Quando
visites o campo convertido em relicário da cinza dos mortos, procurando tatear
a lembrança dos seres queridos que o sepulcro recobre, endereça-lhas a própria
alma, em forma de amor, porque eles
vivem.
Pensa neles com o enternecimento de
quem reencontra velhos amigos, apartados de ti por temporária separação.
Qual se estivessem, involuntariamente,
numa parada expectante, falam-te, em silêncio, a verdade que o verbo humano não
articula. Basta medites para que lhes recolhas a voz...
Poderosos de ontem, que abusavam da
autoridade, lamentam o capacete esbraseado de angústia e remorso que lhes
envolveu as consciências; déspotas de variados matizes, que zombaram da
fraqueza ou da ignorância do próximo, conservam enterradas, no próprio peito,
as lâminas repulsivas com que desataram as lágrimas alheias; juízes, que
leiloaram a dignidade dos tribunais, suportam as consequências do arrazoado
precioso com que vestiram sentenças ímpias; intelectuais que encharcaram a pena
em lodo mental, assalariando a própria inteligência no artesanato do crime,
clamam contra o nevoeiro que lhes entenebrece os pensamentos; tribunos, que
esconderam propósitos sombrios em frases fulgurantes, ouvem, no ádito de si
mesmos, as doridas exprobrações de quantos lhes caíram na vasa das intenções
subalternas; artistas, que injuriaram a Natureza, senhoreando-Ihe os recursos
para suscitarem nos outros a delinquência emotiva, arrastam-se, obsessos e
infelizes, nos torvelinhos da insanidade; pessoas dinheirosas, que fizeram do
ouro e da prata incenso constante à própria vaidade, buscam, em vão, apagar a
mentira das pomposas legendas que lhes marcam os restos ...
Junto deles, porém, surge a caravana
dos que chegam dos cimos, a entremostrarem o próprio rasto por mensagem de luz.
São aqueles que sobrenadaram a onda
móvel e traiçoeira das ilusões humanas, desvelando os próprios corações por
lábaros esplendentes...
Ostentavam nomes admirados, mas
souberam transfigurar a própria grandeza no trabalho em que se tornavam
pessoalmente humildes e pequeninos; foram titulados, na culminância das
profissões, entretanto, colocaram o serviço aos semelhantes acima das honrarias;
desempenharam comandos sociais em gabinetes governativos, contudo,
transformaram a liderança em exemplo de sinceridade e desinteresse, nas causas
justas; eram
renomados artífices da ideia e do sentimento, no entanto, manejavam a palavra
falada ou escrita por enxada solar nas glebas: do espírito; foram mordomos da
finança e da economia, mas converteram a fortuna amoedada em sustentáculos do
progresso e em fontes da beneficência fecunda; suaram, valorosos e desvalidos,
na condição de heróis anônimos que a Terra desconheceu, todavia, passaram entre
os homens, extravasando a própria dor, em cânticos de alegria e esperança, nos
quais honorificaram o eterno bem ...
*
Recordando, pois, os entes amados
que te antecederam no rumo de realidades excelsas, busca a inspiração dos que
conheceste retos e bons e envolve no bálsamo da prece os que tombaram sob a
névoa de clamorosos enganos.
Reflete em todos eles, enviando-lhes
a simpatia de tua bênção, porquanto as criaturas de quem te despediste na
morte, acreditando em separação eterna, são simplesmente os companheiros
desencarnados, componentes da família maior, a cujo seio também chegarás.
Perante os Mortos
Emmanuel
por Chico Xavier
Reformador (FEB) Nov 1962
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