Depois que o Cristo exortou o homem à vigilância e à oração, este não se deveria permitir mais o direito de despencar nos desfiladeiros dos grandes equívocos mundanos, forrando-se, pelo menos, do tropeço no pior de todos: o desrespeito à liberdade. Durante muitos séculos, através da fieira das vidas sucessivas, viveu o homem ora sujeito ao tacão da coação, ora como agente dela.
A doutrina católica, depois de
codificada por São Jerônimo, Santo Agostinho, São Tomás
de Aquino e o Concílio de Trento, pretendeu “melhorar” o Cristianismo primitivo
e, dentre outras aberrações, promulgou a mais grave e ominosa: o cerceamento da
liberdade de se pensar livremente. O “magister dixit” de Roma substituiu o “examinai
tudo” do Evangelho e, necessitado de enquadrar o fiel nos rigores dos
mandamentos, o Catolicismo acabou tornando-se um mostrengo estrutural, igrejificado
na forma e na pedra. Costurou para as consciências a mais encolhida camisa de
força, utilizando-se dos aguilhões da Inquisição e duma linha doutrinária
cinzenta, embaraçada nos rolos da fumaçada infernal.
Felizmente, o desgaste obrigou-a a
contentar-se com o consenso tácito do sofrido rebanho ao ritual dos
mandamentos. Mas, se, com o escorrer do tempo, arrancou-se-lhe a liberdade de
ação, nem por isso se logrou, até hoje, por culpa dos formalismos nefastos, a
completa liberdade consciencial.
O Espiritismo, vindo para pulverizar
qualquer estrutura religiosa, não podia incorrer nos mesmos erros, embora os
condicionamentos de um passado culposo que a todos tenta arrastar. É preciso,
pois, vigilância e oração permanentes para que se não restaure aquilo que a Revelação
Espírita veio repudiar. Nessa vigilância, nessa oração tem permanecido a.
Federação Espírita Brasileira. Montesquieu achava que “a liberdade é um bem tão apreciado, que cada qual quer ser dono até da
alheia”. Não é caso da FEB, de onde jamais promanarão ordens, decretos,
editos, bulas papais. Em relação aos homens, ela não manda nada
e, ao ser mandada, só o é pelo Alto; não está nem abaixo nem acima de ninguém.
Está e quer ficar apenas no centro. À sua volta, por adesão espontânea e sem
outro motivo senão o do congraçamento, o da união solidária, estão as entidades
espíritas do mundo inteiro. (Não esqueçamos que o Brasil é o Coração do Mundo.)
Em Espiritismo, portanto, não existem hierarquias organográficas e, por isso
mesmo, tendo de definir a sua posição e o seu papel na Terra em relação às
demais organizações espíritas, a FEB prefere imaginar uma grande molécula em
cujo núcleo ela se situa e onde, logo na primeira órbita, giram as
entidades federadas estaduais, por sua vez rodeadas pelas sociedades espíritas
locais. Todos correm centrípeta e centrifugamente, É o protótipo, em escala
reduzida, da mecânica do Universo de Deus.
Mas, impõe-se a vigilância para que
se não caminhe, inconscientemente, na direção de uma nova estrutura
formalística, de uma nova igreja exterior, comprometendo-se outra vez os ideais
do Cristo. Em termos de Espiritismo, é sempre bom o rebate clangoroso: ninguém
obriga ninguém a coisa alguma. A FEB pode discordar de muitas ideias, de muitas
iniciativas, de muitos programas. Mas não impede a ninguém de propalá-los ou
executá-los, assumindo cada um a responsabilidade do que diz e faz. Limita-se,
como é do seu estrito dever e direito, a não emprestar o seu apoio. Todos são
livres. Cada qual pensa e age como
bem
lhe apraze. A coesão da grande molécula
é perfeita, porque natural. Mantém-na a própria Lei. Seu turbilhão é harmônico,
preciso, sábio. Qualquer aceleração imprópria ou imprudente, originada de fora,
pode fazer saltar, quanticamente, uma partícula. Ela se perderá no espaço ou se
agregará a outro sistema fora do Cristo. Mas a grande molécula permanecerá
estável; apenas, é claro, ressentindo a fuga do satélite, para cuja órbita um
outro será naturalmente atraído.
Essa estabilidade decorre da
configuração preternatural de sua razão de ser, na qual
a liberdade é o vector espiritual. Daí a sabedoria evangélica: “O Senhor é o Espírito; e onde está o
Espírito do Senhor aí há liberdade”.
A Grande Molécula
Redação
Reformador (FEB) Julho 1972
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