Como a maioria dos conceitos
abstratos, o de humildade empreste-se a muitas interpretações disparatadas,
sendo que, na maioria das vezes, isso acontece na razão direta do orgulho ou da
vaidade de cada um.
Através do Sermão da Montanha, foi
lançada sobre os séculos a voz da esperança e da consolação. A todos, de todas
as partes do mundo, foram anunciadas as bem-aventuranças. E uma delas
referia-se à humildade: "Bem-aventurados os pobres de espírito, porque
deles será o Reino dos Céus."
Mas, se estas palavras são de molde
a sobrepairarem ao tempo, também o seu significado tem sido deturpado através
do perpassar dele. Os materialistas, os negativistas, chegaram a explicá-las
como uma bênção dada aos carentes de inteligência. Assim, justificavam o seu orgulho,
a sua vaidade, de um modo tranquilo, porque amparados em
um "erro" dos Evangelhos.
Muito pelo contrário, Jesus, nesta
passagem, abençoou os ricos de humildade, "pobres de espírito" para o
vão conceito humano. Deu sua bênção aos inteligentes em espírito e verdade, e
que são capazes de conceber Deus em toda a Sua grandeza e em todo o Seu poder.
Possuem eles a simplicidade de
coração e a humildade de espírito.
Têm-nas em seu verdadeiro e lato
conceito e para eles tais atitudes são fontes inesgotáveis de resignação, de
amor, de tolerância, de perdão, de brandura. Não confundamos, todavia,
resignação com um conformismo estéril, que não leva a nada positivo, senão à
inércia e ao mau uso de energias. Ao contrário, quem é resignado
verdadeiramente possui o entendimento claro e sadio das leis, máxime as do
livre arbítrio e de causa e efeito. Dessa forma, aceita os padecimentos que lhe
advêm, porque sabe que muito já fez em outras existências para merecê-las.
Nesta certeza, ele se resigna por saber que tudo tem uma finalidade e que esta
terá como consequência a evolução para mundos
melhores.
Igualmente, sabemos também que o
amor abrange um entendimento mais espiritual
e não se prende exclusivamente aos liames passageiros da paixão desenfreada.
Assim, amar é tolerar e relevar o erro alheio, mas é preciso também empregarmos
todo o nosso discernimento para que não nos façamos coniventes e acordes com o
erro. O Evangelho nos pede tolerância, perdão e indulgência com as falhas do
nosso próximo, mas não nos pede que nos transformemos em cúmplices. O verdadeiro amor perdoa, mas, justamente por ser aquele amor em toda a sua
extensão espiritual, não se coaduna com o escândalo, porque sabe que os seus
artífices pagarão até o último ceitil a fraqueza, o orgulho, o seu egoísmo, que
os tornaram ponto de atração para os espíritos menos esclarecidos.
Aquele que ama verdadeiramente, quer
ver o objeto de seu amor na senda da verdadeira
evolução espiritual. Por isso, não se acumplicia e nem chama a si as consequências
dos erros de outrem.
Perdoa e tolera, porque sabe que se
cumprem até o derradeiro parágrafo as leis
do Todo-Poderoso.
Preciso se faz, também, que
distingamos a verdadeira humildade, a de espírito, daquela que visa a alcançar
benefícios próprios. Para sermos humildes, não é preciso que nos apresentemos
maltrapilhos, que nos utilizemos de um linguajar chulo. O meio termo é sempre
a medida ideal. Quantas vezes, debaixo de tais características, jaz um espírito
estreitamente ligado às trevas do mais ferrenho orgulho, da mais crassa vaidade
espiritual. Quantas vezes, no dia-a-dia, deparamo-nos com mendigos que são o
exemplo objetivo de tais
qualidades negativas. E que surpresa não nos assoma quando topamos com pessoas
que, momentaneamente, ocupam cargos de relevo e que exemplificam a mais sincera
humildade.
O verdadeiro atributo não se
manifesta por exterioridades; ele se traduz por aquele
sentimento de afabilidade e doçura no trato com o próximo. Manifesta-se no verdadeiro perdoar, no verdadeiro amar a humanidade, na pessoa do irmão em
erro. O pobre de espirito, a que se refere Jesus, não se faz juiz senão de si
mesmo.
Pobres de espirito são, portanto,
aqueles suficientemente humildes para confiarem no Criador. São pobres, sim,
porque carecem de orgulho, de vaidade. Por isso, são livres, pois não dependem
de situações externas. A verdadeira liberdade insere-se em um contexto
espiritual evoluído. Escravos há que gozam de plena liberdade, porque libertos
estão das coisas materiais; senhores existem que arcam com as mais pesadas
cadeias espirituais.
Na amplitude moral do espírito contém-se
toda a condição de ser livre. Sejamos humildes e nossas dores serão menos
doloridas; nossas amarguras, menos amargas, e nossa liberdade será mais
verdadeira. Se queremos fazer jus ao amor inesgotável do Mestre,
cumpramos em espírito e verdade a máxima da mais bela página de consolação e
amor até hoje escrita: "Bem-aventurados os pobres de espirito, porque
deles será o Reino dos Céus."
Considerações sobre Humildade
por Maria Ocampo
Brasil-Espírita Maio 1972
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