A dor
é
instrumento
da lei divina
Parte
2
Indalício
Mendes
Reformador (FEB) Fev 1973
Ensina Allan Kardec: “Todas as religiões admitiram igualmente o
princípio da felicidade ou infelicidade da alma após a morte, ou, por outra, as
penas e os gozos futuros, que se resumem na doutrina do céu e inferno,
encontrada em toda parte. No que elas diferem essencialmente, é quanto à
natureza dessas penas e gozos, principalmente sobre as condições determinantes
de umas e de outras. Daí os pontos de fé contraditórios dando origem a cultos
diferentes, e os deveres impostos por estes, consecutivamente, para honrar a
Deus e alcançar por esse meio o céu, evitando o inferno. Todas as religiões
houveram de ser em sua origem relativas ao grau de adiantamento moral e
intelectual dos homens; estes, assaz materializados para compreenderem o mérito
das coisas puramente espirituais, fizeram consistir a maior parte dos deveres
religiosos no cumprimento. de fórmulas exteriores. Por muito tempo essas fórmulas
lhes satisfizeram a razão; porém, mais tarde, porque se fizesse a luz em seu
Espírito, sentindo o vácuo dessas fórmulas, uma vez que a religião não o
preenchia, abandonaram-na e tornaram-se filósofos. Se a religião, apropriada em
começo aos conhecimentos limitados do homem, tivesse acompanhado sempre o
movimento progressivo do espírito humano, não haveria incrédulos, porque está
na própria natureza do homem a necessidade de crer, e ele crerá desde que se
lhe dê o pábulo espiritual de harmonia com as suas necessidades intelectuais.”
(1)
Estagnando-se, esclerosando-se,
essas religiões deixaram de satisfazer a certas e importantes indagações do
espírito humano mais intelectualizado e não tardou que do seio do povo, menos
atento a particularidades doutrinárias, surgissem também estranhezas e
resistências a pontos exegéticos oclusos ao entendimento. E assim foi crescendo
o número dos
insatisfeitos, cuja rebeldia determinou da parte dos detentores do “poder”
religioso medidas de represália, tanto mais violentas quanto mais ascendência
possuíam aqueles que se atribuíram o privilégio de estar mais perto de Deus do
que os demais integrantes do imenso rebanho humano. Dessa maneira, devem ter
surgido os primeiros hereges, vocábulo do grego hairetikós, que significa
aquele “que escolhe”, (2) derivando do grego
“haeresis”,
ação de tomar, escolha, opinião, e suf. ia.
Os escritores gregos profanos empregavam o termo para designar uma doutrina
especial, sem ligar sentido desfavorável algum. Mas os escritores eclesiásticos
tomaram sempre em mau sentido, de doutrina oposta à fé da Igreja e assim passou
ao latim haeresis”. (3)
A humanidade, em todos os tempos,
sempre teve a intuição da verdade, nem sempre respeitada
pela ortodoxia religiosa, inclinada a exagerado hermetismo e propensa a se
insular do povo, numa posição de especial superioridade, primeiramente
intelectual e doutrinária e depois também política. A História nos aponta, com
riqueza de pormenores, que
semelhante comportamento emprestava aos sacerdotes uma como que co-personalidade
divina, como se o Criador lhes conferisse prerrogativas ilimitadas, sem a
consequente responsabilidade, perante o povo ignaro e crédulo. Dessa forma,
tangendo os homens a seu talante e amedrontando-os com um Deus de maus bofes e
violento, que se comprazia com a violência e a morte dos desobedientes, criaram
eles hábitos negativos, que mantinham as criaturas humanas temerosas e envoltas
nas trevas de mistérios engendrados com o fim premeditado de dominá-las. As
superstições nasceram e se desenvolveram “pari passu”, não obstante a reação
natural, e inevitável, de indivíduos mais esclarecidos e menos intimidados, que,
de onde em onde, desafiavam o poder sacerdotal e se rebelavam contra ideias e
doutrinas que lhes pareciam ilógicas, por estranhas e incompreensíveis. As
superstições cresceram e, durante séculos e séculos, se aprofundaram nas almas
simples, que foram abdicando o direito de pensar, de opinar e de discernir,
transferindo-o aos sacerdotes, que muitas vezes dispunham de seus bens e até de
sua vida.
De qualquer forma, entretanto, cada
movimento religioso foi deixando, apesar de tudo isso, uma contribuição para
marcar determinada época com o sinete do pensamento religioso, que permanecia
na alma popular, a despeito dos erros, desvios e desregramentos de sacerdotes
incompatibilizados com a realidade divina. As mensagens se faziam adequadas às
necessidades morais e intelectuais de cada época. Além disso, apareciam
enviados com a incumbência de espalhar luzes esclarecedoras, retificando erros,
restabelecendo as verdades esquecidas ou deturpadas, fazendo, assim, que se
fosse ampliando a ideia máter de que a humanidade não está abandonada na Terra,
pois que Deus a tem sob as vistas, permitindo a evolução gradativa do
pensamento religioso, através desses emissários e de revelações corretoras.
“A gênese de todas as religiões da Humanidade
tem suas origens no seu coração augusto e misericordioso. Não queremos, com as
nossas exposições, divinizar, dogmaticamente, a figura luminosa do Cristo, e
sim esclarecer a sua gloriosa ascendência na direção do orbe terrestre,
considerada a circunstância de que cada mundo, como cada família, tem seu chefe
supremo, ante a justiça e a sabedoria do Criador.” (4) Aí, tratando de “a gênese das crenças religiosas”,
Emmanuel nos aponta Jesus como o Governador do planeta Terra, prosseguindo: “Fora
erro crasso julgar como bárbaros e pagãos os povos terrestres que ainda não
conhecem diretamente as lições sublimes do seu Evangelho de redenção, porquanto
a sua desvelada assistência acompanhou, como acompanha a todo tempo, a evolução
das criaturas em todas as latitudes do orbe. A história da China, da Pérsia, do
Egito, da índia, dos árabes, dos israelitas, dos celtas, dos gregos e dos
romanos está clarificada pela luz dos seus poderosos emissários. E muitos deles
tão bem se houveram, no cumprimento dos seus grandes e abençoados deveres, que
foram havidos como sendo Ele próprio, em reencarnações sucessivas e periódicas
do seu divinizado amor. No Manavadarma, encontramos a lição do Cristo; na China
encontramos Fo-Hi, Lao-Tsé, Confúcio; nas crenças do Tibete, está a
personalidade de Buda e no Pentateuco encontramos Moisés; (5) no Alcorão vemos
Maomé. Cada raça recebeu os seus instrutores, como se fosse Ele mesmo, chegando
das resplandecências de sua glória divina. Todas elas, conhecendo
intuitivamente a palavra das profecias, arquivaram a história dos seus
enviados, nos moldes de sua vinda futura, em virtude das lembranças latentes
que guardavam no coração, acerca da sua palavra nos espaços, tocada de
esclarecimento e de amor.” (6)
É importante acompanhar o lúcido
raciocínio de Emmanuel. Ele nos aponta que “todos os livros e tradições
religiosas da antiguidade guardam, entre si, a mais estreita unidade
substancial. As revelações evolucionam numa esfera gradativa de conhecimento. Todas
se referem ao Deus impersonificável, que é a essência da vida de todo o
Universo, e no tradicionalismo de todas palpita a visão sublimada do Cristo,
esperado em todos os pontos do globo”. (7) Elucida que “até à palavra simples e pura do
Cristo, a humanidade terrestre
viveu etapas gradativas de conhecimento e de possibilidades, na senda das
revelações espirituais”. (8) A quem se disponha a estudar o desenvolvimento do
pensamento religioso, sem espírito de seita nem qualquer “parti pris”, se
mostrará um admirável encadeamento de fatos, conduzindo à compreensão de que
Jesus, o Cristo de Deus, antes de se apresentar ao mundo com a aparência
visível, já dirigia, como Governador do planeta, os acontecimentos que, desde
épocas milenares, vem formando o pensamento religioso do mundo, uno em sua
enorme diversidade, até que o episódio de Belém veio estabelecer o início de
uma nova era, destinada a fazer a humanidade compreender que o legítimo poder
do homem, na Terra, está no amor, na paz, na justiça sem violência e sem ódio,
e que a felicidade somente pode ser alcançada através da reforma moral de cada
criatura, porque a ninguém é dado escapar às sanções da Lei Divina e que essa
Lei pode ser suave ou severa, consoante o procedimento que tivermos no curso de
nossas vidas terrenas. Foi, portanto, a reprovação do “olho por olho, dente por
dente”, substituída pela justiça do “a
cada um segundo suas obras”, que nada mais é do que a chamada lei cármica, dentro
da qual se entrelaçam as leis do trabalho, do progresso, da igualdade e da
desigualdade, da liberdade, da justiça, do amor e da caridade, caminhos que
levam à perfeição moral.
(1)
Allan Kardec - "O Céu e o Inferno", ed. da FEB, 1950, págs. 15 e segs.
(2)
Antenor Nascentes - "Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa",
única edição, 1932, pág. 399.
(3)
Antenor Nascentes - Idem, ibldem, pág. 399.
(4)
Emmanuel - "A Caminho da Luz", ed. FEB, 1945, pág. 75.
(5)
Charles F. Potter - "História das Religiões", ed. Universitária, SP,
1.8 edição, 1944, pág. 49. "Moisés, no. hebraico original, é mosheh, e
poderia facilmente derivar do verbo hebraico moshah - retirar (da
água). A palavra egípcia mes ou mose significa, porém,
filho ou criança, e sabemos como é comum chamar a um menino
"filhinho". Mesmo que o nome provenha de mashah, poderá significar libertador
ou salvador. Esta parece a melhor
explicação, e provavelmente ele fora chamado libertador, ou assim
denominado pelos hebreus reconhecidos, quando surgira subitamente e os livrara
do Jugo egípcio."
(6)
Emmanuel - Ob. cit., págs. 75 e segs.
(7)
Emmanuel Ob. cit., págs. 76 e segs.
(8)
Emmanuel Ob. cit., págs. 77 e segs.
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