terça-feira, 30 de dezembro de 2014

7e. AntiCristo senhor do mundo

7e

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            Transitoriamente, sim; porque o mundo, em meio dos formidáveis desmoronamentos a que, de dezesseis anos para cá, vimos assistindo, característicos da terminação de um ciclo evolutivo e histórico, está sendo preparado para um fecundo e definitivo renascimento espiritual, que só pode e só há de operar-se, consoante vozes proféticas o têm anunciado, com a eloquente confirmação dos fatos de que mais adiante falaremos, pela restauração da doutrina de Jesus em espírito e verdade.

            Sente-se, com efeito, ou melhor, sentia-se na fase precedente a que nos temos reportado, um anseio, de ano para ano acentuado, pelo advento de uma Era Nova. Ao mesmo tempo que as almas generosas, a que aludíamos há pouco, tornando-se eco das aspirações gerais, multiplicavam esforços na cogitação de medidas convergentes para a consecução da paz universal, nos círculos espiritualistas ganhava corpo a ideia de uma próxima renovação. Estimulava-se mediante o estudo comparativo de religiões, a tendência conciliadora no sentido de uma unificação religiosa, para a qual, esperava-se, contribuiria, mais que a simples divulgação, a propaganda intensa das doutrinas orientais, com o objetivo de uma aproximação preparatória. Anunciava-se a segunda vinda do Cristo, empenhando-se os fundadores da Ordem da Estrela do Oriente em preconizar a sua manifestação por um "veículo" adequado - um moço indiano, que estava sendo adestrado para essa mística investidura (1) - tendo, por seu lado, um eloquente orador e sacerdote católico - o padre Júlio Maria - realizado aqui no Rio uma série de conferências sobre o assunto de atualidade, que era aquele próximo advento, e "o fim do mundo", tomando por tema impressionantes passagens do Apocalipse.

            (1) Apreciaremos oportunamente a significação desse fato em nosso ponto de vista.

            Quaisquer que fossem os intuitos particularistas, os motivos tendenciosos ou as origens ocultas, de varia natureza, a que o movimento se prendia, certo é que, como um sinal dos tempos, acentuava-se desse modo a rumorosa expectativa da Era Nova, que viesse mudar a face do mundo e pôr termo às iniquidades pluriseculares, que o têm infelicitado.

            Mas sobreveio a grande conflagração, com os seus gigantescos esboroamentos, o colapso vital e financeiro das nações nela empenhadas e a considerável modificação do mapa politico da Europa, desviando, por força do imediatismo dos problemas postos em equação, a atenção de tudo o que não fosse a reparação dos calamitosos efeitos da catástrofe. A partir daí um precipitar de sucessivas crises não tem cessado de abalar os fundamentos da velha ordem político-social em que assentava a existência dos povos. A implantação do regime soviético na Rússia, cuja influência contagiosa não pretendeu atingir somente a remota China, tentando propagar ao Oriente, mediante repetidas guerras civis, a mesma violenta subversão dos valores humanos que inclui no seu programa de governo, mas tem procurado insinuar-se no ocidente, com idêntico objetivo; a tentativa republicana posta em prática na Alemanha, como um derivativo à formidável desorganização causada pela guerra, cujo desfecho acelerou; a transformação da mentalidade otomana, expressa no banimento de algumas das tradições, usos e costumes nacionais, como um índice de adaptação às tendências renovadoras de que a grande conflagração foi, por excelência, a geratriz ; esses e outros vertiginosos sucessos, mais tarde seguidos de outros, como a recente “desobediência civil" na Índia, em que o Mahatma Gandhi, interrompendo momentaneamente a sua função de líder religioso, se tem convertido em agitador político, para promover a emancipação de sua pátria e de sua raça do secular domínio britânico, de tal modo têm absorvido as atividades no velho mundo, asiático e europeu, como uma necessidade imediata e preparatória de outros sucessos de mais elevada significação e importância, que o problema da renovação espiritualista teve que ser, forçosa e temporariamente, posto de lado.

            Complicando as subversões e tentativas de subversão politica, senão constituindo, sob determinado aspecto, o seu fator primacial, os interesses econômicos têm determinado um retrocesso nas tendências e aspirações de certos povos, como sucedeu na Itália, em que o fascismo, instituído num rasgo de audácia, para salva-la da anarquia, e seguido da implantação do regime ditatorial em outras nações latinas, vítimas da mesma inquietude e desorganização suscitadas pela guerra, outra coisa não fez senão abrir caminho para o que um estadista inglês denominou "a crise do liberalismo", e restaurar, como nas sociedades semibárbaras do passado, a supremacia da força no governo dos povos, com proscrição de todo idealismo, sobre o qual pretende consolidar o seu triunfo, assegurando a ordem material, sim, mas cometendo o grave erro de fazer consistir no bem estar dessa natureza, de resto só transitoriamente conseguido, o supremo objetivo da nacionalidade a cujos destinos vem presidindo.

            Sem duvida a vida material tem para o homem implacáveis exigências que o arrastam, quando não satisfeitas, à prática de desvarios, imposta pela natureza animal nele preponderante. E é por isso que a generalização, verdadeiramente mundial, da crise econômica nos últimos, recentes anos, gerada pela superprodução, avolumando de modo assustador o exército internacional dos "sem trabalho", vem constituindo a absorvente e, por assim dizer, exclusiva preocupação dos estadistas de todas as latitudes, obrigados a procurar-lhe urgente solução, antes que as graves e ameaçadoras perturbações, que traz no bojo, se convertam em realidade. Quando, pois, o instinto de conservação, imperioso no individuo como nos conglomerados humanos, formula por tantos rugidos surdos as suas exigências, perder-se-iam no vácuo as vozes que falam de espiritualidade.

            E, todavia, são esses mesmos pródromos da grande crise final que se avizinha, agravados pelas calamidades que lhes farão cortejo - convulsões da natureza física, peste, fome, possivelmente a "guerra química" em diabólico preparativo - que hão de compelir o mundo à cogitação do magno problema.

            Queiram, com efeito, ou não queiram os materialistas de todos os matizes, "nem só de pão vive o homem", segundo a palavra da Escritura. Vive, e deve sobretudo viver, "de toda palavra divina". Porque essa palavra tem sido sonegada ao povo, em sua clara e verídica expressão, e feito objeto de exploração das castas sacerdotais em todo o mundo, é que a humanidade se vê, de todos os lados, premida de males que os seus responsáveis visíveis se tornaram incapazes de remediar.

            Crises politicas, crise econômica e financeira, crise religiosa - porque ela aí está também visível no desprestígio e impotência das religiões para restabelecer a confiança, a paz e a harmonia entre os homens - são modalidades várias de uma crise única, isto é, crise espiritual, que se traduz pela depressão do caráter, nas classes intelectualmente superiores, e em todas as camadas sociais pela dissolução de costumes, a hipertrofia do egoísmo e o culto excessivo da matéria. Quando essa crise atingir o apogeu, a que rapidamente se encaminha, e as calamidades de toda ordem lançarem a humanidade na anarquia e desespero, será forçoso procurar a salvação.

            De onde virá ela? Da ciência? - Mas a ciência humana, fragmentaria, materialista e orgulhosa, cuja falência, de resto, já foi, há meio século, proclamada por Brunetière, será capaz de realizar esse prodígio? Poderá vir de uma nova religião a salvação para a humanidade?

            Numa época menos angustiosa que a nossa, pelo menos em seus caracteres universais, um clarividente sacerdote cristão - e dizemos propositadamente cristão e não católico - o abade Lamennais, golpeado de decepções pelo partido politico do Vaticano, formulou no livro ‘Affaires de Rome’, em que teve necessidade de lançar a público a odisseia do seu ministério na França, historiando com vivacidade e intrepidez, não destituídas contudo de humildade, da qual jamais se apartou, o malogro de seus esforços no sentido de reconciliar a igreja com o espirito do Cristianismo, formulou - dizemos - uma admirável profecia, com que nos apraz encerrar esta primeira parte do nosso trabalho.

            Precedeu-a de uma síntese expressiva da situação geral dos espíritos e das aspirações e necessidades do seu tempo, nestes termos, que convém reproduzir para mais clara e coordenada compreensão do vaticínio que pôs, como, remate, no seu livro:

            "Observai - disse ele - o estado dos espíritos: após uma época de dúvida, efeito inevitável de causas de ora em diante suficientemente conhecidas, sentiram-se eles mal no vácuo produzido. Ao homem é necessária alguma coisa mais que a mera ciência circunscrita em limites que tão rapidamente são alcançados. Uma eterna aspiração rumo do infinito, isto é, da causa perpetuamente incompreensível de tudo o que existe, constitui o instinto religioso nele imperecível. Despertado, em nossos dias, no recesso das almas, onde se havia como, transitoriamente adormecido, esse instinto as inquieta e atormenta, fazendo-as experimentar, no que de mais elevado e íntimo possuem, uma d'essas dores, inexprimíveis que empolgam as criaturas, ao ser violada uma das leis primordiais de sua natureza. Daí essas tentativas tão veementes quão frustrâneas, esses esforços inauditos empenhados em criar uma religião, como se tal coisa se criasse, como se a religião não fosse, de par e simultaneamente, a lei invariável e a palpitante energia que une entre si os seres criados, unindo-os ao seu autor. Falhou e devia falhar a tentativa, porque o Cristianismo, quaisquer que sejam as aparências contrárias, não tem cessado de dominar os povos, nem dele se podem estes separar mais do que poderiam separar-se de si mesmos, pois que que ele, e somente ele, encerra o que lhes há a de satisfazer os desejos que os agitam, possui em si o principio real de seu desenvolvimento futuro; tanto como o de seu desenvolvimento passado. Em sua essência, expressão perfeita das leis da humanidade, não será jamais esgotado pela humanidade. O mundo, que o parece desconhecer atualmente, a ele tornará, porque é ele que impulsiona o mundo: Mens agitat molem..."
           
            "Mas, se os homens - continua - premidos pela imperiosa necessidade de reconciliar-se, por assim dizer, com Deus, de preencher o vácuo imenso neles produzido pela ausência da religião, se tornarem novamente cristãos, não se suponha que o Cristianismo, a que se hão de apegar, possa jamais ser o que lhes é apresentado sob o nome de catolicismo. Já o explicamos porque, mostrando em um futuro inevitável e próximo o Cristianismo concebido e o Evangelho interpretado de um modo pelos povos e do outro pelo entendimento de Roma; de um lado o pontificado e do outro a raça humana: está dito tudo. Não será, menos ainda, coisa alguma que se assemelhe ao protestantismo, sistema espúrio, inconsequente, estreito, que, sob uma falaciosa aparência de liberdade, se resolve, para as nações, no brutal despotismo da força e, no que respeita aos indivíduos, no egoísmo."

            E aqui vem, positivo, clarividente, o vaticínio:

            "Ninguém poderá prever como se há de operar essa transformação ou, se o preferirem assim denominar, esse movimento novo do Cristianismo no seio da humanidade; mas há de, sem a mínima dúvida, operar-se, e grandes massas de homens serão atraídas para a sua órbita, não por um repentino impulso, o que significaria não mais que uma transitória perturbação. Há de ser, ao começo, como um ponto apenas perceptível, uma diminuta agregação, de que se hão de rir talvez. Pouco a pouco esse ponto crescerá, essa agregação se há de ampliar, para ela hão de os homens afluir de toda parte, porque será um refúgio para quem padece na alma e no corpo. E a humilde planta se converterá numa árvore cujos ramos cobrirão a terra, e sob a sua fronde virão abrigar-se os pássaros do céu. É o que não vacilamos em anunciar com profunda convicção. Os que se ufanam de conduzir o gênero humano por caminhos que o extraviam de seu objetivo, perigosamente se equivocam. Mas é necessário que aconteça o que deve acontecer e que cada qual vá para onde deve ir. Glória a Deus no mais alto dos céus e paz na terra aos homens de boa vontade!"

            Essa resoluta profecia, feita "com profunda convicção" e rematada, como se vê, com o mesmo hino de glorificação entoado pela "multidão da milícia celestial" que aos humildes pastores, nas montanhas da Judeia, viera anunciar o nascimento do Salvador do mundo - cumpre assignalar - foi estampada na edição de 1836-1837 do mencionado livro Affaires de Rome (páginas 301 a 303), formulada, portanto, muitos anos antes de esboçar-se o movimento de renovação espiritualista contemporâneo, cujas primeiras, indecisas manifestações, mais tarde contudo acentuadas no sentido de restabelecer, em espírito e verdade, o Evangelho, não vieram a público senão depois da segunda metade do século passado. Nas páginas subsequentes às considerações que nos parece oportuno, como esclarecedor intermédio, aduzir em seguida, ver-se-á com que surpreendente exatidão essa profecia se realizou, pelo menos em sua primeira parte.

            Mas o que não pode o abade Lamennais prever - e é essa a tarefa que nos temos, penosa e voluntariamente, imposto - foram as obstinadas investidas que mais uma vez lançaria o AntiCristo contra a humilde planta renascida, para impedir-lhe o crescimento e sufocar lhe a expansão.

            Por quanto tempo? - Ao Senhor pertence abrevia-lo, a nós, homens, cooperar com Ele, orando, vigiando e agindo, a fim de que a segunda parte da profecia e sua radiosa culminância tenham também completa realização.

            Antes que este século haja terminado.

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            Como informamos, pararemos aqui a postagem desse livro raro. A partir daqui, sua temática passaria a abordar uma difícil situação acontecida a 100 anos atrás que deve ficar guardada no passado. O Blog 

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