Um
estudo sobre aparições – parte 1
Hermínio
C. Miranda
Reformador (FEB)
Julho 1959
Mais um livro sobre fenômenos espíritas
nos é dado apreciar. Trata-se, desta vez, de obra dedicada exclusivamente às
aparições, e foi escrita por G. N. M.
Tyrrell, ex-presidente da Society for PsychicaI Research, da Inglaterra. O
livro chama-se “Apparitions'' e nasceu de uma conferência pronunciada pelo
autor, em 1942, sob os auspícios do ''Frederic W. H. Myers Memorial". A
edição que temos em mão é a que foi revista para o público e veio à luz em
1953.
Os patrocinadores da publicação - a
própria Society for Psychical Research
(SPR) - classificam a obra como clássica em sua especialização. Mr Tyrrell
é engenheiro eletricista, dedicando-se há muito tempo a esse tipo de pesquisa. Escolheu, nos vastíssimos anais da
Sociedade, os casos mais bem documentados e atestados de aparições, "assombrações" e fenômenos similares, a fim de estudá-los.
Diz ele: "Fiquei fortemente surpreendido por duas razões: a primeira, de que a evidência
era muito mais forte do que eu havia previamente admitido; a segunda, de que
essa evidência faz incidir um verdadeiro facho de luz sobre o mecanismo da
personalidade humana. "
Vejamos, pois, o que tem Mr. Tyrrel a
dizer sobre o assunto. Em face das credenciais que exibe é de esperar-se
importante contribuição no estudo de tais fenômenos. Sobre isso falaremos mais
adiante, se a paciência do leitor for suficiente para nos acompanhar.
Logo de inicio tenho minhas dúvidas
de leitor despretensioso, ao notar que o prefaciador da obra, que situa o livro
de Mr. Tyrrell em muito boa conta, nos informa que a teoria física para
explicação dos fatos registrados nas aparições é "unpromissing", isto é, não tem futuro. Por conseguinte,
precisamos - diz ele - procurar uma teoria psicológica. Até aí, muito bem. São
pontos de vista. Mas qual a teoria psicológica que resolveram escolher para atacar
o problema? Nada mais que a da alucinação, salvo seja. Esse é o ponto de
partida de toda a obra, como se pode ver, já no prefácio, que aliás se estende
por muitas páginas. O prefaciador é Mr. H. H. Price, Professor de Lógica da
Universidade de Oxford. Diz Mr. Price que, “para situar o argumento cruamente,
sabemos de outras fontes de evidência, que é possível ver ou ouvir alguma coisa
que não está realmente ali". De minha parte, com todo o respeito pela
eminente personalidade do autor, eu diria simplesmente que não vejo futuro na
sua premissa, porque ele está admitindo, a priori, que a aparição é fenômeno
subjetivo, o que vem de encontro aos próprios fatos que Mr. Tyrrell catalogou,
como se verá. Mas, vamos devagar.
Para complicar coisas que, por sua
natureza, nada têm de complicado, O Dr. Price tece várias considerações transcendentais,
para depois dizer, numa frase curta, como quem liquida o assunto: “We may describe them as telepathic allucinations''.
Ou por outra: "podemos descrevê-las (as aparições) como alucinações
telepáticas". Para dizer isso, creio, não seria preciso escrever um livro,
mas continuemos, pois o livro não e só o prefácio. Logo abaixo, o próprio Dr.
Price levanta o caso das aparições post-mortem e se pergunta: "será que a
explicação alucinatória serve também para estes casos?" Ele acha que sim,
no que parece concordar com Mr. Tyrrell. E se propõe a explicar toda a história.
O prefácio vai muito além disto, mas temos que encarar o livro todo e não somente
o prefácio.
*
No primeiro capítulo, Mr. Tyrell
trata do Recenseamento das alucinações, tal como vem sendo feito minuciosamente
pela S.P.R., desde 1882. Em algumas pesquisas levadas a efeito entre o público,
verificou-se que 1 pessoa em 10 passa por alguma sorte de experiência desse
tipo a que o autor chama "alucinação sensorial". Examina, então, o
aspecto estatístico do fenômeno, a fim de verificar, matematicamente, a possibilidade
de coincidência. Recai aqui na mesma trilha batida pelos parapsicólogos da
atualidade. É o velho desejo de medir tudo, reduzir tudo à escala ínfima da
compreensão humana. Mr. Tyrrel, no entanto, tem momentos de lucidez ao afirmar
que "a fraqueza da estatística, quando aplicada aos casos espontâneos.
está em que ela não se acha em condições de lidar satisfatoriamente com
acontecimentos quantitativamente complexos". (pág. 22)
Os resultados estatísticos - a não
ser em casos mais simples de cômputo
numérico de cartas de baralho, como nas experiências do Dr. Rhine, por exemplo - apresentam-se, como acentua Mr. Tyrrell, fortemente Influenciados em favor da teoria do acaso.
numérico de cartas de baralho, como nas experiências do Dr. Rhine, por exemplo - apresentam-se, como acentua Mr. Tyrrell, fortemente Influenciados em favor da teoria do acaso.
Passa, então, o autor a comentar as
principais conclusões que ressaltam do estudo de dados acumulados pela S.P.R..
Entre outras coisas, esclarece que as aparições têm maior incidência em torno
do momento da morte. Outro aspecto importante, referido pelo autor, é o de que
o fenômeno nada tem que ver com a morbidez; ocorre em plena lucidez, com
pessoas inteiramente sadias.
Como não poderia deixar de ser o
problema da sobrevivência tinha que vir à tona nestas discussões iniciais. De
fato, um relatório organizado sobre as pesquisas feitas informa, a certa altura
- deixando ao leitor a liberdade de tirar suas próprias conclusões: "A
distribuição das aparições reconhecidas antes, durante e após a morte da pessoa
vista fornece argumentos em favor da continuidade da vida psíquica e da possibilidade
de comunicação com os mortos. A quantidade de evidência, no entanto, não parece
constituir nada parecido com uma conclusão positiva em favor da atuação post mortem.”
Essa é a maneira, sempre dúbia, de
concluir que temos encontrado em trabalhos desta espécie. Falta-lhes a coragem
da afirmativa; mostram os fatos mas, no final, como que receosos de serem mal
interpretados pela chamada ciência. Oficial, fazem ressalvas cautelosas.
O próprio Mr. Tyrrell (pág. 27) diz
que "um ponto sempre esquecido na crítica do fenômeno psíquico é o de que,
se uma crítica séria está sendo tentada, não basta dizer, de maneira
generalizada, que a evidência é insuficiente para permitir a conclusão
supranormal". E mais adiante: "É necessário, também, mostrar que
alguma explicação se adaptará razoavelmente a cada caso."
Isso é o que veremos se ele
consegue, quando aplicarmos, às suas próprias teorias, as condições que ele imaginou
como teste para as teorias alheias.
Quanto à autenticidade dos
fenômenos, diz o autor que seria, extremamente ridículo que centenas de pessoas
honestas, de reconhecido caráter e integridade e que sempre agiram com absoluta
lisura, de repente resolvessem imaginar uma história fantástica para enganar o
próximo. Aí está uma coisa que a razão não poderia aceitar. Há um número considerável
de casos que se colocam nitidamente acima de qualquer suspeita de fraude,
motivo pelo qual sua aceitação é praticamente imposta ao mais refratário
racionalista.
Ao concluir o exame das várias objeções
que poderiam ser interpostas, diz o autor (pág. 33): "A principal conclusão
que emerge do nosso exame de casos espontâneos é a de que o acaso não pode razoavelmente
explicá-los e a de que ninguém, no decorrer de meio século, jamais demonstrou,
de maneira séria e pormenorizada, que o acaso é uma explicação razoável."
É interessante observar, para que
fique bem claro no espírito do leitor, que Mr. Tyrrell considera as aparições
como fenômeno de considerável importância e que - se satisfatoriamente
compreendido é explicado - possibilitaria profundas sondagens no recesso da
personalidade humana.
Já à página 42, começa ele a estudar
as diversas teorias explicativas das aparições. Inicialmente toma a de Myers que, em 1888, decidiu que os
fantasmas de vivos ou de mortos são fenômenos telepáticos. (Sempre a confusão
entre Animismo e Espiritismo). De acordo
com essa teoria sob pressão de alguma crise, o agente - vivo ou morto - envia
uma mensagem telepática ao recipiente que, incorporando a mensagem de forma
sensorial, produz o fenômeno da aparição. Mr. Tyrrell acha que a teoria deixa
muita coisa por explicar, mas admite que contenha alguma substância. Um dos
grandes óbices da hipótese - é ainda ele quem o diz - é o fato de que há considerável
número de aparições coletivas. Para que
os fatos se passassem conforme Myers imaginou, seria preciso que a mensagem telepática,
enviada pelo agente em crise, alcançasse simultaneamente a todos os presentes e
produzisse exatamente a mesma reação psicológica que resultaria na aparição.
Convenhamos que é preciso muita boa vontade para admitir tudo isso. Mas,
continuemos.
Outro autor (Gurney), citado por Mr.
Tyrrell, ainda complica mais a coisa. Parece uma criança apanhada em mentira e
que, para justificar uma, tem que contar mais três ou quatro. Gurney apresenta
três alternativas para explicar o fenômeno da aparição coletiva: 1) A presença
física do fantasma no local onde é visto; 2) O agente “A” influencia telepaticamente os receptivos
“B”e "C", independentemente, e cada um deles cria sua própria imagem
sensorial: 3) O agente “A"
influencia telepaticamente, em primeiro lugar, o perceptivo primário “B",
no qual está. Interessado, e este, ao criar sua imagem, transmite a aparição a
"C", que repete o processo e a retransmite a "D" e assim
por diante. Gurney resume esta última hipótese, dizendo que o processo é uma
espécie de "infecção".
A primeira possibilidade é rejeitada
por Myers e pelo próprio Gurney. A segunda é considerada como improvável,
principalmente porque, nas aparições post-mortem, seria necessário admitir que
a mensagem telepática ficasse retida por algum tempo o que tornaria
dificilmente explicável a aparição coletiva, de vez que se teria que fazer
coincidir o período de retenção de maneira tal que o momento da aparição
coincidisse para várias pessoas.
Resta-lhes, então, a terceira, por
mais fantástica que seja. Pois é a preferida e sobre ela Mr. Tyrrell muito terá
que falar através de seu livro.
As páginas seguintes são dedicadas a
minuciosa análise das teorias, especialmente nos casos de percepção coletiva.
Não importa que os fatos sejam o mais formal desmentido à absurda teoria.
É incrível que, dispondo de uma
hipótese tão simples e que se ajusta perfeitamente a todos os fatos os chamados
homens de ciência se empenhem tão fundamente em procurar explicações das mais
complexas, que, somente à força de verdadeiras "marteladas" no
bom-senso do leitor, conseguem ser examinadas. Já que se admite, como hipótese
de trabalho, a absurda teoria da "infecção" de Gurney, porque não se
admitir, na mesma base pelo menos, a da presença física do fantasma, isto é, do
Espírito, no local em que ocorre a manifestação.
Acho dum ridículo espantoso essas discussões
acadêmicas. No futuro, muito se surpreenderá o estudioso que se der ao trabalho
de examinar a tremenda massa de tolices que se acumulou em torno deste assunto,
a tinta que se gastou e o tempo que se consumiu nestas discussões estéreis. A
vaidade da ciência oficial se recusa sistematicamente a admitir, até mesmo como
simples hipótese, verdades milenares que espíritos livres de preconceitos
sempre aceitaram como legitimas. Tal como hoje, ao examinarmos o passado,
achamos ridículas e fantásticas as objeções levantadas à ideia de Pasteur, de
que os germes causavam a infecção. Naquela ocasião, também, a hipótese mais
simples e racional foi afastada em favor de complexas teoria da geração
espontânea e outras que tais. O novo conceito, no entanto, impunha uma revisão
tão brusca nas doutrinas vigentes, que a vaidade científica não o deixava
prevalecer.
*
No segundo capítulo, Mr. Tyrrell examina
as características das aparições, apresentando os casos retirados dos arquivos
da S.P.R. . Estuda, em primeiro lugar, a apresentação espacial das aparições que
surgem em diferentes tipos de ambientes, cercados de acidentes próprios, fora
da perspectiva habitual do perceptivo.
Em seguida, é estudado o aspecto não
físico das aparições. O autor, embora reconhecendo que há aspectos físicos - nas
aparições - como no caso de "poltergeist", informa que esse aspecto
está fora dos objetivos do seu trabalho. É uma pena e uma falha, porque, se há
evidência de caráter físico, este deve ser considerado no conjunto sem o quê, a
tese do autor ficará seriamente prejudicada. Mas, vejamos o que tem ele a
dizer.
Em capítulo especial, relaciona as
diversas características das aparições, tal como a faculdade de aparecerem e
desaparecerem dentro de cômodos fechados, de passarem através de paredes,
portas, objetos físicos em geral e também a de serem atravessadas por pessoas,
que nelas não encontram resistência, bem como o fato de, algumas vezes, serem vistas
ou ouvidas por alguns dos presentes, mas não por outros, etc. Novos casos são
apresentados em apoio desses diferentes aspectos.
A seguir, Mr. Tyrrell estuda o que
chama ''imitação da percepção normal", Em sua opinião, as aparições
procuram imitar a realidade. À primeira vista, nem parecem fantasmas; mas seres
humanos de verdade, chegando mesmo a projetarem sombra, ao atravessarem diante
de um foco luminoso, ou a refletirem sua própria imagem em espelhos, etc. Mais
casos são relacionados e comentados.
Outros aspectos apresentados a
seguir, dizem respeito à faculdade que têm as aparições de se mostrarem
vestidas, cercadas de objetos, animais, etc., Daí a reação de certas pessoas
que, segundo Mr. Tyrrell protestam, dizendo que, além de acreditarem em
fantasmas, terão também que acreditar em roupas fantasmagóricas.
Ao discutir o fenômeno da aparição
coletiva, Mr. Tyrrell volta a examinar as teorias de Myers e Gurney. O primeiro
admitiu, nesses casos, que o agente da aparição - isto é, o fantasma - estava
presente "materialmente", mas não fisicamente, no local da aparição.
Aí vemos novamente a substituição de um conceito simples por outro mais complexo
e de mais difícil explicação. Um grande problema para esses teoristas é
apontado por Mr. Tyller: as pessoas que vêm a aparição, observam-na dentro de
todas as leis da perspectiva, logicamente colocada no espaço físico, como uma
pessoa real.
Assim, um expectador situado na frente
da aparição veria seu rosto, à frente do corpo, etc., enquanto que outro,
colocado atrás, veria a parte de trás da cabeça, as costas; um terceiro, ao lado,
a veria de perfil - e assim por diante. Corno aplicar, pois a teoria da
"infecção" de Gurney? Se a imagem é retransmitida de um para outro,
ela deveria ser idêntica. Acho que podemos estabelecer aqui uma relação curiosa. Um
transmissor de televisão envia exatamente a mesma imagem, na mesma perspectiva,
no mesmo ângulo, a todos os aparelhos sintonizados com aquela estação. Seria
dum ridículo insustentável querermos convencer alguém de que cada aparelho de
televisão deveria logicamente receber uma imagem diferente, de acordo com o
ponto de vista do telespectador e sua posição no espaço físico. Aqui, como no
fenômeno da aparição, o fato é objetivo e não subjetivo a despeito de todas as
teorias que se construírem.
Para sair do impasse Gurney só tinha
uma fórmula e usou-a sem a menor cerimônia: duvidou de que os fatos se
passassem da forma descrita, isto é, que cada um visse a imagem de seu próprio
ponto de vista. Se isso fosse verdade - e é -, então a teoria subjetiva das
aparições é uma grande tolice - e é, também. O fenômeno é objetivo, repitamos,
Mas, não vamos deixar disparar o carro.
Mr. Tyrrell acrescenta, mais além,
que os vários observadores das aparições coletivas as situam no mesmo ponto do
espaço. Em outras palavras, se três pessoas vêem um fantasma sentado numa
cadeira de braços, ao canto da sala não há o que contestar; é porque, de fato,
o fantasma está ali sentado, quer queiram ou não os teóricos. Se o fantasma se
move, os três observadores o verão mover-se e as descrições que fazem concordam,
ponto por ponto. Dessas dificuldades não sai Mr. Gurney, o autor da teoria da
''infecção''.
Ainda no capítulo sobre as características
das aparições, Mr. Tyrrell apresenta a descrição do que seria uma aparição
perfeita, reunindo para isso todos os elementos que deveriam contribuir para
que esse fenômeno ocorresse. São 19 as condições de uma aparição perfeita, segundo
o autor. É uma lástima que não as possamos listar minuciosamente para o leitor.
Referem-se à sua aparência física, ao modo de andar, aos efeitos de luz e sombra
que incidem sobre a figura, ao ruído de suas roupas ao caminhar, ao ruído de
sua respiração, se chegarmos bem perto dela, à reflexão da imagem em um
espelho, às sombras que projetaria ele. etc. Claro que existem nos arquivos da
S.P.R. casos comprovados de cada aspecto
desses. Em outras palavras, houve
aparições que projetaram sombras, que produziram ruídos ao caminhar, que se refletiram
em espelhos, etc.. Agora, o que muito surpreende na exposição de Mr. Tyrrell e
que nos põe de sobreaviso sobre suas próprias concepções é o que contem o item
11 de suas características da aparição perfeita. Diz ele: "Além de suas
roupas, a figura poderá ter outros acessórios, tal como uma bengala ou outro
qualquer objeto. E poderia ser acompanhada por um cão ou mesmo por um ser
humano. Estes teriam a aparência normal e procederiam de maneira normal. Com
respeito à companhia humana, acho que não faria nenhuma diferença o fato de ter
ou não essa figura complementar. Picwick
ou Sherlock Holmes fariam o mesmo que Charles Dickens ou Sir Arthur Conan Doyle
e teriam a mesma aparência de vida e naturalidade."
Em apoio dessa suposição, o autor
não tem nenhum fato recolhido pela S. P. R.. Caso contrário, tê-lo-ia citado,
como os demais. Menciona, porém, Myers e Gurney.
*
O capítulo terceiro é dedicado à
teoria das aparições e o autor envereda por complicadíssimos raciocínios de
psicologia para construir os fundamentos das teorias que pretende arquitetar.
Não creio que o leitor leigo, como
eu, tenha algum interesse no esmiuçamento dessas ideias preliminares. No
entanto, já à pág. 88, o autor começa a tirar algumas de suas conclusões. Uma
delas é a de que as "aparições telepáticas" têm uma origem psicológica
e não física; apenas imitam a realidade mas não participam dela. É interessante
observar que o autor teve uma intuição do problema, mas não soube ou não quis
admitir o fato. Diz ele: "Parece que as alucinações sensoriais são produzidas
por um mecanismo semi psicológico - algo que estaria a meio caminho entre a
mente e a máquina, isto é, algo com características semi conscientes."
Nós diríamos que esse mecanismo
existe de fato e se chama perispírito. Está localizado exatamente nas fronteiras entre a matéria grosseira
e o espírito imaterial. Quanto ao subconsciente, ou seja, às condições semi conscientes
a que ele se refere, acredito que um dia, encontrará a Ciência, no substrato
das vidas anteriores o imenso porão da nossa personalidade.
Não obstante suas ideias sobre alucinações
sensoriais e sua admissão do caráter subjetivo (em contraposição ao caráter
objetivo) das aparições, Mr. Tyrell relata, às páginas 98 e seguintes, o caso que
levou o número 35. Este é um caso deveras importante porque, a meu ver, contem outras
implicações que não foram mencionadas pelo autor.
Trata-se do seguinte: um cidadão,
chamado Mr. A., perdeu a vista esquerda numa operação de glaucoma, ao mesmo
tempo que a direita ficou seriamente afetada. O centro de seu campo visual era
todo obscurecido, como que envolvido em permanente névoa. Quanto ao mais, Mr.
A. era uma pessoa perfeitamente normal. Ora, esse cavalheiro, que mal distinguia
as coisas, os seres e objetos, tinha visões de extraordinária nitidez, que
duravam dias até. Da primeira vez, viu apenas um muro ao longo de uma estrada
num trecho que ele tinha certeza de não haver muro algum. E não via como
usualmente seus olhos defeituosos mostravam as coisas. Não. Via tudo com nitidez
absoluta: as pedras, a argamassa, o reflexo dos raios solares nas pedras.
Ocorreu-lhe, então, que, mesmo fechando os olhos, talvez ele continuasse a
"ver" o muro. E, de fato, fechou-os e ainda via tudo como dantes. Lá
estava o muro, com os mesmos detalhes, brilhando ao sol. Outras imagens surgiriam
mais tarde, como a de uma senhora que caminhava à sua frente, tão junto de si
que ele mal podia evitar pisar-lhe a cauda do vestido. A saia era vermelha e
continha grupos de linhas brancas (um traço largo com duas linhas finas de cada
lado). As vestes da moça se agitavam naturalmente, com os movimentos do corpo.
Era tudo real, perfeito, sem sombra de dúvida.
Os comentários de Mr. Tyrrell são
deveras surpreendentes. Diz ele que o caso revela a existência, na
personalidade humana, de uma completa, maquinaria para produzir imagens visuais idênticas às da
percepção normal, inclusive o ambiente, isto é, o local onde ocorrem as visões
e que nem sempre coincide com o plano físico onde se acha o vidente. Acha
então, o autor, que por isso, os órgãos não são necessários em tais experiências.
Por conseguinte - é ainda ele quem o diz -nada há de supranormal no fenômeno.
Para início da conversa, acho que
seria necessário esclarecer o que se esconde atrás dessa palavra supranormal. A
meu ver, a própria classificação de normal e supranormal é arbitrária. Qual o
critério adotado pelos que atiram tal ou qual fenômeno para lá ou para cá da
linha demarcatória? Não há outro senão o estatístico. Se há uma tendência muito
grande, isto é, se o fenômeno ocorrer com relativa frequência (também arbitrariamente
estimada ou prefixada), então é normal. Se ocorrer mais raramente, então é tido
como supranormal. Tenho a pretensão de achar que esse critério de classificação
não resiste à análise séria do raciocínio mo desapaixonado. Há quarenta anos, a
passagem de um avião, cortando os espaços, era acontecimento raríssimo e até
mesmo considerado impossível por muitos, porque o mais pesado que o ar não poderia
logicamente manter-se suspenso no espaço. Como se resolve o problema? O vôo do
avião era então um fenômeno supranormal? Sim, se o avaliarmos pelos padrões de
Mr. Tyrrell e outros. Não, se o submetermos às imposições do raciocínio. Assim considerados
os fatos, fica muito abalado o conceito de supra normalidade, tese que os espíritas
jamais reivindicaram. O fenômeno espírita é absolutamente normal na faixa vibratória
em que ocorre, embora de incidência estatística relativamente baixa, naquela em
que estamos, os encarnados.
A complicada teorização de Mr.
Tyrrell não explica o fenômeno da percepção de Mr. A., um homem que mal podia
enxergar com seus olhos físicos. Quer queiram, quer não, a visão de
Mr. A. era um fenômeno objetivo, isto é, o muro lá estava "de
verdade", ainda que num plano diferente das realidades físicas a que
estamos acostumados, como também lá estava a moça que caminhava à sua frente.
Abramos aqui um parênteses, As visões que ele experimentava eram função
especifica de seus órgãos perispirituais; os correspondentes órgãos físicos não
participavam do fenômeno. A prova está em que, fechando estes, ele continuava a
ver tudo com a mesma nitidez e perfeição. A grande significação desta
experiência está exatamente na comprovação do fato irrecusável de que o corpo físico
é mero ponto de apoio da ação espiritual; simples instrumento grosseiro de que
se vale o Espírito para exercer sua atividade física. Enquanto estiver atado à
matéria, o Espírito estará mais ou menos limitado a essa contingência, chegando
mesmo a perder parte de suas faculdades se desaparecem ou se mutilam os órgãos
físicos correspondentes. Dessa forma, a não ser excepcionalmente , como acabamos
de verificar, se extirpamos os olhos físicos, a criatura humana deixa de ver,
da mesma forma que, se nos deceparem as pernas, deixaremos de andar. A
deficiência permanecerá enquanto o Espírito estiver ligado ao corpo físico.
Quando se desprender, após a crise da morte, suas faculdades lhe serão
devolvidas Intactas, como o tem comprovado as inúmeras comunicações recebidas.
Se os nossos pesquisadores modernos quisessem admitir isto, pelo menos como hipótese,
dariam um grande passo à frente, porque um dos fundamentos básicos do
materialismo científico e pseudo científico está precisamente nessa errônea
concepção de que a atividade mental é uma espécie de subproduto da função física.
O próprio Dr. Rhine, sobre o qual temos falado em artigos anteriores. vai pelo
mesmo caminho ao afirmar que a dificuldade, no enquadramento científico do que
chamamos Espírito, está em que o desenvolvimento das faculdades intelectuais
acompanha o desenvolvimento do corpo físico e que a privação de um órgão físico
acarreta a perda da atividade correspondente. Por conseguinte, dizem os
cientistas, a atividade mental é decorrência direta, do mecanismo físico e nada
tem de transcendental, como querem os espiritualistas do mundo inteiro.
Para essas conclusões materialistas
concorrem, como estamos vendo, até mesmo os autores que, caolhamente, admitem o
fato - porque é inegável -, mas buscam inutilmente explicá-lo com teorias
inadaptáveis àqueles mesmos fatos que observaram.
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