‘Frederico
Pereira
da Silva Júnior’
por Pedro
Richard
Reformador (FEB) Agosto 1973
O nome que encima estas linhas aqui
traçadas encheu mais de um terço de século da
vida espírita do nosso país.
Ele só por si constituía um exército
que assombrava as falanges inimigas da Luz e, por
isso mesmo, era o alvo predileto das setas venenosas dos adversários de Jesus.
Até da pouca benevolência de
confrades foi Frederico Júnior vítima, máxime dos que muito
exigem dos outros, mas que nada, ou quase nada produzem.
Dizer dos seus feitos é tarefa árdua
demais para mim. Seria preciso escrever um volumoso
livro para relatar os episódios de sua vida espírita que, sem dúvida, foi muito
mais acidentada e grandiosa do que a de Mme.
d'Espérance, contada por ela própria no seu livro "No País das Sombras".
Todavia, em resumidas linhas, tanto
quanto comporta o espaço estreito de uma revista,
vou contar os principais episódios passados com o nosso excelente confrade, episódios
que a minha enfraquecida memoria ainda me pode ditar.
*
Em 1878, desejoso de saber notícias
de uma pessoa querida que houvera desencarnado tempos antes, Frederico obteve
de seu padrinho de batismo, o nosso bom e velho companheiro Luiz Antônio dos Santos (hoje, no
Espaço), que o levasse à Sociedade Deus,
Cristo e Caridade, para assistir a uma sessão.
Lá chegado, Frederico, que então contava apenas a idade de 21 anos, foi na
mesma noite empolgado sonambulicamente por um Espírito; e desde então começou a
trabalhar como médium. Vem daí, pois, a sua vida de médium, ininterrupta.
Em 1880, quando a Deus, Cristo e Caridade embrenhou-se na
orientação puramente científica e se cindiu em dois grupos, Frederico
acompanhou o que, em boa hora, dela desligou-se e que foi constituir a
Sociedade Espírita Fraternidade, com a orientação original, que era a
evangélica.
Nessa nova agremiação espírita,
continuou o novel médium a estudar os Evangelhos pela Revelação dada ao Sr. Roustaing, estudo que fora interrompido
em virtude da divergência de orientação que se deu na Deus, Cristo e Caridade.
A Fraternidade, cujo arquivo não se sabe hoje onde para - o que,
diga-se de passagem,
constitui uma grave e profunda lacuna para a história do Espiritismo no Brasil
-, produziu coisas assombrosas, máxime na parte dos trabalhos de obsessão.
Quando, em 1882, tive a ventura de
entrar para a Sociedade Fraternidade,
encontrei ali um grande e seleto grupo de médiuns, sendo Frederico reputado um
dos melhores, já pela variedade de inestimáveis mediunidades que possuía, já
pela grande e santa dedicação que tinha à Doutrina Espírita. E aí continuou ele
a trabalhar sempre com assiduidade e boa vontade.
Voltemos ao ano de 1880, para
falarmos dos esforços empregados por um dos mais dedicados
confrades no sentido de harmonizar os membros da Deus, Cristo e Caridade e congregá-los novamente em torno da sua
primitiva orientação, que era, como disse linhas acima, a evangélica.
Narremos, pois, o que se passou.
No dia 6 de junho daquele ano, o
nosso prestimoso confrade e amigo Dr.
Antônio Luiz Sayão, no nobre intuito
de reunir novamente as duas facções da Deus, Cristo e Caridade em torno de um
mesmo ideal, convocou uma reunião desses irmãos em seu escritório,
na Rua Luiz de Camões, num sobrado junto ao nº 5 antigo, e expôs os intuitos
que o levavam a reunir ali os seus irmãos em crença.
Sayão
nada conseguiu de satisfatório.
Não foi possível obter a conciliação
que ele ardentemente desejava.
Fundou, então, um grupo destinado ao
estudo e à prática dos Evangelhos, denominado Grupo dos Humildes, conhecido mais tarde pela denominação de Grupo Ismael e também pela de Grupo Sayão, que realizou a sua
primeira sessão no dia 15 de julho do mesmo ano, e onde Frederico, desde logo,
trabalhou como médium.
De então para cá e durante 34 anos,
seguidamente, exerceu Frederico as
suas funções
mediúnicas nesse Grupo, sendo que o
seu último trabalho, que é o canto do cisne,
foi produzido em 11 de junho último.
Por seu intermédio contam-se nesse
Grupo centenas de curas de obsessões. Posso afirmar, sem receio de contestação,
que, a não ser a obra dada ao Sr. Roustaing,
a "Revelação
da Revelação", por intermédio da Sra. Collignon, foi ali, naquele Grupo, que se produziram os trabalhos
espíritas que, na ordem moral, de maior vulto se têm obtido mediunicamente no
mundo inteiro e tudo isso devido a Frederico
Júnior.
É assim que, além das muitas e
brilhantes comunicações publicadas nos livros intitulados
"Trabalhos Espíritas" e "Elucidações Evangélicas",
ambos publicados pelo Dr. L. Sayão,
o Grupo obteve do meigo Espírito Bittencourt Sampaio, sempre por Frederico, os
três monumentos denominados "Jesus perante a Cristandade",
"De Jesus para as Crianças" e "Do Calvário ao Apocalipse".
Nestas três epopeias, encontrou o
sublime Espírito Bittencourt Sampaio
em Frederico Júnior o instrumento maleável e propício para dar expansão às suas
melodias celestiais, particularmente quando produziu a joia divinal que é o
"De Jesus para as Crianças".
Estes três livros, escrínios
inestimáveis de belezas doutrinárias e literatura sem jaça, constituem a prova
a mais irrecusável da existência e comunicabilidade dos Espíritos. São obras
grandiosas de ensinamentos e combate, que estão reservadas para o futuro. Só a
posteridade será capaz de julgá-las no seu justo e devido valor. E então se
provará, com estes três monumentais documentos impressos, que foram ditados
pela boca de um pobre iletrado que mal conhecia a gramática (documentos que
encerram, nas suas luminosas páginas peças literárias de belezas raras), se provará,
disse, a existência incontestável dos Espíritos e a sua comunicabilidade com os
seus irmãos da Terra.
Mas, meus caros amigos, que de lutas
teve de sustentar este pobre homem, que pediu
uma das provas mais rudes que se pode imaginar!
Nascido e criado num meio de
operários, chegou à idade adolescente convivendo com
boêmios e lutando com os arrastamentos próprios de semelhante classe social. E, no
entanto, era um bom. Ninguém tinha queixa dele. Todos que com ele conviviam lhe
deviam gratidão por um serviço qualquer.
Era um soldado de Jesus e, por isso
mesmo, um perseguido.
Contar as perseguições de que foi
vítima, já vos disse, não me é possível. Contudo, vou relatar alguns fatos, os
mais frisantes. Ei-los:
Todas as vezes que os Espíritos nos
anunciavam o recebimento de um livro, crescia-lhe
a perseguição de um modo atroz!
A proporção que se desenvolvia, pelo
exercício contínuo, a sua mediunidade, mais facilidade
encontravam os maus Espíritos para nele exercerem a sua influência deletéria.
Era uma luta sem tréguas e impiedosa!
De dez anos para cá, nova faculdade
mediúnica se desenvolveu em Frederico Júnior: a mediunidade estática.
E de tal maneira se desenvolveu nele
esta mediunidade, que era difícil se saber, em
dadas ocasiões, quando era o homem que falava ou algum Espírito por ele. Apenas
percebia-se quando ele estava mediunizado pelo seu olhar, que então se mostrava
com brilho maior do que o habitual.
Era preciso ter o hábito de conviver
com ele para se perceber quando estava mediunizado.
De uma feita, jantando comigo em um hotel,
expendeu larga palestra. Estranhando eu as suas opiniões bizarras, não tinha
ele, pouco depois, a menor lembrança do que tinha feito e dito momentos antes.
Um dia, depois de uma semana de ausência de casa, recolheu-se cedo ao lar e,
reunindo na sala de jantar a esposa e filhos, deles despediu-se em lágrimas,
alegando que não mais podia suportar os atrozes sofrimentos que o vinham
atormentando.
Os inimigos do Espaço não o deixavam
dormir, nem sossegar. Até no seu próprio quarto
de dormir improvisavam bailes carnavalescos e batuques! Uma noite, foi ele
avisado de que sua casa estava em chamas. Foi à cozinha e lá encontrou,
efetivamente, uma mesa ardendo, sem que pudesse explicar donde tinha provindo o
fogo.
Era de um desprendimento e dedicação
verdadeiramente evangélicos. Vou narrar um
simples fato para dar uma pálida ideia de sua dedicação.
Morava eu na Gávea - foi no ano 1912
- e lá tinha minha filha Isaura, gravemente enferma. Estava ela aos cuidados
mediúnicos de Frederico Júnior. Era em junho. Uma noite fria e úmida, muito
fria mesmo, havia melhorado a doente. Por volta das3 horas da madrugada, ouvi
bater mansamente à porta. Abri-a e - quem era?! - deparei com o bom do
Frederico, tiritando de frio e batendo o queixo. Sem mais preâmbulos nem outras
palavras foi, desde logo, indagando do estado da doente. Contou-me, então, o
que se havia passado:
"Deitei-me cedo; pouco depois,
vi junto a mim Isaura vestida de virgem e, sorrindo, disse-me:
"Vim trazer-lhe as minhas despedidas." E a visão desapareceu. Não
pude mais conciliar o sono; por isso, vim pressuroso saber notícias de
Isaura."
Morava, então, Frederico no Rio Comprido.
Que sacrifício, Santo Deus! Que
dedicação evangélica!
Não podia parar em casa com o
sentido nos seus doentes. Logo ao amanhecer, saía de
casa para visitar os enfermos. E nisso estava o seu maior consolo e o seu
bem-estar.
Os seus últimos anos de vida humana
foram de sofrimentos constantes e atrozes. Dele
se poderá dizer: "Bem-aventurados os que sofrem por amor da justiça, pois
serão consolados".
*
Após dolorosa enfermidade, Frederico Júnior, sem uma queixa e
achando que justo
era o seu sofrimento, desencarnou. Deixou fotografado no éter um belo quadro que
traduz bem a grandeza de seu Espírito e a pureza de sua crença. Quero me
referir ao
que se passou nos seus últimos momentos. Reunindo a família, ora ele próprio uma Ave
Maria e, ao terminar a sublime prece, seus lábios emudecem; cerram-se-lhe as pálpebras
e seu Espírito ala-se aos páramos celestes.
É assim que desencarnam os filhos de
Maria. Que quadro belo e venturoso! Ao
meu bom e nobre companheiro de 32 anos; ao meu grande amigo, a quem tanto devo
e cuja amizade nunca sofreu o menor estremecimento, eu digo: Adeus, meu bom e
dedicado amigo; adeus, Frederico; até breve.
(Resumo de artigo publicado no
"Reformador" de setembro de 1914, págs. 299/302)
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