Ao Encontro de Deus
Luciano dos Anjos
Reformador (FEB) Novembro 1962
Há no homem, até mesmo o cético, uma
ânsia natural de pesquisar Deus, de discutir Deus,
de descobrir Deus. É a própria intuição d'Ele que alimenta esse anelo. O índice
daqueles que passam pelo mundo sem encontrá-Lo pode ser expressivo (se é que e)
mas não estiola o ânimo. dos que se lançam, muito justa e necessariamente, à
procura da Grande Todo, através das mais ousadas fórmulas conceptuais. A pervicácia
(obstinação,
teimosia)
da grande dúvida (dúvida mais conceptual do que existencial) não desfalece o
espírito dos que creem firmemente e não se cansam de pesquisar, discutir e
conceber a Eterna Substância. E nisso deve consistir um dos primordiais - senão
o único - objetivo filosófico da criatura: encontrar Deus e ir lhe ao encontro.
Data vênia, não concordamos com Platão quando afirma que “é muito impertinente
querer adivinhar o que é Deus". Reconhecemos, em contrapartida, que querer
nem sempre é poder. A maioria ateia descuidou-se desse mister por motivos que,
em última análise, havemos de reconhecer perdoáveis. Depois do deus-sol da
deus-raio, do deus-fogo, abrigaram o homem ao jugo dum politeísmo esdrúxulo,
após o qual, embora acalentando-o com a unicidade moisaica desse Criador, nada
melhor lhe apresentaram além de um Deus antropomorfo, pessoal e todo-poderoso.
Daí ao ateísmo convenhamos que é um pulo, quando não leva direito e
instintivamente ao materialismo absoluto. De nossa parte estamos tranquilos de
que Deus é tanto mais Deus quanto maior for a evolução do Espírito. Não é fácil
concebê-Lo (embora não seja impassível) fora dessa ideia em que a maioria das
religiões e das escolas filosóficas O apresentam. Mas é preciso compreender
que, afinal, é exatamente fora dessa ideia que Ele se encontra e daí a
dificuldade mesma de entendê-Lo. “Eu
creio no Deus que fez os homens, e não no Deus que os homens fizeram",
dizia o escritor francês João Batista Afonso Karr, num dos seus famosos
panfletos satíricos ("Vespas")
editados mensalmente em Paris, no século passado.
Teologicamente,
três são as posições fundamentais para explicar Deus: a Ateísmo, a Panteísmo e
o Teísmo. A primeira, nega-O e, com isso, todo o sentido da vida, e todos os
seus valores morais, tornando o mundo incompreensivelmente absurdo. A segunda
posição aclarou parte do magno problema apresentando Deus como sendo a própria
Natureza, isto é, imanente e identificado com o mundo. É Kardec mesmo quem
combate com muita propriedade a hipótese em "O Livro das Espíritas",
pág. 54, 21ª edição da FEB: "Esta
doutrina faz de Deus um ser material; que, embora dotado de suprema
inteligência, seria em ponto grande o que somos em ponto pequeno. Ora, transformando-se
a matéria incessantemente, Deus, se fosse assim, nenhuma estabilidade teria;
faltar-lhe-ia um dos atributos essenciais
da Divindade: a imutabilidade”, Finalmente, o Teísmo concebe Deus como ser
pessoal e transcendente, distinto do mundo por Ele criado e providencialmente
assistida (Deus Criador e Providencial). Quanto ao moderno Teísmo Evolucionista,
este não passa duma forma mal disfarçada do próprio Panteísmo contra a qual se
levanta também a objeção kardequiana.
Passando rapidamente em revista
algumas escolas filosóficas, vamos verificar o esforço dos muitos que tentaram
resolver a Grande Equação. Assim é que, para Aristóteles, “Deus é o motor não movido, o Ato puro”; para Platão, “Deus é Ideia suprema ou Ideia do Bem";
para Leibnitz, “Deus é a mônada incriada";
para Spinoza, “Deus é a substância única";
para Hartmann, “Deus é a eternidade
imutável"; para Voltaire, "Deus
é o Criador não providencial"; para Chardin, “Deus é o Centro Máximo da convergência, Fundamento de todo ser e Polo Superior
da Evolução",
Outros, partindo da certeza de que Deus existe, buscaram apenas demonstrá-Lo
através de citas às quais emprestaram sempre caráter axiomático: para Descartes
“a existência de Deus é mais certa de que
o mais certo de todos os teoremas de geometria"; para Pascal, “a impossibilidade de provar que Deus não
existe, revela a Sua existência"; para Mazzini “Deus existe porque
existimos e nem devemos prová-lo, 'já que intentá-lo seria blasfêmia, e negá-Lo,
uma loucura".
Definições e conclusões
enquadram-se, duma forma ou doutra, dentro do esquema das três posições
fundamentais antes mencionadas, as quais buscam desesperadamente o sentido mais
puro para explicar a causa primária da Criação, O Teísmo, sem dúvida, foi que
mais se aproximou da Verdade, porém, ainda assim, apenas nas suas linhas gerais.
Adotou a melhor posição teológica na quadro genérico das concepções. Todavia,
não soube avançar na explicação detalhada. E, quando o fez, fê-lo mal, como a
Igreja Católica ou Protestante, por exemplo. Contudo, talvez possamos ir mais
longe, por um caminho novo, ao término do qual, à razão de ninguém repugnaria.
Paradoxalmente, Deus seria, então, sem
sair da sistema teísta, o Ser absolutamente Impessoal, na transcendência e na
imanência ao mesmo tempo, Em outras palavras: transcendente ao mundo, porém
numa condição de ser que não se personaliza; e igualmente imanente sem se
fundir com o mundo. Um Deus apenas pessoal - na imanência ou na transcendência
- seria sempre um Deus limitado e assim não revestiria atributos infinitos.
Ninguém se aproximou tanto da concepção de Deus, capaz de suportar as provas do
raciocínio moderno, do que a monismo vedantino. Swami Vivekananda assim expõe a
tese "(A Filosofia Vedanta", editora Vedanta
Ltda.): “Uma generalização que termina num Deus pessoal não pode ser universal, não
pode ser verdadeira. Temos de ir adiante, ao Impessoal. O Deus Impessoal que
propomos não é um Deus relativo; por isso não se pode dizer que Ele é bom ou
mau, mas que é algo além do bem e do mal, porque não é bom nem mau.” Importa
esclarecer bastante um aspecto da questão: Deus impessoal na transcendência e
pessoal na imanência já se propôs e representa de fato um grande passo na
direção da Verdade; entretanto, o Deus
que ora se propõe é Impessoal na imanência e na transcendência.
Pascal, desesperado sempre entre a
fé e a dúvida, inferia também que, com argumentos
humanos não podemos provar a existência ou inexistência de Deus. São
Francisco de Assis, na sua "Oração ao Sol", ensina implicitamente que
quando o homem pensa em Deus, com as medidas de sua animalidade, conspurca-O
sempre, porque Lhe empresta atributos que O humanizam. Monteiro Lobato, no
prefácio do livro de Pedro Granja, intitulado "Afinal, Quem Somos?"
(pág. 21, 1ª edição), confessa a repulsa em associar à ideia de Deus qualquer
predicado humano, até mesmo a Bondade e a Misericórdia. Foi o Deus pessoal e
antropomorfizado que fez com que Nietzsche, na sua irreverência, O figurasse
"pagando-se com uma libra de sua
própria carne". O enciclopedista e materialista Denis Diderot chegou a
exclamar em face do deicídio do
Gólgota: "Deus matou Deus para
apaziguar a cólera de Deus.”
É bem verdade que Luís Büchner, o
mais terrível materialista dialético, assegura na sua obra "O Homem
segundo a Ciência", pág. 252, edição de 1912, que "o Deus ipessotü é
um antropomorfismo, uma abstração de nós mesmos, uma criação imaginária jeito.
à imagem do pensamento; o Deus impessoal, ao contrário, é uma quimera da
lógica". Ora, o primeiro período é autêntico, mas o segundo equivale a uma
ilação vazia e sem substância. É muito fácil e cômodo atribuir todas as
verdades abstratas a quimeras da lógica. No mais, Büchner traiu-se pelo próprio
raciocínio materialista. Supôs o Deus Impessoal praticamente sem diferenciação
do Pessoal. Do contrário não O apresentaria como resultante de nenhuma lógica,
já que esta, à luz da moderna filosofia, não passa da ciência dos pensamentos.
Ora, o pensamento, na sua abstração, é o conjunto das operações intelectuais, a
atividade psíquica pela qual o Espírito concebe as ideias, julga e raciocina. E
eis, portanto, o conceito do Impessoal, de Büchner, reduzido a proporções
meramente humanas, "ipso facto", pessoais. O Espírito é quem pensa,
mas o pensamento não é o Espírito.
O Impessoal com que buscamos
identificar Deus não é lógico, embora não seja inconcebível; é, antes, indefinível.
Poderíamos no máximo dizer que é superconcebível, isto é, concebível nos
estados mais altos da espiritualização. No atual estado nosso, qualquer
tentativa de defini-Lo esbarraria na mutilação da realidade. São muito
oportunos aqui aqueles versos do poeta contemporâneo J. G. de Araújo Jorge
sobre a poesia (que é, ao lado da música, uma das mais altanadas expressões do
Espírito), quando decanta: "Não há, não
houve, não haverá poesia. Vencido o silêncio, a palavra é mutilação" ("A Outra
Face", pág. 51, edição de 1949). Do imortal Augusto dos Anjos é famoso o
soneto "A Ideia" ("Eu e Outras Poesias", pág. 17, 3ª edição
da Castilho) , cujo mote resume o esforço da criatura em exprimir a ideia; vê-la
nascer-lhe no cérebro, mas, quando deve ser exteriorizada, “de repente, e quase morta, esbarra no
molambo da língua paralítica!". E Gilka Machado, a mais notável
poetisa brasileira, diz no, introito do seu ''Cristais Partidos" (pág. 7,
edição de 1915): “Arte é ânsia de conter o infinito numa expressão". Tanto
quanto a poesia, a ideia e as artes em geral, assim será sempre a noção de
Deus. Qualquer forma objetiva de traduzi-Lo há de mutilá-Lo automaticamente. Só
no ádito (câmara
secreta nos templos antigos) silencioso e absconso (silencioso) de cada um Ele é
capaz de manter-se puro e completo. Guerra Junqueiro também teve a mesma
intuição da verdade, quando disse: "Deus!
o terrível problema! Quando a Ciência chega aqui, ou emudece ou blasfema"
("Últimos Versos", pág. J,2, edições Selectas, 1921). O incomparável
Léon Denis, em "O Grande Enigma", pág. 90, 4ª edição, comenta: "Aqueles que reclamam absolutamente uma
definição poder-se-ia dizer que Deus é o Espírito puro, o Pensamento puro. Mas
a ideia pura, em sua essência, não pode ser formulada sem, por isso mesmo, ser
diminuída alterada. Toda fórmula é uma prisão. Encerrado no cárcere da palavra,
o pensamento perde sua irradiação, Seu brilho, quando não perde seu sentido verdadeiro."
E, na "Revelação da Revelação", de J. B. Roustaing, lemos: "Deus é na imensidade, o infinito. Espírito
de tal modo puro, de tal modo sutil que bem poucos Espíritos podem vê-Lo, de tal
modo extenso que irradia por todos os lugares sem jamais se dividir,
conservando assim a sua individualidade. Linguagem humana, qual poder é o teu
para exprimir pela palavra - Deus - o ideal, o imenso, o infinito, o
eterno!" (páginas 216/217, 4ª edição).
Continuemos porém a desenvolver
nossas ideias. Em nosso atual estágio, Deus se nos torna
incognoscível, tal como afirmam os positivistas, entre eles Berthelot. Contudo,
apenas na Sua essência, na Sua posição do que "É", do "Eu
Sou" (“E disse Deus a Moisés: EU SOU O QUE SOU. Disse mais: Assim dirás
aos filhos de Israel: EU SOU me enviou a vós" - EX. 3
:14). Torna-se cognoscível, entretanto, na Sua obra. Que é incognoscível no Seu
aspecto "Absoluto" não podemos duvidar, pois os fatos aí estão para
comprová-lo e até aliciar os materialistas. Mas tal ocorre apenas em razão da
relatividade do nosso mundo. Somos seres tridimensionais e Deus se apresenta
completamente fora dessa nossa dimensão; além da quarta de que nos fala
Einstein para explicar a composição do espaço universal ("continuum
espaço-tempo”); além da quinta (?); além de todas as dimensões. Um ser superficial,
por exemplo, como haveria de compreender a existência nossa, seres tridimensionais
que somos? De forma alguma. E por mais que tentasse não nos alcançaria, exceto
se lhe fora possível conseguir um estado especial (extático, crisíaco, (aquele que se encontra
em estado de momentânea crise produzida pela ação magnética) etc.) através do qual a substância que o
anima (esta, sim, fora da sua e de todas as demais dimensões, tanto quanto a
nossa) se deslocasse para fora do plano em que vive até atingir o volume em que
vivemos. Não nos exijam a demonstração prática e científica da hipótese, porque
não o conseguiríamos. Seria o caso de alguém que nos pedisse para traçar no
papel, à luz da geometria de Descartes, um sistema de quatro eixos cartesianos,
a fim de localizar ou simplesmente apreender, de forma objetiva e concreta, o
hiperespaço. Está claro que nenhum de nós lograria fazê-lo, senão virtual e algebricamente.
No instante em que isto fosse possível, então já teríamos abandonado a terceira
dimensão para passar à quarta. Concomitantemente, quando chegássemos à quarta,
é óbvio que já aqui não nos encontraríamos para satisfazer o curioso. E nem
queremos argumentar ainda com a subjetividade de Kant, a fim de levantar uma
hipótese a mais, esta, dentro da sua conhecida crítica da razão pura (teoria do
conhecimento), visando a confirmar a tese de que o homem, afinal, não
conseguiria sequer apreender a realidade dos fenômenos (a coisa-em-si-mesma);
muitíssimo menos ainda a realidade de Deus.
Por tudo isso, a melhor explicação
de Deus há de ser, sem dúvida, aquela dada pelos Espíritos a Allan Kardec. É a
mais simples, porém a que melhor abrange toda essa difícil conceituação que
estamos tentando desenvolver. "Que é
Deus? - Deus é a Inteligência
suprema, causa primária de todas as coisas" ("O 'Livro dos
Espíritos", pág. 49, 21ª edição da FEB). E só.
Houvessem ido mais além e nos
confundiriam a razão. Mas a Revelação Espírita foi ditada não apenas sob a
direção de quem sabia o que fazia, mas depois de muito bem planejada, no Alto,
para servir ao presente de então e ao futuro de agora. Daí a resposta dos
Espíritos não chegar a ser uma definição propriamente, senão uma redundância
diante da qual se poderia indagar: mas o que é Inteligência suprema e a causa
primária de todas as coisas? Ao que nos responderiam: Deus. Um círculo vicioso.
Todavia, por ser a mais simples é a que melhor se aplica à realidade sem se
estender em divagações filosóficas que afinal desviariam o sentido da missão do
Codificador. Por isso mesmo, mais adiante os Espíritos afirmam: "Deus existe; disso não podeis duvidar e é o
essencial. Crede-me, não vades além. Não vos percais num labirinto donde não
lograríeis sair ( ... ) Estudai as vossas próprias imperfeições, a fim de vos
libertardes delas, o que será muito mais útil do que pretenderdes penetrar no
que é impenetrável ("O Livro dos Espíritos", pág. 53, 21.ª edição
da FEB).
Nessas condições, seria impossível
achar Deus? Claro que não. Diz-nos Emmanuel, em "Fonte Viva", pág.
342, 1ª edição: "Não perguntes se
Deus é um foco gerador de mundos ou se é uma força irradiando vidas. Não
possuímos ainda a inteligência suscetível de refletir-Lhe a grandeza, mas
trazemos o coração capaz de sentir Lhe o amor. Procuremos, assim, Nosso Pai,
acima de tudo, e Deus, Nosso Pai, nos escutará," Contudo, reconheçamos
lealmente que, para tal, impõem-se normas e merecimento. Sem desprezar
de todo o tomismo, nesse particular muito significativo, aqui entra em profusão
a Doutrina
Espírita com todo o seu enunciado espiritualista e seus princípios fenomênicos
já hoje comprovados da emancipação da Alma em determinados momentos de êxtase,
de sonambulismo, etc. Para melhor compreensão do que se vai expor, recordemos
antes de mais nada a lição de Cícero: "DEUS"
tal como O concebemos, apenas pode conceber-se como um Espírito puro,
independente e livre de todo o elemento material, um Espírito que percebe todas
as coisas, que a tudo imprime movimento, encerrando em Si mesmo o princípio do
movimento eterno," E lembremo-nos ainda de que o próprio Cristo disse: "Deus é
Espírito, e importa que os que O odoram, O adorem em espírito e verdade." (Jo. 4:24) .
Assim, pois, também é como Espírito que podemos aproximar-nos d'Ele. E
senti-Lo. E até vê-Lo, porque não? Detalhemos, porém: o Espírito, como centelha
divina, como sopro do Criador. Não nos referimos aqui à manifestação
perispirítica que se movimenta no plano de Além-Túmulo, nem tão pouco ao corpo
mental - modelo do corpo espiritual - de que nos fala André Luiz em
"Evolução em Dois Mundos", pág. 25, 1ª edição. Não nos referimos
sequer à própria individualidade, ao próprio "eu" da criatura. A
individualidade, afinal, ainda é conquista do Espírito. Falamos deste apenas,
deste que também "é" fora do bom-senso, da lógica e do conceptível,
tal qual Deus que assim o fez pela projeção do Seu pensamento. Quando dizemos
Espírito, queremos dizer o que "é" apenas, a causa primária
da individualidade, a geratriz do "eu", a substância mesma de Deus na
sua primeira origem, a criação do Criador nascida na sua mais pura e sublime
manifestação. Falamos da parcela de substância do Grande Todo, o primeiro
estado da projeção do Pensamento de Deus após a fase que vai do Reino Animal
para o Reino Humano. Falamos, enfim, do conteúdo fundamental do ser indefinível,
tanto quanto o próprio Deus.
Mas, dizíamos, em determinadas
condições abandonamos nossa natureza (de encarnados ou desencarnados) e
alcançamos o hiperespaço. E vamos mais longe, ao encontro de Deus.
Abstraindo-nos de toda materialidade que nos cerca, permitindo que nosso
Espírito (substância mesma de Deus) entre na dimensão de Deus, com Ele iremos
certamente comungar. Três métodos são eficientes para a conquista dessa glória:
o êxtase,
a prece ou a prática profundamente desinteressada do bem e do amor. É por isso
que os místicos se dizem normalmente em contato com Deus. É por isso que a
oração é capaz de fazer "milagres". É por isso que o amor constrói,
sozinho, mais do que qualquer outro sistema de trabalho. Nesses três estados é
deus imanente que sai de nós ao encontro de Deus transcendental. É a partícula
do Todo que vai comungar com o Uno. É a criatura face a face com o Criador. É a
imanência encontrando a transcendência. É o pessoal que entende o Impessoal. É,
ainda, o relativo que, descobre o Absoluto.
O raciocínio exposto implica na confirmação
do que já dissemos no Início deste artigo: Deus está igualmente em nós, está
também na Sua Criação, é por conseguinte imanente também. Não deve essa ideia
repugnar a razão de ninguém. O aspecto imanente de Deus pode ser - sem
descambarmos para o panteísmo - muito bem compreendido, através da linguagem
altamente filosófica do extraordinário Léon Denis, quando comenta em sua obra
"O Grande Enigma", pág. 19, 4ª edição: “Deus, tal qual o concebemos, não é, pois, o Deus do panteísmo oriental,
que se confunde com o Universo, nem o Deus antropomorfo, monarca do céu,
exterior ao mundo, de que nos falam as religiões do Ocidente. Deus é manifestado
pelo Universo - de que é a representação sensível - mas não se confunde com
este. De igual maneira que em nós a unidade consciente, a Alma, o eu, persiste
no meio das transformações do Universo e da incessante renovação de suas
partes, subsiste o Ser que é a Alma, a consciência, o eu que o anima e lhe
comunica o movimento e a vida." Deparamos assim, no campo do relativo,
com uma manifestação dualística da Criação, mas no campo do absoluto a sua
origem é essencialmente monística.
Foi, sem dúvida, referindo-se à
imanência de Deus que Jesus disse: “Vós sois todos deuses" (Jo. 10:34),
reafirmando o que antes já se dissera no Velho Testamento: “Vós sois deuses e
todos vós filhos do Altíssimo" (Salmos, 82: 6) .
O mesmo ensinamento Jesus nos
transmitiu quando afirmou em outras passagens evangélicas: “Eu e meu Pai somos um" (Jo. 10:30); reafirmando o que antes já se dissera no
Velho Testamento: “Vós sois deuses e
todos vós filhos do Altíssimo” (Salmos, 82:6). “Naquele dia conhecereis que estou em meu Pai e vós em mim, e eu em vós"
(Jo. 15:20); "Pai Santo, guarda em
teu nome aqueles que me deste, para que sejam um, assim como nós"
(João 17:11); “Para que todos sejam um
como tu, ó Pai, em mim, e eu em ti; que também eles sejam um em nós, para que o
mundo creia que tu me enviaste" (Jo. 17:21); “Eu neles e tu em mim, para que sejam perfeitos em um" (João
17:23).
Bem, fiquemos enfim por aqui, para
que não venhamos a cometer o imperdoável deslize (já será tarde?) de acabar,
por amor d'Ele e por descuido, tentando igualmente uma definição qualquer de
Deus. Continuemos a buscá-Lo sempre, principalmente dando cumprimento à Sua
imensa Lei de Amor, apanágio indispensável e inalienável para a
espiritualização individual e consequente ligação do relativo com o Absoluto.
Alimentemos indefinidamente a aspiração (possível e certa) de um dia
encontrá-Lo e poder com Ele, na promessa e na previsão do Cristo, comungar
intimamente. Essa aspiração, essa ânsia é bem natural e, já o dissemos, é a própria
intuição da existência de Deus dentro e fora de nós. Respeitemos todas as
definições como produto honesto desse anelo. Mas não deixemos de aprender
jamais que Deus é o Impessoal indefinível e superconcebível. E quando alguém
mais abalançar-se ainda à empreitada louca, respeitemo-lo; mas não percamos o
ensejo para ensinar-lhe ou recordar-lhe as palavras sábias, sempre sábias, do
imortal Léon Denis: “Há coisas que, de
tão profundas, só se sentem, não se descrevem" ("O Grande
Enigma", pág. 92 - 4ª edição).
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