinião, a pergunta direta tem sido sistematicamente
afastada e, em lugar duma resposta direta, nos tem sido "revelado algo de
uma perspectiva geral, dentro da qual a pergunta deveria ser formulada".
Mas, conclui ele - e isto é importante leitor -, acho que podemos dizer que, se
a resposta tivesse sido urna simples negativa, os aspectos da personalidade,
que nos estão sendo revelados agora, não teriam sido encontrados. A pesquisa psíquica não apresenta uma folha em
branco, certamente. Ao contrário, ela descobriu algo de tão grande que as
pessoas fogem dela numa reação de medo. Acham que não podem enfrentar os fatos
e não estão dispostas a fazer o drástico recondicionamento que o assunto exige,
em suas caras convicções". (pág. 168)
Lamenta o autor que a pesquisa psíquica
não tenha conseguido influenciar o mundo científico e mais culto, levando-o a
compreender a importância do assunto ou, pelo menos, a senti-lo sob sua
verdadeira luz. Acha que o culto popular do Espiritualismo é o maior inimigo
dos pesquisadores, entre os quais se inclui. Finalmente acrescenta que o mundo
atingiu um ponto em que o valor do indivíduo não pode mais apoiar-se apenas nas
forças da Religião e da Moral; mas precisa da convicção intelectual, baseada na
direta exploração do ser humano.
Aí está, a meu ver, o engano fundamental
do autor e dos que seguem esta mesma. ordem de ideias. A dificuldade em
encontrar respostas corretas reside precisamente na teimosa atitude de querer dissociar
a concepção filosófica da alma de sua concepção religiosa. Daí sua má vontade
com as doutrinas espiritualistas, porque estas não entendem o espírito sem o
sopro divino. Está nas primeiras páginas da Bíblia. Mr. Tyrrell ainda está
preso à ilusão de que se pode estudar o Espírito humano friamente, como uma
coisa, quando, em realidade, o Espírito é multo mais que isso.
*
Vemos assim, como sempre, que as
conclusões de tais livros são melancólicas. Um homem culto e inteligente, como
se depreende ser o autor do livro em discussão, vem a público debater problemas
de natureza espiritual, mas foge medrosamente à ideia do Espírito como entidade
autônoma, consciente, fagulha inicialmente desprendida do Criador. Realiza os
maiores prodígios de ginástica mental para afirmar que a aparição é um drama
telepático arquitetado pelo inconsciente dos interessados, que o fenômeno em si
é mera alucinação sensorial; que a sobrevivência, simples hipótese, das mais
remotas, é constituída de retalhos da personalidade "extinta" e que
ficaram a boiar na memória dos sobreviventes. Finalmente, informa que o mundo
precisa de convicções intelectuais mais ou menos materialistas, porque religião
e moral não bastam para sustentação da estrutura filosófica do indivíduo.
É nisso que dá a ciência
esterilizada pelo racionalismo materialista, dissociado do pensamento
religioso. E por incrível que pareça, é esse o tipo de pesquisa que as chamadas
religiões oficiais têm incentivado indiretamente, ao combaterem, com todas as
forças cegas da intolerância, aqueles que, iluminados por uma verdade superior,
continuam a insistir em que o Espírito humano preexistente, sobrevivente e
eterno não pode ser estudado à luz bruxuleante da tosca ciência humana; é
indispensável que sobre ela também incida o facho poderoso do pensamento
religioso.
O próprio Dr. Rhine, num momento de lucidez,
já declarou que, até onde alcança a pesquisa moderna, a conceituação da alma
psicológica não colide com a da alma religiosa. Por tudo isso, achamos legitimo
concluir que Mr. Tyrrell escreveu um livro na esperança de provar que dois mais
dois é Igual a zero.
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