Uma avaliação do
Espiritismo no Brasil
Hermínio
C. Miranda
Reformador
(FEB) Março 1978
Ao
apresentar o Livro "Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho",
lembrou Emmanuel a extasiada exclamação de Humboldt ante a opulência tropical
do vale do Amazonas:
"
- Aí está o celeiro do mundo!"
É
verdade isso, confirma o autor do Prefácio, mas, com sua visão espiritual
projetada sobre o futuro e com a inequívoca autoridade de um dos mentores da
nacionalidade brasileira - convocado desde a primeira hora -, assegura Emmanuel
que "O Brasil não está somente
destinado a suprir as necessidades materiais dos povos mais pobres do planeta,
mas, também a facultar ao mundo inteiro uma expressão consoladora de crença e
de fé raciocinada e a ser o maior celeiro de claridades espirituais do orbe
inteiro."
A
seu turno, afirma Humberto de Campos (Espírito), à página 227 do citado livro (11ª
edição da FEB), que "A Europa
recebeu a Nova Revelação sem conseguir aclimá-la no seu coração atormentado
pelas necessidades mais duras."
É
certo, pois, que o nosso país está investido de uma grande responsabilidade na
implementação desse esquema de trabalho e tudo se fará conforme planejado,
mesmo porque, segundo Humberto, "todos
os obstáculos serão, um dia, removidos para sempre do caminho ascensional do
progresso". Está, porém, nas mãos dos homens a faculdade de, influir
no ritmo da caminhada.
(...)
"os discípulos encarnados bem poderiam atenuar o vigor das dissensões esterilizadoras,
para se unirem na tarefa impessoal e comum, apressando a marcha redentora"
- informa ainda Humberto à pág. 228.
Eis
aí, pois, o programa de trabalho, as responsabilidades de cada grupo -
encarnados e desencarnados - e as dificuldades a vencer que, como facilmente se
depreende, estão em nós mesmos e não naquilo que temos de fazer.
O
êxito do empreendimento é indubitável, mas a sua concretização no tempo e no
espaço depende, em grande parte, do nosso posicionamento nesse vastíssimo
contexto histórico, do grau de maturidade que demonstrarmos na execução das
pequeninas tarefas que nos cabem na tarefa maior. Se optarmos pelas dissensões
de que fala Humberto, ou pelo "personalismo e vaidade... que as forças das
sombras alimentam", como ele ainda insiste à pág. 223, então estaremos
entre aqueles que, transformados em obstáculos, terão de ser removidos.
De
tudo isso, ante o que nos vem sendo repetidamente ensinado, temos conhecimento
em grau maior ou menor de aceitação, mas até onde temos consciência da extraordinária
importância do que poderíamos chamar de modelo espírita brasileiro? Ao propor a
expressão, estou bem atento às suas limitações. Não se pretende aqui afirmar
que há um Espiritismo brasileiro, como não há
Espiritismo francês ou argentino. O Espiritismo é um só corpo doutrinário e tem
as suas sínteses nas obras básicas da Codificação Kardequiana. Há, porém,
inúmeras maneiras de pôr em prática os seus ensinamentos ou desenvolver os seus
postulados. A tradução desse ideal, no dinamismo da ação, exige estruturas
apropriadas e metodologia adequada, ou seja, uma organização que o movimente.
Desse modo, se não existe Espiritismo com adjetivações - baixo ou alto, culto
ou inculto, brasileiro ou europeu -, importa reconhecer-se que o movimento
assume características próprias - bem nítidas - onde quer que se desdobre a ideia
que o inspira. Não sei se estamos todos bastante conscientes e alertados, no
Brasil, para a importância do que poderíamos identificar como modelo. Talvez
nos falte a sua visualização em perspectiva, por estarmos muito perto dele e
por ele muito envolvidos. Parece que "os de fora" estão vendo melhor
do que muitos de nós.
*
Reflexões
desta natureza eu as fiz há tempos, quando li o primeiro livro do Sr. Guy Lyon
Playfair, "The Flying Cow" ("A Vaca Voadora”), as quais se
confirmam, agora, com a leitura do segundo, "The Indefinite Boundary"
(“A Fronteira Indefinida"), edição Souvenir Press, Londres, 1976.
Ao
que depreendo do meu permanente contato com a imprensa especializada
brasileira, o leitor espírita ainda não tomou conhecimento da obra de Playfair,
senão através de um ou outro artigo e de notas sumárias. Os seus livros não
foram ainda traduzidos para a nossa língua e no original não são facilmente
encontráveis no Brasil.
Segundo
informa a jaqueta interna do livro, Guy Lyon Playfair nasceu na Índia e foi
educado na Inglaterra. Viajou bastante pelo mundo e viveu vários anos no
Brasil, como escritor profissional e tradutor. De 1967 a 1971, trabalhou na
seção de imprensa da AID, no Rio de Janeiro, junto à Embaixada Americana. Além
de escritor - como vários outros membros de sua família -, é um talentoso
músico amador. Nada poderia dizer sobre seus dotes musicais, mas não hesitaria em dar
testemunho do seu virtuosismo como escritor: domina com segurança e
inteligência seu instrumento de comunicação - a palavra escrita - imaginoso,
sem ser fantasista; bem-humorado, sem a preocupação de fazer graça a qualquer
preço; bom pesquisador e excelente narrador. Leva sobre qualquer outro
estudioso estrangeiro do Movimento Espírita Brasileiro a enorme vantagem de
dominar também a nossa língua e de ter realmente vivido entre nós por largo
tempo, ao contrário dos que aqui vêm apenas para fazer uma espécie de
turismo exótico, visitando grupos voltados mais para os aspectos folclóricos do
que autenticamente espíritas.
Dotado
de tais recursos intelectuais e tirando bom proveito da sua permanência em
nosso meio, Playfair compôs com sobriedade e realismo um painel sobre a fenomenologia
mediúnica e o pensamento espírita no Brasil. No livro anterior, "The
Flying Cow", a ênfase está no fenômeno, embora com abundância de
observações de natureza teórica. O segundo livro, ainda que enriquecido por uma
variedade bem selecionada de fenômenos - em grande parte extraídos dos preciosos arquivos do
IBPP, de S. Paulo (SP) - desdobra-se, com amplitude, em considerações de
natureza teórica, doutrinária e filosófica, incluindo, como não poderia deixar
de ser, seguras observações acerca dos aspectos éticos que defluem dos fatos
observados.
Logo
no pórtico do livro, o espírita brasileiro começará a sentir-se agradavelmente
predisposto à leitura, ao verificar que a obra é dedicada a Allan Kardec, a
André Luiz e a Hernani Guimarães Andrade "que prometeram a
eternidade..."
Poderá
igualmente observar que, nos agradecimentos iniciais, o autor menciona
Francisco Cândido Xavier e a Federação Espírita Brasileira "pelo material
utilizado no capítulo 7". Seu reconhecimento maior, não obstante, vai para
o cientista brasileiro, Engenheiro Hernani Guimarães Andrade, o qual não apenas
colocou à sua disposição todo o seu acervo de informações, publicadas e
inéditas, mas ofereceu-lhe orientação e encorajamento, sem o que "teria
sido impossível escrever este livro" - diz o autor.
Sua
honestidade de propósitos é óbvia e está assim expressa:
"Não
tenho revelações a oferecer aqui - escreve ele na Introdução -, nem dogmas a
propor. Se há falhas nos argumentos a serem apresentados, espero que sejam
indicadas e corrigidas.
Se
qualquer ideia formulada for posteriormente provada estar em erro, admitirei
tal prova com a mesma boa-vontade com que admito qualquer verdade nova."
A
sua linguagem até lembra a de Kardec.
Sua
atenção é dirigida, a seguir, para uma realidade da qual muita gente tida por
cultíssima ainda não se deu conta: a de que o materialismo já morreu e não
sabe, de vez que o átomo, elemento básico da matéria, não passa de um diminuto,
ainda que poderoso, campo energético:
"O
átomo - escreve o físico americano Henry Margenau, citado por Playfair -, que
fora concebido como um sólido pedaço de material, revelou-se completamente
vazio, nada contendo que possa, de qualquer forma, ser chamado de
"matéria". Transformou-se numa série de singularidades assombrando o
espaço. Com isto acabou-se a matéria."
E,
por conseguinte, o materialismo. Segundo os entendidos, portanto, o mundo da
matéria é hoje mais fantasmagórico do que o "outro".
Acha
Playfair que a palavra final acerca da legitimidade do fenômeno dito paranormal
terá de ser dada pela Ciência, de vez que o testemunho da mediunidade terá
sempre seus problemas de aceitação por parte daqueles que relutam. Se não fosse
isso, já de há muito a sobrevivência do Espírito estaria sendo universalmente
aceita. A resistência da inércia humana é quase desanimadora. Colin Wilson, o
notável autor inglês de tantas obras fascinantes, colocou a questão com muita
propriedade no seu livro "The Occult". (Possuo uma edição da
Mayflower Books, 1976, que ainda não tive oportunidade de comentar) Wilson lembra a inteligente proposição de Sir
Oliver Lodge ao seu amigo Charles Richet. Suponhamos que um desses descrentes
irredutíveis, logo após a "morte', descobrindo-se mais vivo do que nunca,
deseje convencer alguém, na Terra, da sua sobrevivência. Que faria ele?
Localizar um bom médium e transmitir uma mensagem escrita ou falada, oferecendo
informações a seu respeito, desconhecidas de qualquer pessoa viva? Dar uma
dramática descrição do que se sente, ao morrer? Fazer algumas predições que se
realizem? Dizer a alguém onde está a sua carteira perdida? Não se incomode:
tudo isso tem sido feito e de nada adiantou.
Playfair
admite tranquilamente que todas essas verdades estão plenamente estabelecidas.
Ridículo, por exemplo, considerar que a reencarnação esteja sob o domínio do
ocultismo obscurantista, quando cientistas do mundo inteiro, sob as mais
variadas condições, a tem demonstrado e até a relutante psiquiatria, com base
no conceito da reencarnação, começa a fazer uso de conhecimentos
como o da obsessão, o da possessão e o da cura por processos mediúnicos. Acha
Playfair que falta em todo esse contexto de fenomenologia paranormal uma teoria
universalmente aceitável, que enfeixe e explique os fatos exaustivamente
observados e catalogados através dos tempos. Essa teoria ele se propõe a veicular
no seu livro e "será tão revolucionária quanto a de Einstein, se verificada
a sua correção". Informa ele que a teoria que oferece foi destilada de um
total de 14 livros, escritos por dois brasileiros: Hernani Guimarães Andrade e
André Luiz. Alhures, no livro, o autor lamenta que tantos ensinamentos
preciosos e revolucionários ainda estejam escondidos atrás da barreira da
língua portuguesa. Seja-me permitido aqui solicitar a benevolência do leitor
para uma transcrição maior, a fim de reproduzir com as próprias palavras de
Playfair a sua teoria:
"Vivemos
em dois mundos. Um é o familiar mundo físico da matéria que consiste de átomos,
moléculas, elementos e, no caso do que chamamos matéria viva, de células. Tudo
isso se arranja ou é arranjado, numa extensa variedade de combinações e obedece
a leis rigorosas que ainda não entendemos perfeitamente, apesar de conhecermos
delas o suficiente para fazer nossa vida razoavelmente confortável. O outro
mundo é o mundo "psi", um mundo real, não-físico, de
"matéria psi", com sua estrutura própria de "átomos psi",
"moléculas psi", "elementos psi" e assim por diante. O
mundo físico parece ter três dimensões de espaço e uma de tempo, ao passo que o
"mundo psi" deve ter pelo menos quatro espaciais e duas temporais. Os
dois mundos podem reagir um sobre o outro e de fato o fazem; na verdade, no
caso da matéria viva eles têm de fazê-lo. A vida não é possível sem tal interação. A "matéria
psi", contudo, somente pode existir no seu próprio mundo e não está
sujeita às leis da matéria física. A comunicação direta e genuína entre os
seres de cada mundo é possível, ainda que rara e, com frequência, muito
confusa."
As
fronteiras entre esses dois universos, distintos mas interpenetrantes, são
vagas e difusas daí o título da obra: "Fronteira Indefinida". O livro
se propõe a demonstrar a validade da teoria que, como vimos, resulta de uma
aceitação da obra mediúnica de André Luiz e da contribuição científica do
Engenheiro Hernani Andrade, especialmente a sua proposta "matéria
psi", apoiada basicamente na sua "Teoria Corpuscular do
Espírito", lançada em 1958. Este livro propunha "uma extensão dos
conceitos quânticos e atômicos à ideia do espírito", imaginando um átomo
tetradimensional capaz de aceitar os "encaixes" da matéria física, de
forma a possibilitar a interação espírito/matéria.
As
dificuldades de convencer os céticos e os acomodados de uma realidade espiritual,
que salta aos olhos e grita, não é minimizada pelo autor. Até mesmo os mais
bem-intencionados pesquisadores frequentemente se perdem pelos caminhos, dado
que, por excesso de cautelas, parecem "paralisados de medo ante a ideia de
descobrir realmente algo novo". Outros, mesmo pesquisando sob as mais
rigorosas condições de controle, deixam-se envolver por dúvidas posteriores, o
que levou Richet a propor em 1899 as "condições da certeza". Não
adianta. A certeza de hoje é a dúvida de amanhã. Feilding e Carington, citados
por Playfair, confessaram esse mesmo drama íntimo. No momento em que os fatos
estão ocorrendo, são de um realismo irrecusável e os presentes não teriam
dúvida em proclamá-lo. Mais tarde, será preciso enfrentar a dúvida e até a
zombaria das amigos que se riem da credulidade dos observadores, e estes acabam
contaminados pela dúvida alheia. Será que não foi uma ilusão? Será que eu vi
mesmo aquilo?
"Esse
fenômeno ocorreu no meu caso - escreve Richet - com tal intensidade, que mal
havia decorrido uma quinzena após testemunhar as experiências com Eusápia
Palladino, em Milão (1892), persuadi a mim mesmo que não houvera senão fraude e
ilusão."
Por
outro lado, a resistência dos que não querem nem ouvir é tenaz. Playfair lembra
o tragicômico episódio da luta de um dos pioneiros americanos, Robert Hare, na
tentativa de divulgação de seus achados científicos com relação aos fenômenos
psíquicos. Numa reunião, à qual ele deveria comparecer para falar sobre suas
pesquisas, foi ouvido, em seu lugar, um erudito estudo sobre a razão pela qual
os galos cantam entre a meia-noite e a uma hora da madrugada... (Para satisfazer
a curiosidade do leitor, Playfair esclarece que é porque a essa hora, segundo o
conferencista, uma onda elétrica passa pela Terra e acorda os galos).
A
propósito, lembra Playfair que, se deve a Hare uma observação interessante, que
certamente estaria a merecer pesquisas específicas, ou seja, o fato de que
assim como existem pessoas dotadas de faculdades que as predispõem à produção
de fenômenos mediúnicos, há também aquelas que aparentemente os inibem e que
seriam uma espécie de anti médiuns. Hare realizou experiência conclusiva a
respeito, introduzindo um cético empedernido nas suas sessões. Consultado a
respeito, um amigo espiritual respondeu o seguinte:
"Não
pudemos produzir o fenômeno porque ele (o cético) era um contramédium, ou
antagônico, e sua presença anulou o poder do médium."
*
No
capítulo sobre a convergência da evidência, Playfair resume a busca da verdade
através das aproximações sucessivas, como, por exemplo, a teoria do princípio
formativo de Oliver Lodge, que há mais de 50 anos admitia que "a matéria
física é na realidade modelada, controlada e organizada por um componente
não-físico",
A
forma do corpo humano - escreveu ele - depende de um princípio formativo e
organizador e não do alimento provido."
Hans
Driesch rejeitava a teoria mecanicista da vida, que, a seu ver, não explicaria
jamais os fatos conhecidos "da embriologia, da hereditariedade e do
movimento orgânico". A vida, segundo Driesch, não pode ser explicada
apenas em termos de física e química.
Carington
andou perto daquilo que Claude Bernard, um dos grandes fisiologistas do século
passado, chamou de "ideia diretora", mas não pode admitir a total validade
do princípio, que ele próprio instituiu, porque, no dizer de Playfair,
"não conseguia engolir o conceito da reencarnação", o qual, a seu
ver, não estava bem demonstrado. Isso em 1945. Hoje, lembra Playfair, ele não
poderia, em sã consciência, permanecer na mesma posição, em vista da enorme
massa de dados acumulada pela pesquisa séria em torno da doutrina das vidas sucessivas.
Os
pesquisadores modernos continuaram, não obstante, a especular sobre o assunto,
pois obviamente havia um elo faltante no encadeamento do processo de formação
do ser humano. Harold Saxton Burr propôs uma teoria eletrodinâmica da vida.
Coisa semelhante fez Edward W. Russell, ao analisar o trabalho de Burr.
São
muitos os pesquisadores, mas o observador leigo, às vezes, sente-se um pouco
perdido nessas especulações todas, no excesso de teorização e mensuração que
poderia chegar ao ponto de reduzir o homem a uma série de impulsos e vibrações,
de campos magnéticos por onde circulam correntes elétricas de valor
infinitesimal. Playfair parece bem alertado para esses aspectos, pois, lá pelas
tantas, comenta:
"Um
dia, talvez possamos responder com precisão à velha pergunta: "Quanto você
me ama?" E a resposta: - "43 vírgula 8 milivolts, minha
querida."
De
qualquer maneira, a ideia básica, como bem acentua Playfair, está mesmo em
Kardec, de quem ele reproduz um trecho ligeiramente condensado de "A
Gênese" (publ1cada pela primeira vez em 1868), onde o Codificador explica
a interação espírito/matéria através do perispírito, informando que o processo
se desenvolve em paralelo, durante a formação do corpo físico.
Esse
texto, que o leitor encontrará no capítulo XI de "A Gênese" - União
do princípio espiritual à matéria -, diz o seguinte, à pág. 214 da 19ª edição:
"Sob
a influência do principio vito-material
do gérmen, o perispírito, que possui certas propriedades da matéria, se
une, molécula a molécula, ao corpo em formação, donde o poder dizer-se que o
Espírito, por intermédio do seu períspirito, se enraíza, de certa maneira,
nesse gérmen, como uma planta na terra."
Lembrando
que todos os grifos são do original, cabe-nos destacar a clareza da exposição
de Kardec e a distanciada prioridade com que a Doutrina Espírita se pronunciou
acerca da dicotomia espírito/matéria, chegando até mesmo a anunciar a
existência de uma estrutura molecular no perispírito.
Coube,
portanto, ao Dr. Hernani Guimarães Andrade a tarefa de desenvolver, em termos
de linguagem científica moderna, a ideia básica da organização molecular do
perispírito proposta por Kardec. Leva também esse cientista brasileiro - e aqui
não fala o amigo de mais de 30 anos, mas o observador atento da sua obra - o
mérito de ter percebido, imediatamente, na vasta obra de André
Luiz muito mais do que a história de um Espírito desencarnado, em busca de
conhecimento, pois constitui um verdadeiro tratado da vida, em suas múltiplas
facetas e nos seus mais complexos arranjos e ensaios. (1)
(1) Por
imposição do espaço, ficam referidas por alto as ideias e a contribuição do Dr.
Hernani Andrade, que são encontráveis em português.
Não
resta dúvida de que Playfair deve a Hernani o seu inequívoco e até entusiástico
interesse pela chamada "Série André Luiz". O escritor inglês não se
limitou a pinçar informações de segunda mão, aqui e ali. Ao contrário,
percorreu toda a obra do autor espiritual, no original, elaborando um resumo,
ao qual dedica todo o capítulo 7 do seu livro, traduzindo, às vezes, páginas
inteiras para deixar o próprio André explicar-se. Simpatizo-me cordialmente com as
dificuldades, de que se queixa, de fazer André falar inglês. Diz após traduzir
centenas de documentos escritos em português - encontrou tanta dificuldade como
em alguns trechos da coleção "Nosso
Lar".
É
evidente seu respeito por essa obra magnífica, até mesmo quando os Espíritos ou
o próprio André Luiz confessam honestamente que não sabem todas as respostas.
Isso acontece, por exemplo, quando é descrito o processo que Playfair chama de
bioengenharia, pelo qual os técnicos da vida preparam um Espírito para a
reencarnação. André assiste, faz perguntas e descreve, mas se confessa incapaz
de alcançar as rarefeitas altitudes daquela delicada e complexa tecnologia
espiritual.
"Tais
momentos de estupefação - escreve Playfair - é que tornam os livros de André
Luiz tão convincentes; tantos são os supostos "autores espirituais"
que gostam de parecer oniscientes, que é animador encontrar um que não é e que,
com frequência, o admite." Ao evidenciar as inequívocas operações das leis
divinas, André não faz pregação, no sentido usual da palavra. Suas considerações morais, no
dizer de Playfair, tornam-se "matéria de senso prático comum". Seus
leitores não são forçados a engolir sermões acerca do bom comportamento. “Se
vivermos corretamente - escreve Playfair -, evolvemos para o alto e mais
depressa. Se não, ficamos onde estamos, O problema é nosso. Lei é lei."
"A
ação do mal - diz André - pode ser rápida, mas ninguém sabe quanto pode durar o processo da reação."
No
entender de Playfair - e não vemos como discordar dele -, esse
"approach" é altamente positivo porque "O homem do século vinte
está cansado de ouvir dizer que todos os problemas do mundo estarão resolvidos
se nos amarmos uns aos outros, formos à igreja aos domingos e ajudarmos as
velhinhas a atravessarem as ruas. A grande virtude de André Luiz está em que ele não diz a ninguém o que deve fazer,
jamais."
"Ele
se limita a mostrar que somos prisioneiros de certas leis imutáveis e não há
como escapar às consequências dos nossos pensamentos e atos. O efeito segue a
causa, talvez nesta vida, talvez na próxima. É do nosso próprio interesse criar
causas positivas. André despoja a religião de toda a sua pompa, cerimônia,
mistificação e hipocrisia e nos assegura que o Espiritismo Cristão é matéria de
singelo senso comum, apoiado (como nenhuma outra religião o é ou jamais foi) em
sadias leis científicas."
Por
esse resumo de sua opinião a cerca da obra de André Luiz, podemos avaliar a
extensão de sua pesquisa, a profundidade de sua meditação e a clareza de suas
conclusões.
*
Igualmente
respeitoso e objetivo é o conceito de Playfair sobre Allan Kardec, do qual faz
extensas citações e constantes referências. Um breve resumo do pensamento
doutrinário de Kardec vai da pág. 86 a 90, mas há,
ao todo, dezenove chamadas alusivas ao Codificador, no índice remissivo à pág.
317.
"Qualquer
pessoa interessada em parapsicologia - escreve Playfair à pág. 89 -, que não
tenha lido "O Livro dos Espíritos" e "O Livro dos Médiuns",
está desprezando uma verdadeira mina de ouro."
Não
resta dúvida, igualmente, de que Playfair considera Kardec um dos poucos
restauradores do verdadeiro Cristianismo primitivo, após séculos de deformações
e acomodações. Essa afirmativa está no trecho em que o autor comenta alguns
escritos do Dr. Leslie Weatherhead, líder da Igreja Metodista, na Inglaterra.
Para o eminente teólogo, foi duvidosa para o Cristianismo a conversão de
Constantino, em 325 da nossa era.
"O
paganismo continuou - escreve ele - rotulado de Cristianismo, como ainda hoje.
A religião do Cristo jamais se recuperou, exceto por breves períodos de
renovação ocasional. Roma bocejou e aceitou o fato de que passara a ser um
Estado cristão."
"Ao
que parece - acrescenta Playfair - a maioria dos cristãos têm estado a bocejar,
desde então, até que alguém, como Andrew Jackson Davis ou Kardec, os
desperte."
São
muito fortes, mas totalmente insuspeitas, as observações do Dr. Weatherhead,
Quanto às conclusões de Playfair, não há como rejeitá-las. Neste mesmo livro
cita ele uma pesquisa promovida pela revista "Realidade", em 1971,
segundo a qual, embora o Brasil seja considerado um país 87% católico-romano,
somente 2 % tiveram condições de dizer quais são os princípios básicos da sua
fé. Desse total, 68% admitiram a validade do Espiritismo.
*
Embora
cometendo injustiça ao colocar um ponto final nestes comentários, que já se
alongam demais - e precisamente por esta razão -, é preciso parar, para
concluir.
As
dificuldades a vencer, para convencer o homem moderno das realidades do
Espírito e das responsabilidades decorrentes de seus atos, são muitas e
antigas. Poucos são os que admitem serenamente a necessidade de mudar, para
evoluir.
"Se
me encontrasse, daqui a um ano, com os mesmos pontos de vista que tenho hoje -
escreveu Whately Carington, citado por Playfair - teria de considerar que
desperdicei o tempo intercorrente."
O
mais comum é resistir tenazmente às ideias que sacodem da cômoda indiferença os
que se aferram ao que lhes é familiar, ainda que obviamente inadequado.
Se
tudo isso é verdade, como assinala Playfair - e não nos resta direito à dúvida
-, por que razão a realidade espiritual ainda não foi universalmente aceita? Se
os conceitos fundamentais da Doutrina Espírita, por outro lado, são falsos,
como é que, mais de um século decorrido, ninguém apareceu com explicação melhor
para os complexos mecanismos da vida? Ao contrário, gente do mais elevado
gabarito moral e intelectual contínua firme na convicção da imortalidade da
alma. O conhecimento dessa realidade aí está ao alcance de todos,
indistintamente. Mas, como lembra Playfair,
"Tanto os espíritas como os Espíritos
parecem concordar que é inútil adquirir conhecimento, a não ser que se saiba o
que fazer com ele."
Quanto
às dificuldades da comunicação entre os dois mundos, a que se referem os
autores espirituais, terão que ser levadas em conta, mas não constituem
obstáculos intransponíveis; e a prova disso está em que uma complexa e
altamente técnica exposição, acerca de alguns dos mais íntimos segredos da
vida, pode ser transmitida pelos Espíritos, que se colocaram à disposição de
Kardec, e por André Luiz, por exemplo, através de Chico Xavier e Waldo Vieira. É claro que tais Espíritos
tiveram de enfrentar e vencer dificuldades - digamos - operacionais, mas nunca
se poderá dizer que suas mensagens foram triviais.
A
transmissão de uma mensagem, através do médium, escreveu o Espírito de
Frederick W. Myers, "é como se
alguém estivesse a ditar algo fracamente a uma secretária relutante e meio
obtusa, atrás de uma lâmina de vidro fosco".
E,
no entanto, a mensagem aí está para quem quiser examiná-la.
"Se
a tese principal deste livro for algum dia comprovada - escreve ainda Playfair
-, um dos seus efeitos colaterais será o de que ela contribuirá para anular, de
uma só cajadada, a maior parte das religiões, tanto quanto o materialismo dialético
marxista."
Por
outro lado, como Playfair observou, o Movimento Espírita Brasileiro não é um
conglomerado de místicos desviados da realidade, e sim um grupo participante,
atuante, que se ocupa com programas de assistência social e ajuda ao próximo de
maneira objetiva e com senso pratico.
É
neste sentido que eu ousava afirmar, na introdução deste trabalho, que podemos
admitir a existência de um modelo espírita brasileiro. Com o livro de Playfair,
publicado em inglês - língua amplamente divulgada e conhecida -, os olhos do
mundo começarão a voltar-se para nós. Estaremos estrutural, emocional e
espiritualmente preparados e amadurecidos para a tarefa?
"É
possível - adverte Playfaír, contundentemente -, a julgar de passadas
experiências com outras religiões, que o Espiritismo possa eventualmente adotar
catedrais, papas, sacerdotes, inquisições e outras armadilhas das religiões
decadentes. Se isso acontecer, alguém voltará ao quadrado número um e começará
tudo de novo."
Aqueles
que se converterem em obstáculo, nessa escalada para o futuro, serão, no dizer
de Humberto de Campos (Espírito), "removidos
para sempre".
É,
pois, tão livre quanto nítida a opção de cada um de nós, especialmente quando
alguém de fora, que nos observou com tamanha acuidade, identifica no Movimento
Espírita Brasileiro as condições necessárias à sua prevista propagação pelo
mundo. O modelo está pronto e não falhará; os Espíritos orientadores também
estão a postos e não falharão, porque seguem o comando de Alguém que jamais nos
desapontou. E nós?
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