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‘Sonhos Estelares’ de Camille Flammarion
(Edição FEB - 1941 com tradução de Arnaldo S. Thiago)
Os
organismos que vivem na superfície das diversas moradas do espaço são a
resultante das forças em atividade sobre cada mundo. A forma humana terrestre
tem por origem as formas ancestrais da longa série animal, de que aquela forma
gradualmente saiu e de que é a mais alta manifestação, e essas formas animais
primitivas remontam sucessivamente, por elos ininterruptos, até os organismos rudimentares,
desprovidos dos sentidos que são a glória do homem, pelos quais a vida
inaugurou suas manifestações; organismos bem rudimentares, com efeito, aos
quais hesitamos em dar o título de seres viventes, que não se podem chamar
animais nem vegetais, que ainda não são nem uma nem outra coisa e que nos
aparecem no estado de substâncias organizadas, já distintas do reino inorgânico,
se bem que ainda simples combinações químicas trazendo em si uma espécie de
vitalidade confusa, protoplasma elementar, gérmen de todos os desenvolvimentos
futuros da vida terrestre, animal e vegetal. Os primeiros seres organizados formaram-se
no seio das águas tépidas dos oceanos que cobriam toda a superfície do globo
terrestre na origem dos períodos geológicos. Sua natureza intrínseca, suas
propriedades, suas faculdades, eram já a resultante da composição química
dessas águas, da densidade, da temperatura, do meio ambiente; as variações
desse meio e das condições de existência produziram variações correlativas nos
desenvolvimentos dessa árvore genealógica, e, segundo os organismos tenham
habitado as regiões profundas, médias ou superficiais das águas, as praias, as
planícies baixas e úmidas, as encostas ensolaradas ou as montanhas, a árvore
genealógica desenvolveu-se, dando nascimento a organismos sempre e cada vez
mais diversificados.
A
humanidade terrestre atual é a última flor, o último fruto dessa árvore. Mas
essa vida toda é terrestre, desde suas raízes até as suas mais elevadas
manifestações, e em cada mundo a árvore genealógica é diferente. A vida é
netuniana em Netuno, uraniana em Urano, saturniana em Saturno, siriana no
sistema de Sirius, arcturiana no de Arcturo, isto é, apropriada a cada meio ou,
para dizer mais claramente, mais rigorosamente ainda, produzida e desenvolvida
por este ou aquele mundo, segundo seu estado físico e mediante uma lei
primordial a que obedece a natureza inteira: a lei do Progresso.
Essa
imensa sinfonia da vida, adaptada a cada mundo, segundo as condições do espaço
e do tempo, se desenvolve como um coro universal cujas vozes fossem separadas
umas das outras por desertos de espaço e por eternidades de duração. Parece-nos
ele descontinuo, porque não podemos ouvir-lhe senão uma nota de cada vez. Em
realidade, porém, não há separação absoluta de espaço nem de tempo. Júpiter não
será habitado por seres pensantes senão milhões de anos depois da Terra: sob o
ponto de vista do absoluto, a diferença de data não é maior que o intervalo de
tempo que separa o dia de ontem do de hoje.
Tudo
isso se passa, se efetua, executa-se naturalmente e como se Deus não existisse.
E, com efeito, o ser definido pelos habitantes da
Terra, até aqui, como deus, não existe. O Buda dos Chineses, o Osíris dos Egípcios,
o Javé dos Hebreus, o Ormuzd e o Ahriman dos Persas, o Teutates dos Gauleses, o
Júpiter dos Gregos, Deus-Pai ou Deus-Filho dos cristãos, ou grande Alá dos muçulmanos,
são concepções humanas, personificações inventadas pelo homem e nas quais ele
encarnou não somente suas aspirações mais elevadas e suas virtudes mais sublimes,
mas ainda e sobretudo suas prevaricações
mais grosseiras e seus vícios mais perversos.
O
homem concebeu um deus à sua imagem. É em nome desse pretenso deus que monarcas
e pontífices têm, em todos os séculos e sob a capa de todas as religiões,
submetido a humanidade a uma servidão de que não pode ainda libertar-se: é em
nome desse deus que "protege a Alemanha", que "protege a
Inglaterra", que "protege a França", que "protege a Itália",
que "protege a Rússia”, que "protege a Turquia", que protege
todas as dissenções e todas as barbarias; é em nome dele que, ainda em nossos
dias, os povos pseudocivilizados de nosso planeta, estão perpetuamente armados
em guerra uns contra os outros e excitados como cães furiosos a se precipitarem
em uma refrega, acima da qual a hipocrisia e a mentira, assentadas sobre os
degraus dos tronos, fazem reinar o "deus dos exércitos" que benze os punhais e mergulha suas mãos no sangue
fumegante das vitimas, para marcar com ele a fronte dos potentados coroados. É
a esse deus que se elevam altares e cantam-se Te-deum. Foi em nome dos
deuses do Olimpo que os Gregos condenaram Sócrates a beber cicuta; foi em nome
de Javé que os príncipes dos sacerdotes e os fariseus crucificaram Jesus: foi
em nome de Jesus, tornado deus a seu turno, que o fanatismo fez ignominiosamente
subir à fogueira Giordano Bruno, Vanini (Lucilio
Vanini (1585 – Fevereiro 9, 1619, morreu queimado por ser herético. Antes foi
torturado e teve sua língua cortada) , Etienne
Dolet (3 Agosto 1509 - 3 Agosto 1546 morreu queimado
junto com seus livros. O motivo? heresia!), João Huss
(vide Blog),
SavonaroIa (vide Blog), e tantas
outras heroicas vitimas; que a inquisição impôs a Galileu mentir à sua consciência;
que milhares e milhares de desgraçados, acusados de feitiçaria, foram queimados
vivos, em cerimônias populares; que Ravaillac (c.
de 1577, Angoulême - 27 de Maio de 1610, Praça de Grève, Paris) apunhalou Henrique IV. Foi com a bênção
expressa do papa Gregorio XIII que as matanças da noite de São
Bartolomeu ensanguentaram Paris e que os livres pensadores da Reforma foram
expulsos de França; foi para abolir pretensas heresias que milhares e milhares
de pessoas respeitáveis foram queimadas vivas. Empunhando a cruz foi como os
Espanhóis massacraram selvagemente os pacíficos indígenas da América. Foi em
nome dos deuses adorados em Roma, que os mártires cristãos sofreram os mais
aterradores suplícios; foi em nome do deus cristão que os energúmenos do bispo
São Cirilo lapidaram a bela e sabia Hipatia (ca.
AD 350–370–8 de março de 415) foi uma filósofa do Egito Romano, morreu assassinada
por uma multidão de cristãos depois de ser acusada de exacerbar um conflito
entre duas figuras proeminentes na Alexandria) e
que mais tarde o bispo de Beauvais conduziu à fogueira a virgem de Domrémy (Joana D’Arc); foi em nome da Bíblia que os reis do
"povo de Deus" exterminaram ferozmente os seus vizinhos; foi em nome
de Alá que os estandartes de Maomé cobriram a Europa de exércitos de assassinos
e que ainda hoje milhões de fanáticos estão prontos a levantar-se contra os
Europeus, ao grito da guerra santa; que Maomé II avermelhou as paredes de Santa
Sofia com os peitos ensanguentados de seu cavalo; que Genghis Khan (1162 - 18 de agosto de 1227) e Tamerlão
(Kesh, atual Shahrisabz, Uzbequistão, 8 de
abril de 1336 – Otrar, perto da atual Shymkent, Cazaquistão, 18 de fevereiro de
1405) assinalaram os caminhos de suas conquistas
por pirâmides de cabeças decepadas; é em nome de tais inspiradores imaginários
que ainda atualmente tantas almas piedosas e inúteis se condenam a bizarras
penitências nos conventos, que os stropzi (assassinam) e mutilam, que os dervixes (praticante
aderente ao islamismo sufista) girantes e uivantes
agitam-se em contorções desordenadas que certas seitas estrangulam crianças e
bebem-lhe o sangue. Fanatismo religioso leva à loucura. Mostra-nos a história
que a dominação teocrática é a mais intolerante e a mais pesada de todas as
tiranias. As guerras de, religião tem sido as mais horríveis e as mais odiosas
de todas e também as mais insensatas: tem-se praticado assassínios por motivo
de interpretações de palavras, por causa de simples adjetivos, pela "consubstancialidade"
do Filho e do Pai, na Trindade, por "homoios" (similares) contra "homoousios" (da mesma substância, consubstancial ou de
igual substância), por mil outras frivolidades postas acima da
razão mais elementar e proclamadas artigos de fé em nome de um deus! Símbolo da
opressão dos povos, do assassinato e do roubo, tal ser infame não existe, nunca
existiu.
Fazendo
um deus à sua imagem, tão miserável como eles mesmos, os homens assemelham-se a
macacos que, supondo elevar-se à ideia de Deus, tivessem feito dele um grande
macaco - a cães que dele fizessem um grande cão - a pulgas que o representassem
sob a forma de uma grande pulga.
Mas,
do fato de que esse deus minúsculo não existe, não se segue que o universo
marcha sem desígnio, sem objetivo e sem leis. Se os crentes de todos os ritos
estão em erro, os negadores de todo princípio intelectual não o estão menos.
Sim,
a evolução da natureza efetua-se sem os gestos de um deus antropomorfo, sem
malignidade como sem milagres, O único nome que conviria a Deus é o de
Incognoscível. Deus permanece oculto pela própria perfeição do mecanismo da natureza:
em um corpo são, não se percebe a marcha do sangue no coração, nem a circulação
no cérebro, nem o ar nos pulmões, nem o fígado, nem os rins, nem o estomago,
nem as entranhas: a atenção não é solicitada para estes órgãos senão quando
funcionam mal. O universo é organizado de tal sorte, que parece conduzir-se por
si mesmo - e essa é a sua qualidade divina. Tudo funciona regularmente por uma
construção perfeita, cujas engrenagens são invisíveis e silenciosas. construção
que não podemos julgar pelo fragmento infinitesimal de que fazemos parte e cuja autoria cabe a um pensamento transcendente,
impenetrável ao homem. A Força rege a matéria: Mens agitat molem; um
Pensamento dirige a natureza.
Sim.
O Ser supremo é incognoscível. A mentalidade humana não pode compreender o espírito
infinito, eterno, imutável, organizador de um Todo de que a Terra e o homem são
partículas tão imperfeitas quanto medíocres... Esse Infinito é para o deus
infantil imaginado pelo homem, o que o sol do meio dia é para a obscuridade lamacenta
de um buraco de toupeira sob as raízes da erva de uma campina. Sua existência é
demonstrada pela organização universal. Tudo é organizado desde a mais humilde
das folhas até aos movimentos do sistema do mundo. Um elemento invisível,
imaterial, de ordem psíquica, ainda insuficientemente determinado por nossos meios
de investigação mostra-se em nós e ao redor de nós. Esse princípio espiritual
deveria ser respeitado como envolvendo o mundo e contendo-nos em si. Mas a
clerezia de todas as religiões, de todos os tempos e de todos os países, sempre
monopolizou a ideia de Deus e apropriou à sua ambição dominadora, exclusivista
e intolerante. Quando esses clérigos falam de Deus, referem-se ao deus deles:
os espíritos livres que não admitem o personagem criado por eles, são tratados
de ateus e perseguidos como tais pelos seus ódios. Não querem admitir que
alguém possa ser deísta e anticlerical. Entretanto não são eles assaz destituídos de inteligência para saberem
que é uma injustiça, uma inépcia e uma mentira tratar de ateus os pensadores
que negam a divindade de Jesus. Os homens que ousam tornar Deus bastante
pequeno para amoldá-lo ao seu
proprio talhe (*) e mete-lo mesmo em seus bolsos.
São os maiores blasfemadores.
(*) Conheci um padre que se familiarizara a tal ponto com a ideia de
Deus, que, ao passar diante do altar que continha o Santíssimo Sacramento, em
lugar de se inclinar piedosamente, em genuflexão, perante Ele, chegara ao cúmulo
de lhe não dirigir mais do que uma pequena saudação com a cabeça, parecendo
tratá-lo de igual para igual, por pura cortesia. Era um prelado, camareiro de
capa e espada do Santo Padre.
É
singular que o homem, absolutamente grosseiro, selvagem, bárbaro, como ainda é,
apenas saído da carapaça da ignorância primitiva, incapaz, como é, de conhecer
mesmo o seu próprio corpo, tendo apenas começado a soletrar o grande livro do
universo, tenha ousado, de boa fé, definir Deus. Não conhece o seu formigueiro
e teve a pretensão de descobrir o Incognoscível.
Em
uma época em que não se sabia absolutamente nada; em que a astronomia, a física,
a química, a historia natural, a antropologia não tinham ainda nascido; em que
o espírito, fraco, soltando apenas os primeiros vagidos, era rodeado somente de
ilusões e de erros, a audácia humana concebeu as pretensas religiões reveladas
e os deuses colocados à sua frente!
Que
Confúcio, Buda, Moisés, Sócrates, Jesus ou Maomé tenham sonhado em dar aos
homens um código de moral, destinado a desprendê-los da barbárie e a elevá-los
na ideia do bem, tais tentativas, tais obras não podem receber senão as
homenagens e admiração de todos os que se preocupam com o progresso intelectual
e moral da humanidade. Que os fundadores e os organizadores dos ritos religiosos
tenham colocado à frente de cada culto um Ser ideal inatacável, em nome do qual
pretendiam exercer o mando, ainda nisso se pode reconhecer uma obra útil sob o
ponto de vista social mas cujo valor não ultrapassa a ordem mundana e não tem
outro objetivo além do interesse geral dos homens e das sociedades. Mas que esses
deuses inventados pelos homens tenham sido considerados como existindo
realmente - em um céu aliás absolutamente imaginário e que se desmoronou às
primeiras conquistas da astronomia; - que tenham sido eles e ainda sejam adorados
por uma parte do gênero humano, e que, mesmo em nossa época, legisladores de
todos os países pretendam ainda fazer politica em nome do direito divino,
mostrando o sinal do "dedo de Deus" sobre as chagas mais monstruosas
do corpo social e decorando com a imagem de uma providencia local as suas
bandeiras de guerra, como ao tempo de Joanna d'Arc, de Constantino ou de Davi -
eis aí certamente um anacronismo chocante, um misto de impostura e de credulidade,
de hipocrisia e de estupidez, indigno da era de estudo leal e positivo, na qual
vivemos e que levaria ao desprezo de qualquer homem independente, todos os
funcionários que vivem às expensas de um tal sistema.
As
definições são enganadoras. Dar-se-á que os pagãos Sócrates, Platão,
Aristóteles, Marco_Aurélio, PIotino não foram mais puros espiritualistas do que
o papa Alexandre VI e o cardeal-arcebispo Dubois, verdadeiros ateus?
A
pesquisa da natureza da causa primária - não digo o "conhecimento de
Deus", pretensão digna de um teólogo e em si mesma absurda - mas
unicamente a pesquisa do Ser absoluto, da origem da energia que sustém, anima e
rege o universo, da força inteligente que age universalmente e perpetuamente
através do infinito e da eternidade e dá nascimento às aparências que impressionam
os nossos olhos e são estudadas pelas nossas ciências, essa pesquisa, digo, não
podia ser empreendida, nem mesmo legitimamente concebida, antes das primeiras
descobertas da astronomia e da física modernas, isto é, antes das investigações
de Galileu, de Kepler e de Newton.
Não
há mais de dois séculos que a ideia religiosa pura, liberta das idolatrias, das
mitologias de toda ordem, dos erros e das superstições produzidos pela ignorância
primitiva; não há mais de dois séculos que essa ideia pode surgir da evolução
científica moderna. Todas as religiões atualmente existentes foram fundadas nas
épocas de ignorância, em que nada se sabia, nem a respeito do céu nem a
respeito da terra. A verdadeira religião, isto é, a união dos espíritos livres na
pesquisa da Verdade, não poderá ser senão a obra de uma época tal como a nossa,
na qual alguns espíritos corajosos e desinteressados se terão desprendido da
hipocrisia das falsas doutrinas, sem se deixarem por isso tombar no ateísmo pueril
dos espíritos fúteis que não vêm mais longe do que a superfície, espíritos
esses que aplicarão sinceramente e livremente todos os ramos da ciência na
pesquisa da constituição íntima do universo e do ser humano. O futuro nos
instruirá. Hoje, pouco sabemos: apenas começamos a aprender.
O
Deus desconhecido, adivinhado pelos pensadores, por Sócrates, por Platão, por
Marco Aurélio (26 de abril de 121 — 17 de março de 180), foi
imperador romano desde 161 até sua morte. Dedicou-se à filosofia, especialmente à corrente filosófica do
estoicismo, e escreveu uma obra que até hoje é lida: Meditações (wikipedia.com), por Voltaire (tão ardente deísta como violento
anticlericalista}, por Newton, por Descartes, por Linneu botânico, zoólogo e médico sueco. Nasc. 23 de maio de 1707 Morte: 10
de janeiro de 1778), por Euler (Basileia,
15 de abril de 1707 – S. Petersburgo, 18 de setembro de 1783) foi um grande
matemático e físico suíço de língua alemã, por Spinoza,
por Kant, por todos os deístas puros, domina imensamente por sua grandeza todas
as pobres invenções das clerezias de todos os cultos. Não se vê o Criador dos
cem milhões de sóis da Via láctea contemplando uma pequena aldeia da Judeia e
inspirando a Judith a ideia de ir seduzir Holofernes, para cortar lhe traiçoeiramente a cabeça, após
havê-lo embriagado com as suas carícias (Segundo relata a Biblia, o rei de Babilônia Nabucodonosor enviou
Holofernes para vingar-se das nações que haviam prejudicado a seu reino.
Durante o sítio a Betulia feita por Holofernes, Judith, uma bela viúva judia que se introduziu no
acampamento de Holofernes, bebeu com o general e o embebedou, para então
decapita-lo enquanto dormia. Após, ela regressou à Betulia com a cabeça do
general e os judeus venceram o inimigo) ou conferindo
a Josué o poder de deter a marcha do sistema do mundo, para lhe dar tempo de
exterminar os sitiantes de Gabaon (cidade de
Israel)! Que ideia então faziam semelhantes
escritores do Ser Supremo; e que ideia continuam a fazer dele os predicadores
que continuam a ensinar esta "Escritura santa"? (*)
(*) A objurgatória de Flammarion deve ser aplicada aos que tomam à letra
as passagens da Escritura, que, interpretadas em espíríto e verdade, constituem
a fonte da eterna sabedoria. NOTA DO TRADUTOR.
O
Infinito não pôde ser compreendido pelo finito. Aquele que fez a volta ao mundo,
que visitou a Europa, a Ásia, a África, as Américas, raciocina de um modo
incomparavelmente mais amplo, do ponto de vista do estado da humanidade, do que
quem jamais saiu de seu país. Entre as ideias estreitas, incompletas, ilusórias,
falsas deste e as apreciações gerais, justas, judiciosas, exatas do primeiro, há
a diferença da noite para o dia.
Desgraçadamente,
pregamos no deserto. Para um homem que raciocina, há cem que não raciocinam. As
lutas contra a dominação dos diretores de consciência são, aliás, bastante platônicas
e o clero as despreza, com autoridade. A Igreja organizou o casamento, o
nascimento e a morte por meio de cerimonias que seduzem a imaginação e agradam às
mulheres. Comparai o casamento civil e o casamento religioso, o primeiro frio,
sem brilho, insípido, glacial; o segundo pomposo, elegante nas cerimonias do
altar enfeitado de flores e no encanto da música fazendo descer o Criador para
o seio da esposa "Veni Creator Spiritus!" (Vem Espírito Criador) é um hino da Igreja Católica. Levareis séculos para substituir o segundo casamento pelo primeiro.
Tal pai de família, livre-pensador, não fez batizar seus filhos para lhes
deixar inteira a liberdade de consciência. Tinha quatro rapazes. Os quatro filhos
fizeram-se todos batizar na véspera de seu casamento, porque suas noivas
desejavam casar-se na igreja. Fé ou convenção, é assim que o mundo marcha... E
os padres sorriem da ingenuidade dos leigos.
O
que é o domingo, para a maior parte dos cristãos? Um dia de belas toaletes.
As tradições criaram uma "sociedade distinta", quase sempre
hipócrita, à qual é de bom tom pertencer. Entretêm-se erros seculares, sem neles,
por isso, acreditar-se. As convenções dirigem as pessoas de "bom
senso".
Por
outra parte, confessemo-lo, quantos vivem desses erros, desses prejuízos, que
exploram de diversos modos e sobre os quais regulam os seus interesses,
enganando uns, lisonjeando outros, bajulando os vaidosos, adaptando seu modo de
existência às convenções vantajosas e continuando a sociedade burguesa muito
simplesmente, porque isso é mais simples e mais vantajoso, sem nenhuma
preocupação da verdade e sem independência de espírito! A Razão e a sabedoria, que
deveriam ser a regra, são exceção e os extremos reinarão por muito tempo:
crédulos de um lado, negadores radicais do outro, estando os sábios no centro,
em minoria minúscula. - e o interesse pessoal tudo dominando!