segunda-feira, 11 de maio de 2015

Carlos Imbassahy e Roustaing


Carlos Imbassahy
e Roustaing

Luciano dos Anjos
Reformador Maio 1972


            Felizes os que passam pelos lances da vida e, no termo de suas angústias, olham
para o passado, para o que ficou atrás e não veem de que se envergonhar.
(Carlos Imbassahy - "Os Menezes", pág. 136)


            Muito se fala da coragem física das pessoas, distinguida na disputa do corpo a corpo ou, mesmo, na palavra grosseira que se profere, ou na ofensa chula que se dardeja. Não sei bem das virtudes dessa coragem. Em todo caso, vá lá que valha à glória dos brutamontes...  Em contrapartida, não há quem ignore o largo mérito da coragem intelectual e da coragem moral. Exemplos delas não são corriqueiros. Mas sempre existiram e existirão. Carlos Imbassahy foi um deles. Impossível negar-lhe a coragem moral e intelectual. Esta, ele a demonstrou, sucessivamente, durante toda a sua permanência na Terra, nos embates árduos que travava com os mais intelectualizados e também acirrados inimigos do Espiritismo. Grandes teólogos, eminentes ateus racionalistas, bibliólatras de nomeada tiveram pela frente, sempre, o verbo polêmico de Carlos Imbassahy, a confinar-lhes os argumentos soezes às verdadeiras proporções do sofisma, da mentira ou mesmo da ignorância crassa. Não importavam os títulos ou o grau de cultura e conhecimento adversários. Imbassahy nunca deixou de apanhar a luva e, ao final, o saldo sempre o favorecia. Aliás, marcou sua atuação de polemista aliando à elegância estilística o tom saborosamente satírico e desconcertante, tudo assentado, com carradas de rigor crítico, na excelência dos fatos e das provas. "Nós - era seu curso - estaremos onde estiverem as provas daquilo que afirmamos. Afirmar sem provar, garantir sem esteios, impor sem raciocínio não poderá ser, jamais, o nosso critério" ("Religião", Carlos Imbassahy, pág. 50). Ironizava com finura, arrastando o antagonista ao ridículo regenerativo. Basta abrir qualquer de seus livros para sentir a medida ferina da sua linguagem, embora jamais achincalhasse o opositor. (Consola-me muito essa particularidade do grande e admirável Carlos Imbassahy, já que, não raro, há quem me apode de semelhante método... ) No caso, justifico-me no empenho de justificar Imbassahy, colocando-me à sombra de suas próprias palavras: "Há teclas que por mais que se lhes bata, parece que nunca ressoam. Principalmente quando lhes estão perto os obstinadamente moucos" ("Espiritismo e Loucura", Carlos Imbassahy, págs. 94/95).

            A tirada - convenhamos - serve também para muito confrade...

            Quanto à coragem moral, Imbassahy dela deu exemplos grandiloquentes. Espírita consciente não ocultava suas convicções e, onde estivesse, as proclamava alto e bom som. Mais que isso: apontava intimorato a podridão dos que, nela chafurdados, arrogavam-se entretanto a autoridade de críticos de Kardec. E fazia-o de cabeça alevantada, porque sua vida fora sempre limpa e honrada.

            Além disso, há que destacar também a firmeza das suas posições, dos seus pontos de vista. Não era homem de pensar hoje uma coisa e amanhã outra. Não era espirita de mudar a casaca ao sabo; das intempéries convencionais ou ao prazer do agrado de grupos e de determinado público. Não buscava o aplauso; buscava, sim, e corajosamente, a verdade despida do preconceito. E enquanto Sêneca dissera que “a grande coragem nunca se desmente", Imbassahy escrevera que "a insistência, de mãos dadas ao preconceito tem produzido inúmeros males ao gênero humano" ("A Mediunidade e a Lei", Carlos Imbassahy, pág. 209).

            Isto também serve para certos confrades...

            Conheci-o bem. Correspondíamo-nos com frequência. Tenho todas as suas cartas em meus alfarrábios, algumas delas, por sinal, passíveis de surpreender a muita gente... Numa delas, fala-me de Roustaing... Éramos excelentes companheiros. Quando nos encontrávamos, o "papo" era longo e permeado de recordações, conceituações pessoais, estudos e análises. De público, mais de uma vez - perdoe-me o leitor a imodesta alegria de relembrá-lo aqui, ele fez considerações a meu respeito que, sinceramente me desconjuntavam o esqueleto. Eram magnânimas referências de fazerem desajeitar a alma e... a posição na cadeira. Invertia, generosamente, nossos papéis e, de aluno que sempre lhe fui, apresentava-me na condição de quem lhe pudesse ensinar alguma coisa. .. Ora, quem me dera possuir a milésima fração do valor, da cultura, da inteligência, da coragem de Carlos Imbassahy! Os livros de sua autoria, que me enviava, vinham com dedicatórias e acompanhados de cartas replenas de considerações amigas e fraternas:

É muito grande o prestígio
De possuir o convívio
                        de arcanjos.
Que prazer a gente tem
Quando a amizade provém
dos Anjos!

Ao seu amigo dos Anjos
A esse que entre os arcanjos
A sua vida entretece;
Um seu apagado fã,
Nalguns pontos alma irmã,
Este livrinho oferece.

Ao confrade Luciano
Que neste mundo profano
Heresias não consente,
Envio, aqui, prazenteiro,
O meu livro derradeiro
Que é este Poder da Mente.

            Ouvi-lhe as mais gostosas e finas anedotas... Seu repertório era impagável. Dizia-me que, toda vez que podia, vendo meu nome anunciado para proferir alguma conferência, fazia tudo para estar presente. Foi realmente um dos bons amigos que tive. Sua estima me honrava e me alegrava sobremaneira. Excelente espirita. Excepcional Espírito.

            Esse introito todo vale apenas para me outorgar o direito de afiançar e provar: Imbassahy sempre aceitou Roustaing, sempre defendeu a "Revelação da Revelação". Em meu livro "A Posição Zero" (a publicar), há um capítulo em que Carlos Imbassahy aparece com seus pronunciamentos. Eu não desejava antecipar nada desse capítulo, mas, a pedido de confrades, aqui vai o que respiguei de Carlos Imbassahy sobre a obra de Roustaing.

            "Primo loco", a sua confissão pública, pelo silêncio, ao ensejo de três conferências que eu pronunciei, diante de numerosíssimo auditório. Afirmei, então, categoricamente, que ele, Imbassahy, era a favor de Roustaing. Encontrava-se à mesa, ao meu lado, e, no final das minhas palestras, nas três vezes referidas, também lhe foi dada a palavra. E não desmentiu absolutamente nada do que eu dissera! Quem cala... Ou, então, é preciso atribuir-lhe a péssima qualidade de hipócrita, leviano, oportunista, para se aceitar a versão de que ele não contestou porque não queria ser... indelicado. Ora, o problema não é de normas sociais, mas de normas conscienciais. Em questões dessa natureza, quando se sabe que a nossa opinião tem peso junto à opinião pública, não se pode ser "bonzinho", se não se quer ser velhaco.

            Reportemo-nos aos fatos. A primeira vez foi na sede da Federação Espírita do Estado do Rio de Janeiro, presente o seu presidente. Imbassahy, à minha direita (guardo ainda a foto), ouviu-me afirmar que ele aceitava integralmente Roustaing. Não replicou. A segunda vez foi na cidade de Volta Redonda. Fiz a mesmíssima afirmativa, tendo Imbassahy ao meu lado. Não retificou. A terceira foi na cidade de Barra Mansa. Ao meu lado, ouviu-me dizer que era francamente a favor de Roustaing e não contestou. Aliás, aqui, registrou-se um lance que vale ser narrado. Quando acabei de fazer a afirmativa, uma senhora da plateia (*) disse que eu estava equivocado. E, então, enquanto eu reafirmava o afirmado, Imbassahy gesticulava para a espectadora, pedindo que se calasse... E fez mais, tão logo terminei de falar e me sentei: chegou-se ao meu ouvido direito e me balbuciou algo que peço licença para não reproduzir aqui. Imbassahy, hoje na Espiritualidade, sabe bem o que me disse e por que não o revelo agora. Garanto ao leitor que ele me entende a discrição...

            (*) Trata-se da Sra. M., sobre quem não quero deixar de dizer uma única palavra: criatura de coração estremíssimo, aureolada de maravilhosa simpatia espiritual e que vale como exemplo de dedicação e amor ao Espiritismo. Disso dando testemunho público, quando terminei minha conferência desci do local em que me encontrava e, oferecendo-lhe uma flor, beijei-lhe a mão amiga.

            Pois bem; todo o público presente a estas três conferências foi testemunha do que narro. E, se não basta, informo que, desta última, há uma gravação completa em mãos do presidente da Aliança Municipal Espírita da região, incluindo o momento em que faço a citação em tela. Não é fato, pois, que possa ser negado facilmente, tantas lhe foram as testemunhas. Aparecesse alguém com tal coragem, escudar-me-ia nas palavras do próprio Imbassahy: "Nestas condições, negar o fato seria empresa arriscada, senão empresa ridícula para aqueles que não estão inteiramente cegos" ("O Espiritismo à Luz dos Fatos", Carlos Imbassahy, pág. 12).

            Passemos agora a algumas provas ainda mais comprobatórias e objetivas. Vejamos como Carlos Imbassahy tratou, ele próprio, do assunto, sendo oportuno recordar, mais uma vez, que o inesquecível confrade não era nenhum proteu.

            "Reformador" de 19 de fevereiro de 1933, ano LII, nº 3, a págs, 55/59, publicou ampla matéria sob o título "Jesus e o Espiritismo". É que um padre, professor de Dogmática no Seminário Maior de Taubaté, em São Paulo, realizara uma conferência, com esse título, no Santuário de N. S. Auxiliadora, em Santa Rosa, Niterói, comemorativa do 19º Centenário da Redenção. E esclarece o "Reformador":

            "Escusado será dizer que a anunciada conferência não foi mais do que um ataque em regra ao Espiritismo."

            Mas, tendo estado presente à conferência, o nosso Carlos Imbassahy dirigiu ao conferencista uma carta (transcrita a págs. 56/57 do "Reformador" citado), em que cumprimenta o orador e o convida para debater o assunto na sede da então Federação Espirita Fluminense, na Rua Gomes Machado, 140, às 20 horas de quarta-feira, dia 27 de dezembro de 1933. Prossegue, então, o "Reformador":

            "Marcada a conferência de C. Imbassahy, na sede da Federação Espírita do Estado do Rio, para as 20 horas da noite, já a essa hora estava inteiramente repleto o salão daquela Sociedade, bem como todas as suas dependências.

            "O orador começou fazendo notar que o tema da conferência do reverendo versava sobre JESUS E O ESPIRITISMO, e que se, de Jesus, o padre Moraes, a quem respondia, dissera pouco, do Espiritismo dissera mal, em todo sentido do termo.

            "Lembrou que a Igreja sempre emprestara a Jesus os mais hediondos e detestáveis papéis e, porque o Espiritismo vinha colocá-lo na sua verdadeira situação de meigo rabino. do doce e suave pregador da Palestina, choviam sobre a doutrina os anátemas da intolerância, da ignorância e do mau senso. Mostrou como poderia fazer que os homens descressem de Jesus a doutrina absurda do Inferno, a ilógica de sua divindade e a incompreensível da Santíssima Trindade; que estamos numa época em que os ensinos religiosos precisam falar à razão e que, portanto, os dogmas da Igreja só tendem a afastar os homens de Deus; mostrou como, segundo explicações e interpretações trazidas pelos Espíritos, conforme se encontram nas obras de Kardec e Roustaing, entre outros, ficam inteiramente esclarecidos os pontos evangélicos, até então obscurecidos pela letra que mata."

            Ora, muito bem. A priori não seria difícil demonstrar que toda a matéria, embora sem assinatura, pode perfeitamente ter sido redigida pelo próprio Imbassahy. O estilo é o homem, já dizia Buffon... Mas, mesmo que o não fosse, uma coisa é certa: Imbassahy disse realmente o que a matéria diz que ele disse. Por que a convicção? Simplesmente porque, nessa ocasião, o Secretário do "Reformador" não era outro senão... Carlos Imbassahy. Obviamente, nessa qualidade, ele não deixaria passar o texto mentiroso (se alguém tivesse a coragem de escrevê-lo, sabendo que o orador não falara em Roustaing na conferência e que era ele o próprio Secretário da revista !); e, mesmo que passasse sem que a visse (hipótese absurda), logo ele a retificaria. Assim agem os homens de caráter. Mas não aconteceu desta forma. Além do mais, tratava-se duma conferência pública. Todos haviam ouvido o que o orador dissera. Como poderia a matéria descrever algo que não existiu? Logo, não há dúvida menor que seja: Imbassahy argumentou, de fato, com o apoio de Roustaing, a quem ele sempre aceitou. A não ser que fosse uma espécie de maria-vai-com-as-outras e, mesmo sendo o Secretário da revista, não tivesse tido hombridade de consertar a redação maranhosa. Mas não foi esse o Imbassahy que eu conheci. Não foi esse o Imbassahy que deu tantos motivos de emulação aos espíritas. Não foi o Imbassahy da impressionante coragem moral que todos nós aprendemos a respeitar. Não foi esse o Imbassahy que todos tínhamos acima das paixões grosseiras e que dissera um dia: "Para que o indivíduo se coloque acima das paixões é necessário que saia fora da craveira comum da humanidade" ("Os Menezes", pág, 136).

            Contudo, meus elementos de prova não se resumem nessa notícia, embora a paixão de opositores pervicazes possa até mesmo ter nela outras verdades que não contém. Ao homem de bom senso, porém, ela bastará, porque "o que aí fica já basta para que verifiquemos como a verdade transparece através das lentes de apaixonados opositores" ("A Margem do Espiritismo", Carlos Imbassahy, pág. 243). Vamos, pois, a outras fontes ainda mais concretas. Leiamos a obra "Espiritismo e Loucura", publicada pela Livraria Allan Kardec Editora, em 1949. A páginas 77/79, diz Carlos Imbassahy:

            "Poderíamos prolongar as citações. Basta, porém, apresentar uma lista de psiquistas, conforme a de Laponi, ainda no século passado:
           
            "Para quem quer nomes tiramos de uma lista apresentada por G. Athuis e de outras fontes os seguintes:

            "( ... ); Roustaing, advogado; ( ... )"

            Que fez Imbassahy? Acolheu em seu livro a relação de Laponi, emprestando, portanto, o seu endosso ao nome de Roustaing, que é citado entre outros respeitáveis estudiosos do Espiritismo. Claro que, a ter produzido obra de mistificação - como alguns maus leitores de Imbassahy já chegaram a dizer que ele assim considerou a produzida por Roustaing -, não teria o autor de "Espiritismo e Loucura" transcrito a relação do sábio José Laponi, dando-lhe apoio e cobertura. Seria atitude da mais cabal irresponsabilidade (como quem escreve sem saber o que está escrevendo), além de ilógica e até irracional. Mas "nada se diria mais difícil de entender, que o lançar a razão nos rincões do irracional" ("Freud e as Manifestações da Alma", Carlos Imbassahy, pág, 45) ...

            Prossigamos, compulsando outras fontes. Vejamos, agora, a obra "Religiões Comparadas", editada em outubro de 1929 pela Cruzada Espiritualista. A págs. 185, afirma Carlos Imbassahy:

            "Jesus é o Filho. Veio à Terra trazer a palavra divina. Foi o verbo que se fez carne. (Entre nós se admite que o seu corpo fosse de natureza mais delicada que a do comum das criaturas). Espírito puro entre os mais puros, pregou, exemplificou, chorou e morreu condenado pelos homens."

            Quereriam, acaso, maior clareza? Há que se exigir ainda mais? Nesse caso, respondo com o próprio Imbassahy que, dirigindo-se a adversário absurdamente intolerante, depois de muitas provas e contraprovas, e de apresentar sucessiva série de fatos irretorquíveis, desabafou: "Para os estudiosos serão eles suficientes; para os cépticos serão inúteis, e o seriam ainda que os levássemos ao infinito" ("Corpo e Espírito", Carlos Imbassahy, pág. 120).

            Mas, se há quem queira, vamos adiante. Examinemos, agora, rapidamente, o livro de Ismael Gomes Braga "Elos Doutrinários", no qual o notável esperantista expõe e demonstra, à farta, a tese do corpo fluídico de Jesus. A certa altura, quando se reporta à resposta do Espírito São Luiz dada a Kardec, sobre os agêneres (na qual é taxativamente esclarecido que há exemplos de agêneres na Bíblia), Ismael Gomes Braga apõe, em nota de rodapé, a seguinte informação (página 43 da 2.a edição, 1949):

            "São muito numerosos esses fatos na Bíblia. Antes e depois da crucificação, Jesus aparecia com o mesmo corpo e até tomava alimentos como qualquer homem.

            "Informa-nos o nosso eruditíssimo confrade Dr. Carlos Imbassahy que o nascimento de Krishna e de outros personagens semilendários da Índia antiga ter-se-ia revestido dos mesmos mistérios que envolveram o aparecimento de Jesus. Teriam sido agêneres igualmente tais personagens. Não possuímos suficientes dados para formar opinião própria e nos limitamos a registrar aqui essa comunicação daquele culto amigo.

            "Quanto a Jesus, possuímos esses dados e não temos dúvida."

            Note-se, portanto, o empenho de Carlos Imbassahy no sentido de também oferecer elementos de prova ao confrade para fortalecimento da tese do corpo fluídico de Jesus. Que outra conclusão se poderia extrair, senão essa, da preocupação de Imbassahy ao fazer questão de dar o seu testemunho sobre o assunto, depois de ler um livro que não trata doutra coisa senão da revelação de Roustaing? Saliente-se, ainda, o encaixe da frase: "Teriam sido agêneres igualmente tais personagens" - que é, sem dúvida, parte da própria informação de Imbassahy. Não se diga que aventuro hipótese, pois, editada com a mesma nota, em 1961, a 2ª edição, nem por isso Imbassahy se pronunciou contrário a ela. Depois, é dele próprio o conceito de que "quando os casos são narrados pelos próprios pacientes ou que deles foram testemunhas e se são seguidos de centenas de casos idênticos, não há por que pôr em dúvida tão grande acervo de provas" ("A Psicanálise Perante a Parapsicologia", Carlos Imbassahy, pág. 176).

            Todavia, nem isso ainda é o tudo. Abramos, finalmente, o livro "À Margem do Espiritismo", 2ª edição de 1950. A págs. 38, afirma Carlos Imbassahy com toda a sua autoridade de mestre:

            "É preciso ler a OBRA COMPLEMENTAR DE ROUSTAING para podermos apreciar devidamente o episódio da gênese."

            O grifo é meu. E grifei-o a fim de chamar a atenção do leitor para o fato de o autor considerar a obra de Roustaing complementar. E Imbassahy não era autor de dizer as coisas à conta de precipitação porque era sua a recomendação de que "o verdadeiro homem de Ciência só deveria pronunciar-se depois de acurado estudo e o filósofo verá que é estultice supor tudo conhecido" ("O Poder Fantástico da Mente", Carlos Imbassahy, pág. 191).

            Continuemos a perpassar "À Margem do Espiritismo". Leiamos, agora, a página 72:

            "Lição cheia de sabedoria é a que deparamos na obra de Roustaing: "Perante o Senhor os homens não são nem católicos, nem cristãos, nem judeus, nem muçulmanos, nem pagãos, nem heréticos, nem ortodoxos. Eles se dividem, apenas, em submissos à lei e rebelados contra ela."  Esta é a Doutrina Espírita."

            Imbassahy considera a lição lida em Roustaing "cheia de sabedoria" e ainda afirma que "esta é a Doutrina Espírita".

            Não é impossível que, apesar de tudo, ainda apareça quem ache que Imbassahy negava Roustaing. Sempre é possível o impossível. em questões de preconceito e Intolerância. Imbassahy já destes falava, no seu tom deliciosamente debicador. "Conta-se - e ele mesmo é quem conta - a anedota de um sujeito que, às perguntas que lhe faziam. respondia invariavelmente - não. Depois. o interrogador ficou mudo, mas o outro continuou a repetir o não" ("Fantasmas. Fantasias e Fantoches", Carlos Imbassahy, pág. 104).

            Folheemos algumas páginas mais adiante do "À Margem do Espiritismo" e encontraremos, na de nº 77, o seguinte:

            "Isso, porém, não significa que nos não deixassem entrever a doutrina que ia ser exposta pelas entidades que trouxeram a Roustaing a revelação da revelação."

            "Omitida que fosse a lição de Kardec em relação a tão importante matéria, estaria no entanto já preenchida a lacuna coma obra, EM MUITOS PONTOS COMPLEMENTAR do Senhor Roustaing.  

            “Razão assiste àqueles que creem dever os espíritas estudar essa obra, pelos esclarecimentos que nos vem ela trazer em vários casos.

            “Se julga o ilustrado pastor qua a Doutrina Espírita é falha neste capítulo, tire da sua estante o 1º volume de J. B. Roustaing, tradução de G. Ribeiro, e aí verá a lacuna , inteiramente preenchida.” (seguem-se citações de Roustaing às págs. 77, 78 e 79).

            Tornei a grifar a afirmativa de Imbassahy "em muitos pontos complementar", para ressaltar bem o juízo que ele fazia da obra. Entretanto, é possível (sempre é possível!), ainda assim, que neguem esse seu juízo. Permitir-me-ei, data venia, fazer minhas as seguintes palavras do mesmo Imbassahy: "Será fácil dizer que tudo aqui é falso. Felizmente, nem todos são cegos" ("Ciência Metapsíquica", Carlos Imbassahy, pág. 191).

            Finalmente, a págs. 204 do "A Margem do Espiritismo", o autor coloca a pá de cal:   "Quanto ao texto das Escrituras, seriam suficientes as obras de Allan Kardec para demonstrar que os Espíritos vêm ajudar-nos a reconstituí-lo; e, se elas não bastam, temos ainda a de Roustaing, além de outros."

            Aí está, caro leitor, o grande arremate. Haverá argumento capaz de pôr por terra tanta convicção, provada e comprovada à desmedida? Talvez ainda subsista quem a tanto se abalance, mas a priori havemos de sentir-lhe quanto se lhe apouca o tom da voz, porque "diante disto, o que se verifica é que, se as vozes dos nossos adversários aumentam assustadoramente de tonalidade, em compensação, diminuem lamentavelmente no que toca à argumentação" ("A Missão de Allan Kardec", Carlos Imbassahy, página 123).

            Talvez surja à cena, também, quem profligue (não seria esta a primeira vez que a FEB se vê, assim, levianamente acusada) que os trechos foram interpelados à revelia do autor. Bem, nesse caso, é achincalhar a memória de Carlos Imbassahy. Trechos tão longos, tão incisivos e tão opostos ao pensamento do autor são-lhe interpolados à obra e ele nunca vem a público denunciar a tratantice? Trechos que ele viu e leu muito bem quando reviu e releu o livro, acrescentando-lhe inclusive um apêndice enorme, à guisa de "Tréplica", para a última e mais recente edição. Trechos que não representariam sua posição mas que ele, por ser "bonzinho", deixou ficar confundindo seus leitores, enganando-os, desprezando-os impudentemente, vilipendiando-os desavergonhadamente, ridicularizando-os enfim. Ou será que Roustaing serve como argumento mas não como verdade?

            Não, nada disso aconteceu, porque o próprio Imbassahy sabe muito bem o que escreveu e disso não se arrependeu. Na "Tréplica", ao aditá-la, ele mesmo afirmaria, como sempre, do alto da sua autoridade e honestidade morais:

             "Mas, quem leu este nosso livro sabe que não se pôs aqui nada a ridículo. Obra séria. para gente séria e em resposta a pessoas sérias" ("A Margem do Espiritismo", pág. 218). Como se vê, somente na base do sofisma se desmentirá este artigo. E se o sofisma é que valerá a quem nem mesmo há de ter lido as obras de Imbassahy, então não tenho por que prolongar mais os esclarecimentos. Devo apenas registrar que será muito cômodo, agora que Imbassahy não está mais encarnado, afirmar-se que ele era contra Roustaing, Por que não antes? Sim, antes, a breve tempo, tal como eu o fiz três vezes, com o "de cujus" de corpo presente, face a face, "tête-à-tête", diante de imensas plateias! E sem jamais ser contestado. Lamentar-se-ão todas as considerações tardias que se façam sobre o assunto, posto que, no fundo, servirão apenas para ressaltar as dificuldades que uma revelação enfrenta diante dos sofismas, das distorções, das negativas retardatárias, principalmente dos preconceitos. Imbassahy, rustenista sincero, há de amargurar-se, ainda agora, tanto quanto já se amargurara antes, ouvindo, lendo ou sentindo as injustiças assacadas contra o extraordinário missionário cuja obra, em seu dizer, complementou a de Kardec. Mas Imbassahy sabia e sabe que o martírio é o preço da coragem. Roustaing padece até hoje a dor dos grandes enviados. Entretanto, dia virá em que a "Revelação da Revelação" fecundará por sobre a Terra. Certamente, foi também pensando nele que Imbassahy escreveu:

            "Os mártires, estes é que deixaram, com seu martírio, a semente que deveria fecundar mais tarde. Cabe-lhes extraordinária glória, porque, em vez do caminho pontilhado de flores, que trilham os felizes, com o aplauso das multidões, preferiram esta senda de espinhos seguida por tantos quantos se imolaram pelo amor da humanidade" ("Hipóteses em Parapsicologia", Carlos Imbassahy, pág. 271).

            Finalmente, lamento muito que alguém ainda desconheça todas essas citas que aqui transcrevi do inesquecível Carlos Imbassahy. Lamento, principalmente, porque jamais poderei admitir que alguém não tenha lido as suas portentosas obras, ímpares na bibliografia espírita. Não me refiro a artiguetes ou notinhas de imprensa, mas à obra que legou à cultura filosófica, em alentadíssimas brochuras, cujas edições se multiplicam a cada ano e onde, afinal, está o seu pensamento, a sua linha doutrinária.

            Repiso: é incrível que haja, ainda hoje, quem não tenha lido os livros de Carlos Imbassahy; incrível, mas incrivelmente verdadeiro. Como as bruxas: "hay" ...

            Inobstante, o tempo, o grande amigo tempo passará, desdobrando-se sobre as encarnações de todos nós. Ele descortinará a Verdade aos olhares atônitos dos que viveram da ilusão. E a revelação dada a Roustaing será talvez razão de lágrima e compunção de muita gente despreparada para os resplendores da luz que inunda a alma do Homem novo de amanhã. Por agora, que fazer? Dou a palavra final deste artigo ao notável Carlos Imbassahy, cuia coragem intelectual e moral serviram de "lead" a este trabalho, escrito com a preocupação única de honrar-lhe a memória:

            "O que temos a fazer é esperar. Esperar, suportando os mais duros reveses, com o poder da vontade, da paciência, da resignação e da fé. O pano do cenário cairá e terminará o drama da vida, para que esse pano se erga em outro ato, onde os esplendores aguardam aqueles que souberam viver de acordo com as prescrições do bem e do amor da Humanidade" ("O que é a Morte", Carlos Imbassahy, pág. 274).


2 comentários:

  1. O próprio Imbassahy 'filho' nega tamanho despropósito.Em entrevista concedida ao jornal “Abertura”, de Santos, pág. 4, edição de agosto de 1993, o Imbassahy 'pai', acima retratado como roustainguista, afirma, categórico: A LÓGICA NÃO ME PERMITE ACEITAR ROUSTAING.
    Além disso, em seu texto "Radiografia da Deturpação do Espiritismo", o pensador Carlos Imbassahy, um dos que se esforçavam a combater as deturpações catolicizantes da Doutrina Espírita, nos alertou sobre os perigos dos chamados "kardecistas autênticos", uma farsa surgida tanto na crise do roustanguismo explícito quanto na crise do poder centralizador da Federação "Espírita" Brasileira.

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