Sócrates bebe a cicuta
Em 31 de janeiro deste ano (1938), foi irradiada
a tragédia em quatro atos, de Charles Richet - "Sokrato" - pela
Rádio-Paris, que vem transmitindo regularmente uma peça teatral, em Esperanto,
por semana.
Os
estudiosos de Espiritismo conhecem bastante o nome do prof. Charles Richet,
sabem da sua bravura na defesa dos médiuns e dos fenômenos espíritas, ao tempo
em que esses fenômenos eram sistematicamente negados pela ciência oficial.
Alguns lhe conhecem também a fé no futuro do Esperanto e a energia férrea com
que defendia a língua internacional contra toda sorte de ataques. .
Como
médico, metapsiquista, fisiologista, esperantista, o autor de La Grande
Espérance é muito conhecido dos leitores do Reformador; talvez não o seja,
porém, como poeta e filósofo, qual aparece na tragédia que acaba de ser ouvida
por muitos milhares de esperantistas.
O
protagonista da tragédia, Sócrates, nos discursos que faz diante dos juízes e
na prisão, expõe nitidamente a doutrina da sobrevivência e da responsabilidade:
"A morte, para o sábio, é a fonte da vida e os nossos brilhos
vaidosos são apenas andrajos, quando do além-túmulo se esperam os raios
luminosos. Eis por que não sinto cólera, estou sem ódio algum. Mesmo com suas culpas, amo a Atenas. Se
os juízes me puderam levar à morte, não puderam, porém, gerar em mim um
sentimento Indigno. Passageiro
de um dia pela terra em que estamos, sinto imensa piedade pelos erros dos
homens."
"A morte é somente uma passagem, terrível
para o mau; libertadora para o sábio.
"As almas têm seus destinos secretos; a alma
do justo, como a do ímpio. Mas, um ritmo profundo governa o mundo e seria
quebrada esta imensa harmonia, se um ficasse sem punição e o outro sem
recompensa."
Belíssimo
ensinamento sobre a ilusão do prazer vem no apólogo feito para o carcereiro, no
momento da execução. São versos e só um poeta poderá traduzi-los. Vamos limitar-nos
a resumir o pensamento:
"Quando foi aberta a caixa dos bens e dos
males destlnados aos homens, todo o seu conteúdo voou para o céu. Só ficou uma
coisa - a Esperança. Ricamente
vestido, o Prazer subiu para o Olimpo,
onde foi festejado, amado, sempre bem recebido, até divinizado! - Mas, bem cedo
se descobriu o erro a que induzira o brilho desse desconhecido. Arrogante,
falando alto, imperioso, de tudo se apropriando, queria tudo governar. De dia,
de noite, à mesa, no leito, ruidoso se fazia ouvir. O tinir dos seus guizos,
porém, expulsava do coração a paz serena e implantava a maldição e a tristeza.
Por Isso, Zeus o expulsa do Olimpo, projetando-o na terra.
"Na queda perde ele o luxuoso manto que é
encontrado pela Dor, desdentada e
feia, sempre repelida e detestada. Vestindo com o belo manto do Prazer a sua
repelente carcaça, a Dor
orgulhosamente se fez receber até nos luxuosos palácios, porque os homens,
seduzidos pelo manto, julgam ver o Prazer
e recebem a Dor."
No
momento da execução, quando o Espírito fala pela última vez a Sócrates, manda-o
contemplar quadros futuros que se preparam: O martírio de Jesus, os tormentos
da Inquisição. 'Sócrates interroga quem são os que tanto sofrem e o Espírito
responde: "São os teus irmãos,
Sócrates!"
Durante
o julgamento, Sócrates procura esclarecer
que a ciência do seu tempo é muito incompleta e não pode encerrar o universo em
seus livros. Explica que outros virão revelar domínios desconhecidos e nunca
cometerão a loucura de traçar limites humanos ao Universo; mas, seu
discurso é tachado de herético e interrompido pelos juízes. Não estão dispostos
a ouvir coisas insensatas. Ele próprio confessou que conversa com um Espírito e
as leis, os livros e os padres não permitem isso!
Ordenam
aos guardas que retirem o réu e passam logo a votar a sentença.
A
votação é a mais desarmônica: uns votam pela libertação, outros pelo exílio,
outros pelo encarceramento e a maioria dos juízes pela morte. Não há convicção
alguma. Reina absoluta inconsciência, irresponsabilidade completa no
julgamento.
(Transcrito
de "Reformador", de maio de 1938, pp. 136 e 137.)
"Sokrato" de Richet, pelo Rádio
Ismael Gomes Braga
Reformador (FEB) Maio 1976
Ismael Gomes Braga
Esperanto, a língua da fraternidade!
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