quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

Um estudo sobre aparições -parte 1


Um estudo sobre apariçõesparte 1
Hermínio C. Miranda
Reformador (FEB) Julho 1959

            Mais um livro sobre fenômenos espíritas nos é dado apreciar. Trata-se, desta vez, de obra dedicada exclusivamente às aparições, e foi  escrita por G. N. M. Tyrrell, ex-presidente da Society for PsychicaI Research, da Inglaterra. O livro chama-se “Apparitions'' e nasceu de uma conferência pronunciada pelo autor, em 1942, sob os auspícios do ''Frederic W. H. Myers Memorial". A edição que temos em mão é a que foi revista para o público e veio à luz em 1953.

            Os patrocinadores da publicação - a própria Society for Psychical Research (SPR) - classificam a obra como clássica em sua especialização. Mr Tyrrell é engenheiro eletricista, dedicando-se há muito tempo a esse tipo de pesquisa. Escolheu,  nos vastíssimos anais da Sociedade, os casos mais bem documentados e atestados de aparições, "assombrações" e fenômenos similares, a fim de estudá-los.

            Diz ele: "Fiquei fortemente surpreendido por duas razões: a primeira, de que a evidência era muito mais forte do que eu havia previamente admitido; a segunda, de que essa evidência faz incidir um verdadeiro facho de luz sobre o mecanismo da personalidade humana. "

            Vejamos, pois, o que tem Mr. Tyrrel a dizer sobre o assunto. Em face das credenciais que exibe é de esperar-se importante contribuição no estudo de tais fenômenos. Sobre isso falaremos mais adiante, se a paciência do leitor for suficiente para nos acompanhar.

            Logo de inicio tenho minhas dúvidas de leitor despretensioso, ao notar que o prefaciador da obra, que situa o livro de Mr. Tyrrell em muito boa conta, nos informa que a teoria física para explicação dos fatos registrados nas aparições é "unpromissing", isto é, não tem futuro. Por conseguinte, precisamos - diz ele - procurar uma teoria psicológica. Até aí, muito bem. São pontos de vista. Mas qual a teoria psicológica que resolveram escolher para atacar o problema? Nada mais que a da alucinação, salvo seja. Esse é o ponto de partida de toda a obra, como se pode ver, já no prefácio, que aliás se estende por muitas páginas. O prefaciador é Mr. H. H. Price, Professor de Lógica da Universidade de Oxford. Diz Mr. Price que, “para situar o argumento cruamente, sabemos de outras fontes de evidência, que é possível ver ou ouvir alguma coisa que não está realmente ali". De minha parte, com todo o respeito pela eminente personalidade do autor, eu diria simplesmente que não vejo futuro na sua premissa, porque ele está admitindo, a priori, que a aparição é fenômeno subjetivo, o que vem de encontro aos próprios fatos que Mr. Tyrrell catalogou, como se verá. Mas, vamos devagar.

            Para complicar coisas que, por sua natureza, nada têm de complicado, O Dr. Price tece várias considerações transcendentais, para depois dizer, numa frase curta, como quem liquida o assunto: “We may describe them as telepathic allucinations''. Ou por outra: "podemos descrevê-las (as aparições) como alucinações telepáticas". Para dizer isso, creio, não seria preciso escrever um livro, mas continuemos, pois o livro não e só o prefácio. Logo abaixo, o próprio Dr. Price levanta o caso das aparições post-mortem e se pergunta: "será que a explicação alucinatória serve também para estes casos?" Ele acha que sim, no que parece concordar com Mr. Tyrrell. E se propõe a explicar toda a história. O prefácio vai muito além disto, mas temos que encarar o livro todo e não somente o prefácio.

                                                                       *

            No primeiro capítulo, Mr. Tyrell trata do Recenseamento das alucinações, tal como vem sendo feito minuciosamente pela S.P.R., desde 1882. Em algumas pesquisas levadas a efeito entre o público, verificou-se que 1 pessoa em 10 passa por alguma sorte de experiência desse tipo a que o autor chama "alucinação sensorial". Examina, então, o aspecto estatístico do fenômeno, a fim de verificar, matematicamente, a possibilidade de coincidência. Recai aqui na mesma trilha batida pelos parapsicólogos da atualidade. É o velho desejo de medir tudo, reduzir tudo à escala ínfima da compreensão humana. Mr. Tyrrel, no entanto, tem momentos de lucidez ao afirmar que "a fraqueza da estatística, quando aplicada aos casos espontâneos. está em que ela não se acha em condições de lidar satisfatoriamente com acontecimentos quantitativamente complexos". (pág. 22)
           
            Os resultados estatísticos - a não ser em casos mais simples de cômputo
numérico de cartas de baralho, como nas experiências do Dr. Rhine, por exemplo - apresentam-se, como acentua Mr. Tyrrell, fortemente Influenciados em favor da teoria do acaso.

            Passa, então, o autor a comentar as principais conclusões que ressaltam do estudo de dados acumulados pela S.P.R.. Entre outras coisas, esclarece que as aparições têm maior incidência em torno do momento da morte. Outro aspecto importante, referido pelo autor, é o de que o fenômeno nada tem que ver com a morbidez; ocorre em plena lucidez, com pessoas inteiramente sadias.

            Como não poderia deixar de ser o problema da sobrevivência tinha que vir à tona nestas discussões iniciais. De fato, um relatório organizado sobre as pesquisas feitas informa, a certa altura - deixando ao leitor a liberdade de tirar suas próprias conclusões: "A distribuição das aparições reconhecidas antes, durante e após a morte da pessoa vista fornece argumentos em favor da continuidade da vida psíquica e da possibilidade de comunicação com os mortos. A quantidade de evidência, no entanto, não parece constituir nada parecido com uma conclusão positiva em favor da atuação post mortem.”

            Essa é a maneira, sempre dúbia, de concluir que temos encontrado em trabalhos desta espécie. Falta-lhes a coragem da afirmativa; mostram os fatos mas, no final, como que receosos de serem mal interpretados pela chamada ciência. Oficial, fazem ressalvas cautelosas.

            O próprio Mr. Tyrrell (pág. 27) diz que "um ponto sempre esquecido na crítica do fenômeno psíquico é o de que, se uma crítica séria está sendo tentada, não basta dizer, de maneira generalizada, que a evidência é insuficiente para permitir a conclusão supranormal". E mais adiante: "É necessário, também, mostrar que alguma explicação se adaptará razoavelmente a cada caso."

            Isso é o que veremos se ele consegue, quando aplicarmos, às suas próprias teorias, as condições que ele imaginou como teste para as teorias alheias.

            Quanto à autenticidade dos fenômenos, diz o autor que seria, extremamente ridículo que centenas de pessoas honestas, de reconhecido caráter e integridade e que sempre agiram com absoluta lisura, de repente resolvessem imaginar uma história fantástica para enganar o próximo. Aí está uma coisa que a razão não poderia aceitar. Há um número considerável de casos que se colocam nitidamente acima de qualquer suspeita de fraude, motivo pelo qual sua aceitação é praticamente imposta ao mais refratário racionalista.

            Ao concluir o exame das várias objeções que poderiam ser interpostas, diz o autor (pág. 33): "A principal conclusão que emerge do nosso exame de casos espontâneos é a de que o acaso não pode razoavelmente explicá-los e a de que ninguém, no decorrer de meio século, jamais demonstrou, de maneira séria e pormenorizada, que o acaso é uma explicação razoável."

            É interessante observar, para que fique bem claro no espírito do leitor, que Mr. Tyrrell considera as aparições como fenômeno de considerável importância e que - se satisfatoriamente compreendido é explicado - possibilitaria profundas sondagens no recesso da personalidade humana.

            Já à página 42, começa ele a estudar as diversas teorias explicativas das aparições. Inicialmente  toma a de Myers que, em 1888, decidiu que os fantasmas de vivos ou de mortos são fenômenos telepáticos. (Sempre a confusão entre Animismo e Espiritismo).  De acordo com essa teoria sob pressão de alguma crise, o agente - vivo ou morto - envia uma mensagem telepática ao recipiente que, incorporando a mensagem de forma sensorial, produz o fenômeno da aparição. Mr. Tyrrell acha que a teoria deixa muita coisa por explicar, mas admite que contenha alguma substância. Um dos grandes óbices da hipótese - é ainda ele quem o diz - é o fato de que há considerável número de aparições coletivas. Para  que os fatos se passassem conforme Myers imaginou, seria preciso que a mensagem telepática, enviada pelo agente em crise, alcançasse simultaneamente a todos os presentes e produzisse exatamente a mesma reação psicológica que resultaria na aparição. Convenhamos que é preciso muita boa vontade para admitir tudo isso. Mas, continuemos.

            Outro autor (Gurney), citado por Mr. Tyrrell, ainda complica mais a coisa. Parece uma criança apanhada em mentira e que, para justificar uma, tem que contar mais três ou quatro. Gurney apresenta três alternativas para explicar o fenômeno da aparição coletiva: 1) A presença física do fantasma no local onde é visto; 2)  O agente “A” influencia telepaticamente os receptivos “B”e "C", independentemente, e cada um deles cria sua própria imagem sensorial: 3) O agente  “A" influencia telepaticamente, em primeiro lugar, o perceptivo primário “B", no qual está. Interessado, e este, ao criar sua imagem, transmite a aparição a "C", que repete o processo e a retransmite a "D" e assim por diante. Gurney resume esta última hipótese, dizendo que o processo é uma espécie de "infecção".

            A primeira possibilidade é rejeitada por Myers e pelo próprio Gurney. A segunda é considerada como improvável, principalmente porque, nas aparições post-mortem, seria necessário admitir que a mensagem telepática ficasse retida por algum tempo o que tornaria dificilmente explicável a aparição coletiva, de vez que se teria que fazer coincidir o período de retenção de maneira tal que o momento da aparição coincidisse para várias pessoas.

            Resta-lhes, então, a terceira, por mais fantástica que seja. Pois é a preferida e sobre ela Mr. Tyrrell muito terá que falar através de seu livro.

            As páginas seguintes são dedicadas a minuciosa análise das teorias, especialmente nos casos de percepção coletiva. Não importa que os fatos sejam o mais formal desmentido à absurda teoria.

            É incrível que, dispondo de uma hipótese tão simples e que se ajusta perfeitamente a todos os fatos os chamados homens de ciência se empenhem tão fundamente em procurar explicações das mais complexas, que, somente à força de verdadeiras "marteladas" no bom-senso do leitor, conseguem ser examinadas. Já que se admite, como hipótese de trabalho, a absurda teoria da "infecção" de Gurney, porque não se admitir, na mesma base pelo menos, a da presença física do fantasma, isto é, do Espírito, no local em que ocorre a manifestação.

            Acho dum ridículo espantoso essas discussões acadêmicas. No futuro, muito se surpreenderá o estudioso que se der ao trabalho de examinar a tremenda massa de tolices que se acumulou em torno deste assunto, a tinta que se gastou e o tempo que se consumiu nestas discussões estéreis. A vaidade da ciência oficial se recusa sistematicamente a admitir, até mesmo como simples hipótese, verdades milenares que espíritos livres de preconceitos sempre aceitaram como legitimas. Tal como hoje, ao examinarmos o passado, achamos ridículas e fantásticas as objeções levantadas à ideia de Pasteur, de que os germes causavam a infecção. Naquela ocasião, também, a hipótese mais simples e racional foi afastada em favor de complexas teoria da geração espontânea e outras que tais. O novo conceito, no entanto, impunha uma revisão tão brusca nas doutrinas vigentes, que a vaidade científica não o deixava prevalecer.

*

            No segundo capítulo, Mr. Tyrrell examina as características das aparições, apresentando os casos retirados dos arquivos da S.P.R. . Estuda, em primeiro lugar, a apresentação espacial das aparições que surgem em diferentes tipos de ambientes, cercados de acidentes próprios, fora da perspectiva habitual do perceptivo.

            Em seguida, é estudado o aspecto não físico das aparições. O autor, embora reconhecendo que há aspectos físicos - nas aparições - como no caso de "poltergeist", informa que esse aspecto está fora dos objetivos do seu trabalho. É uma pena e uma falha, porque, se há evidência de caráter físico, este deve ser considerado no conjunto sem o quê, a tese do autor ficará seriamente prejudicada. Mas, vejamos o que tem ele a dizer.

            Em capítulo especial, relaciona as diversas características das aparições, tal como a faculdade de aparecerem e desaparecerem dentro de cômodos fechados, de passarem através de paredes, portas, objetos físicos em geral e também a de serem atravessadas por pessoas, que nelas não encontram resistência, bem como o fato de, algumas vezes, serem vistas ou ouvidas por alguns dos presentes, mas não por outros, etc. Novos casos são apresentados em apoio desses diferentes aspectos.

            A seguir, Mr. Tyrrell estuda o que chama ''imitação da percepção normal", Em sua opinião, as aparições procuram imitar a realidade. À primeira vista, nem parecem fantasmas; mas seres humanos de verdade, chegando mesmo a projetarem sombra, ao atravessarem diante de um foco luminoso, ou a refletirem sua própria imagem em espelhos, etc. Mais casos são relacionados e comentados.

            Outros aspectos apresentados a seguir, dizem respeito à faculdade que têm as aparições de se mostrarem vestidas, cercadas de objetos, animais, etc., Daí a reação de certas pessoas que, segundo Mr. Tyrrell protestam, dizendo que, além de acreditarem em fantasmas, terão também que acreditar em roupas fantasmagóricas.

            Ao discutir o fenômeno da aparição coletiva, Mr. Tyrrell volta a examinar as teorias de Myers e Gurney. O primeiro admitiu, nesses casos, que o agente da aparição - isto é, o fantasma - estava presente "materialmente", mas não fisicamente, no local da aparição. Aí vemos novamente a substituição de um conceito simples por outro mais complexo e de mais difícil explicação. Um grande problema para esses teoristas é apontado por Mr. Tyller: as pessoas que vêm a aparição, observam-na dentro de todas as leis da perspectiva, logicamente colocada no espaço físico, como uma pessoa real.

            Assim, um expectador situado na frente da aparição veria seu rosto, à frente do corpo, etc., enquanto que outro, colocado atrás, veria a parte de trás da cabeça, as costas; um terceiro, ao lado, a veria de perfil - e assim por diante. Corno aplicar, pois a teoria da "infecção" de Gurney? Se a imagem é retransmitida de um para outro, ela deveria ser idêntica. Acho que podemos  estabelecer aqui uma relação curiosa. Um transmissor de televisão envia exatamente a mesma imagem, na mesma perspectiva, no mesmo ângulo, a todos os aparelhos sintonizados com aquela estação. Seria dum ridículo insustentável querermos convencer alguém de que cada aparelho de televisão deveria logicamente receber uma imagem diferente, de acordo com o ponto de vista do telespectador e sua posição no espaço físico. Aqui, como no fenômeno da aparição, o fato é objetivo e não subjetivo a despeito de todas as teorias que se construírem.

            Para sair do impasse Gurney só tinha uma fórmula e usou-a sem a menor cerimônia: duvidou de que os fatos se passassem da forma descrita, isto é, que cada um visse a imagem de seu próprio ponto de vista. Se isso fosse verdade - e é -, então a teoria subjetiva das aparições é uma grande tolice - e é, também. O fenômeno é objetivo, repitamos, Mas, não vamos deixar disparar o carro.

            Mr. Tyrrell acrescenta, mais além, que os vários observadores das aparições coletivas as situam no mesmo ponto do espaço. Em outras palavras, se três pessoas vêem um fantasma sentado numa cadeira de braços, ao canto da sala não há o que contestar; é porque, de fato, o fantasma está ali sentado, quer queiram ou não os teóricos. Se o fantasma se move, os três observadores o verão mover-se e as descrições que fazem concordam, ponto por ponto. Dessas dificuldades não sai Mr. Gurney, o autor da teoria da ''infecção''.

            Ainda no capítulo sobre as características das aparições, Mr. Tyrrell apresenta a descrição do que seria uma aparição perfeita, reunindo para isso todos os elementos que deveriam contribuir para que esse fenômeno ocorresse. São 19 as condições de uma aparição perfeita, segundo o autor. É uma lástima que não as possamos listar minuciosamente para o leitor. Referem-se à sua aparência física, ao modo de andar, aos efeitos de luz e sombra que incidem sobre a figura, ao ruído de suas roupas ao caminhar, ao ruído de sua respiração, se chegarmos bem perto dela, à reflexão da imagem em um espelho, às sombras que projetaria ele. etc. Claro que existem nos arquivos da S.P.R.  casos comprovados de cada aspecto desses. Em outras  palavras, houve aparições que projetaram sombras, que produziram ruídos ao caminhar, que se refletiram em espelhos, etc.. Agora, o que muito surpreende na exposição de Mr. Tyrrell e que nos põe de sobreaviso sobre suas próprias concepções é o que contem o item 11 de suas características da aparição perfeita. Diz ele: "Além de suas roupas, a figura poderá ter outros acessórios, tal como uma bengala ou outro qualquer objeto. E poderia ser acompanhada por um cão ou mesmo por um ser humano. Estes teriam a aparência normal e procederiam de maneira normal. Com respeito à companhia humana, acho que não faria nenhuma diferença o fato de ter ou não essa figura complementar.  Picwick ou Sherlock Holmes fariam o mesmo que Charles Dickens ou Sir Arthur Conan Doyle e teriam a mesma aparência de vida e naturalidade."

            Em apoio dessa suposição, o autor não tem nenhum fato recolhido pela S. P. R.. Caso contrário, tê-lo-ia citado, como os demais. Menciona, porém, Myers e Gurney.

*

            O capítulo terceiro é dedicado à teoria das aparições e o autor envereda por complicadíssimos raciocínios de psicologia para construir os fundamentos das teorias que pretende arquitetar.

            Não creio que o leitor leigo, como eu, tenha algum interesse no esmiuçamento dessas ideias preliminares. No entanto, já à pág. 88, o autor começa a tirar algumas de suas conclusões. Uma delas é a de que as "aparições telepáticas" têm uma origem psicológica e não física; apenas imitam a realidade mas não participam dela. É interessante observar que o autor teve uma intuição do problema, mas não soube ou não quis admitir o fato. Diz ele: "Parece que as alucinações sensoriais são produzidas por um mecanismo semi psicológico - algo que estaria a meio caminho entre a mente e a máquina, isto é, algo com características semi conscientes."

            Nós diríamos que esse mecanismo existe de fato e se chama perispírito. Está localizado  exatamente nas fronteiras entre a matéria grosseira e o espírito imaterial. Quanto ao subconsciente, ou seja, às condições semi conscientes a que ele se refere, acredito que um dia, encontrará a Ciência, no substrato das vidas anteriores o imenso porão da nossa personalidade.

            Não obstante suas ideias sobre alucinações sensoriais e sua admissão do caráter subjetivo (em contraposição ao caráter objetivo) das aparições, Mr. Tyrell relata, às páginas 98 e seguintes, o caso que levou o número 35. Este é um caso deveras importante porque, a meu ver, contem outras implicações que não foram mencionadas pelo autor.

            Trata-se do seguinte: um cidadão, chamado Mr. A., perdeu a vista esquerda numa operação de glaucoma, ao mesmo tempo que a direita ficou seriamente afetada. O centro de seu campo visual era todo obscurecido, como que envolvido em permanente névoa. Quanto ao mais, Mr. A. era uma pessoa perfeitamente normal. Ora, esse cavalheiro, que mal distinguia as coisas, os seres e objetos, tinha visões de extraordinária nitidez, que duravam dias até. Da primeira vez, viu apenas um muro ao longo de uma estrada num trecho que ele tinha certeza de não haver muro algum. E não via como usualmente seus olhos defeituosos mostravam as coisas. Não. Via tudo com nitidez absoluta: as pedras, a argamassa, o reflexo dos raios solares nas pedras. Ocorreu-lhe, então, que, mesmo fechando os olhos, talvez ele continuasse a "ver" o muro. E, de fato, fechou-os e ainda via tudo como dantes. Lá estava o muro, com os mesmos detalhes, brilhando ao sol. Outras imagens surgiriam mais tarde, como a de uma senhora que caminhava à sua frente, tão junto de si que ele mal podia evitar pisar-lhe a cauda do vestido. A saia era vermelha e continha grupos de linhas brancas (um traço largo com duas linhas finas de cada lado). As vestes da moça se agitavam naturalmente, com os movimentos do corpo. Era tudo real, perfeito, sem sombra de dúvida.

            Os comentários de Mr. Tyrrell são deveras surpreendentes. Diz ele que o caso revela a existência, na personalidade humana, de uma completa, maquinaria  para produzir imagens visuais idênticas às da percepção normal, inclusive o ambiente, isto é, o local onde ocorrem as visões e que nem sempre coincide com o plano físico onde se acha o vidente. Acha então, o autor, que por isso, os órgãos não são necessários em tais experiências. Por conseguinte - é ainda ele quem o diz -nada há de supranormal no fenômeno.

            Para início da conversa, acho que seria necessário esclarecer o que se esconde atrás dessa palavra supranormal. A meu ver, a própria classificação de normal e supranormal é arbitrária. Qual o critério adotado pelos que atiram tal ou qual fenômeno para lá ou para cá da linha demarcatória? Não há outro senão o estatístico. Se há uma tendência muito grande, isto é, se o fenômeno ocorrer com relativa frequência (também arbitrariamente estimada ou prefixada), então é normal. Se ocorrer mais raramente, então é tido como supranormal. Tenho a pretensão de achar que esse critério de classificação não resiste à análise séria do raciocínio mo desapaixonado. Há quarenta anos, a passagem de um avião, cortando os espaços, era acontecimento raríssimo e até mesmo considerado impossível por muitos, porque o mais pesado que o ar não poderia logicamente manter-se suspenso no espaço. Como se resolve o problema? O vôo do avião era então um fenômeno supranormal? Sim, se o avaliarmos pelos padrões de Mr. Tyrrell e outros. Não, se o submetermos às imposições do raciocínio. Assim considerados os fatos, fica muito abalado o conceito de supra normalidade, tese que os espíritas jamais reivindicaram. O fenômeno espírita é absolutamente normal na faixa vibratória em que ocorre, embora de incidência estatística relativamente baixa, naquela em que estamos, os encarnados.

            A complicada teorização de Mr. Tyrrell não explica o fenômeno da percepção de Mr. A., um homem que mal podia enxergar com seus olhos físicos. Quer queiram, quer não, a   visão de Mr. A. era um fenômeno objetivo, isto é, o muro lá estava "de verdade", ainda que num plano diferente das realidades físicas a que estamos acostumados, como também lá estava a moça que caminhava à sua frente. Abramos aqui um parênteses, As visões que ele experimentava eram função especifica de seus órgãos perispirituais; os correspondentes órgãos físicos não participavam do fenômeno. A prova está em que, fechando estes, ele continuava a ver tudo com a mesma nitidez e perfeição. A grande significação desta experiência está exatamente na comprovação do fato irrecusável de que o corpo físico é mero ponto de apoio da ação espiritual; simples instrumento grosseiro de que se vale o Espírito para exercer sua atividade física. Enquanto estiver atado à matéria, o Espírito estará mais ou menos limitado a essa contingência, chegando mesmo a perder parte de suas faculdades se desaparecem ou se mutilam os órgãos físicos correspondentes. Dessa forma, a não ser excepcionalmente , como acabamos de verificar, se extirpamos os olhos físicos, a criatura humana deixa de ver, da mesma forma que, se nos deceparem as pernas, deixaremos de andar. A deficiência permanecerá enquanto o Espírito estiver ligado ao corpo físico. Quando se desprender, após a crise da morte, suas faculdades lhe serão devolvidas Intactas, como o tem comprovado as inúmeras comunicações recebidas. Se os nossos pesquisadores modernos quisessem admitir isto, pelo menos como hipótese, dariam um grande passo à frente, porque um dos fundamentos básicos do materialismo científico e pseudo científico está precisamente nessa errônea concepção de que a atividade mental é uma espécie de subproduto da função física. O próprio Dr. Rhine, sobre o qual temos falado em artigos anteriores. vai pelo mesmo caminho ao afirmar que a dificuldade, no enquadramento científico do que chamamos Espírito, está em que o desenvolvimento das faculdades intelectuais acompanha o desenvolvimento do corpo físico e que a privação de um órgão físico acarreta a perda da atividade correspondente. Por conseguinte, dizem os cientistas, a atividade mental é decorrência direta, do mecanismo físico e nada tem de transcendental, como querem os espiritualistas do mundo inteiro.

            Para essas conclusões materialistas concorrem, como estamos vendo, até mesmo os autores que, caolhamente, admitem o fato - porque é inegável -, mas buscam inutilmente explicá-lo com teorias inadaptáveis àqueles mesmos fatos que observaram.


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