Relata
João, o evangelista, cap. 5, V. 2-9,14:
"Em Jerusalém está o tanque das ovelhas, que em hebreu se chama Betesda,
o qual tem cinco alpendres. Nestes jazia uma grande multidão de enfermos, de
cegos, de coxos, dos que tinham os membros ressecados, todos os quais esperavam
que se movesse a água, porque um anjo do Senhor descia em certo tempo ao
tanque, e movia-se a água. E o primeiro que entrava no tanque, depois de se
mover a água, ficava curado de qualquer doença que tivesse.
Esteve também ali um homem que havia
trinta e oito anos se achava enfermo. Jesus, que o viu deitado, e soube estar
ele doente há tanto tempo, disse-lhe: Queres ficar são?
O enfermo lhe respondeu: Senhor, não
tenho homem que me ponha no tanque quando a água for movida, porque, enquanto
eu vou, outro entra primeiro do que eu.
Disse-lhe Jesus: Levanta-te, toma a
tua cama e anda.
E no mesmo instante ficou são aquele
homem; tomou a sua cama e começou a andar.
Depois, achou-o Jesus no templo e
disse-lhe: Olha que já estás são; não peques mais, para que te não suceda
alguma coisa pior."
Como se depreende claramente dessa
afirmativa do Mestre, as moléstias e os desarranjos físicos que infelicitam a
Humanidade - exceto aqueles derivados do meio ambiente e os estados mórbidos
resultantes da idade - são efeitos de enfermidades da alma. Até mesmo as
doenças atribuídas aos excessos de toda espécie ou aos maus hábitos, como o de
fumar, o de ingerir bebidas alcoólicas, etc.
Sim, porque os abusos, da mesma
forma que as tendências para os vícios, são consequências de desejos. Ora, quem deseja é a alma: e não o corpo;
este é apenas o veículo através do qual aquela se manifesta.
Escusar-se alguém de seus erros, sob
a alegação de que "a carne é fraca", não passa de sofisma.
A carne, destituída de pensamento e
vontade, não pode prevalecer jamais sobre o espírito, que é o ser moral a quem
cabe a responsabilidade de todos os atos.
A alma, quando sã, governa o corpo,
disciplina-o e só lhe concede o que convenha à sua saúde. Já aquela que
transige com os apetites carnais, permitindo sejam criados usos e costumes
nocivos ao seu indumento físico, é uma alma em estado de enfermidade.
Nos mundos elevados, onde não há
almas enfermas, também não há corpos enfermiços; aqui na Terra, porém, onde
elas constituem imensa maioria, os aleijões, os cânceres, as chagas, os
tumores, enfim, toda a sorte de flagelos conhecidos e catalogados pela ciência
médica subsistirão por longo tempo ainda, até que os homens se convençam dessa
verdade e busquem o único remédio capaz de curá-los: a higiene da alma!
Nada do que existe é inútil;
portanto, se as enfermidades existem em nosso mundo é porque Deus assim há
determinado, para que, pelas dores, aflições e angústias da destruição
orgânica, a Humanidade se cure de suas fraquezas e acelere a sua evolução.
Se os que se deixam dominar pelas
más tendências anímicas não conhecessem, como consequência de seus
desregramentos, as moléstias e a infelicidade, não se empenhariam em
corrigir-se, continuariam sempre na mesma situação de ignorância ou de maldade,
retardando indefinidamente seu progresso espiritual.
Sofrendo, existência pós existência,
os acúleos das enfermidades, para as quais não encontram remédio (e quando
conseguem a cura de uma, logo surge outra desconhecida), os homens são levados
a investigar a causa de sua desventura, e, descobrindo-a finalmente, cuidam de
extirpá-la e não mais reincidir nos antigos erros.
*
As enfermidades, além de corrigirem
os desacertos e os vícios de que os terrícolas, em geral, ainda se ressentem,
constituem, também, a única terapêutica eficaz para sanar lhes defeitos e
imperfeições outras, mais graves, de que resultam danos e sofrimentos a outrem.
O intelectual, por exemplo, que
coloca sua inteligência a serviço da corrupção, da mentira e de outras formas
do mal, será presa da demência ou da idiotia para que, de futuro, aprenda a
fazer bom uso de tão nobre faculdade.
O orgulhoso e o déspota, não há como
abatê-los e domá-los, senão por meio de enfermidades asquerosas que os
segreguem do convívio social. Conhecendo-as, suas altanarias cederão lugar à
humildade, virtude esta indispensável ao aprendizado da ciência do bem.
O egoísta, o insensível, aqueles que
nunca estão dispostos a auxiliar o próximo, para que evoluam até o polo oposto
- o altruísmo, terão que ser provados pela desgraça ou pela falta de saúde em
uma série de existências, nas quais, privados de recursos, verão quanto é penoso
depender de que outros os atendam e sirvam em suas necessidades.
O avarento e o usurário, que, para
amealharem mais uma moeda, impõem, aos que deles dependem, sacrifícios e
privações inomináveis, que chegam, às vezes, às raias do depauperamento, como
aprenderão a movimentar os bens em proveito da coletividade sem que sofram, a
seu turno, os horrores de semelhante trato?
O voluntarioso, o pouco resignado,
como hão de adquirir paciência, conformidade e submissão à vontade divina sem
que sejam trabalhados pelas doenças, principalmente aquelas que lhes tolhem a
capacidade de locomoção?
Não se creia que estejamos a forjar
tal filosofia. É o Evangelho que assim no-lo ensina. Além daquela afirmação do
Cristo, a que já nos referimos, vejamos o que Paulo, apóstolo, nos diz a
respeito.
Em sua II epístola aos Coríntios,
12:9, declara ele textualmente: "a virtude se aperfeiçoa pela
enfermidade", e em Hebreus, 12:5-11, assim
se expressa:
"Filho meu, não desprezes a correção do Senhor, nem te desanimes quando
por ele és repreendido (provado no sofrimento), porque o Senhor castiga ao que
ama e açoita a todo o que recebe por filho. Perseverai firmes na correção. Deus
se vos oferece como a filhos; porque, qual é o filho a quem não corrige seu
pai? Além disso, se, na verdade, tivemos a nossos pais carnais, que nos
corrigiam e os olhávamos com respeito, como não obedeceremos muito mais ao Pai
dos espíritos, e viveremos? E aqueles, na verdade, em tempo de poucos dias nos
corrigiam segundo a sua vontade, mas este castiga-nos, atendendo ao que nos é
proveitoso para receber a sua santificação. Ora, toda a correção ao presente, na verdade,
não parece ser de gozo senão de tristeza, mas ao depois dará um fruto mui saboroso
de justiça aos que por ela têm sido exercitado."
Não maldigamos, pois, as
enfermidades; elas desempenham missão purificadora e redentora para as nossas
almas. Tratemos, antes, de suportá-las cristãmente, sem protestos e sem
revoltas contra Deus, porque, a não ser assim, longe estaremos de alcançar a
saúde completa a que todos aspiramos.
Finalizando este estudo, cumpre
ressalvar que nem sempre uma existência prenhe de amarguras e padecimentos
significa expiação de faltas anteriores. Às vezes, são provas buscadas pelo
espírito, a fim de concluir sua depuração e ativar o seu progresso. Pode
ocorrer também que algum ser, de grande elevação, se haja determinado vir à
Terra em missão, e não em cumprimento de penas, suportando com exemplar
resignação os maiores reveses da vida, qual Jó, para ensinar a nós outros,
míseros calcetas, de que maneira se deve sofrer, para tirar do sofrimento o
abençoado fruto da evolução espiritual.
Males do corpo,
medicina da alma
Rodolfo
Calligaris
Reformador (FEB) Janeiro 1963
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