XXV a
‘Apreciando a Paulo’
comentários em torno
das Epístolas de S. Paulo
por Ernani Cabral
Tipografia Kardec - 1958
“E digo isto: Que o que semeia
pouco, pouco também ceifará;
e o que semeia em abundância, em
abundância também ceifará.
Cada um contribua segundo propôs no
seu coração;
não com tristeza ou por necessidade;
porque Deus ama o que dá com
alegria.
E Deus é poderoso para fazer abundar
em vós toda a graça,
a fim de que tendo sempre, em tudo, toda
a suficiência,
abundeis em toda a boa obra;
Conforme está escrito: Espalhou, deu
aos pobres;
a sua justiça permanece para sempre.
(Paulo - Segunda Epístola
aos Coríntios, 9:6 a 9)
“Fora
da caridade não há salvação”, eis uma das afirmativas fundamentais do
Espiritismo, que deve ser entendida como norma de conduta do verdadeiro
cristão.
O esclarecimento pessoal é útil e
indispensável, mas a prática da caridade é maior. Paulo o confirma no capítulo
treze de sua Primeira Epístola aos gregos de Corinto, quando começa decantando
o valor excepcional da caridade, para terminar proclamando, no versículo treze:
“Agora,
pois, permanecem a fé, a esperança e a caridade, estas três, mas a maior destas
é a caridade.”
A caridade é o perfume do amor, a
expressão de sua generosidade e da elevação do Espírito em busca de Deus, que
também é caridade ou amor. (I João, 4:8).
O amor vive e palpita dentro de nós
mesmos, como requinte e superioridade do sentimento ou manifestação do reino de
Deus, mas exterioriza-se pela caridade, que é carinho, brandura, tolerância,
compreensão, abnegação e bondade.
São Paulo assim define a virtude
excelsa: “A caridade é sofredora, é benigna, não é invejosa, não trata com
leviandade, não se ensoberbece; não se porta com indecência, não busca os seus
interesses, não se irrita, não suspeita mal; não folga com a injustiça, mas
alegra-se com a verdade; tudo sofre, tudo espera, tudo suporta. A caridade
nunca falha!” (I Cor., capo 13.)
Portanto, toda a vez que, no lar ou
fora dele, com ou sem razão, nos irritamos, faltamos à caridade.
Se procedermos no mundo com
leviandade, com ironia (que às vezes fere profundamente), com interesse ou com
segundas intenções, estaremos agindo sem caridade. A atitude do espírita-cristão
deve ser simples e reta, sem nada ocultar com malícia; seu procedimento
não deve ser dúbio, satírico ou provocante, mas bondoso e compreensivo. Se
folgarmos com o sofrimento de alguém ou com uma injustiça a outrem cometida,
mesmo que não tenhamos participado do fato; se suspeitarmos mal ou dermos curso
a qualquer maledicência, mesmo com visos de verdade, faltaremos à caridade.
Entretanto, tenhamos presente que o genuíno espírita-cristão é nobre e
generoso, não dando curso às maldades e sabendo perdoar.
Enfim, examinando-se qualquer
pecado, qualquer ato impuro, inferior ou indigno, ver-se-á que ele é fruto do
egoísmo e a negação da caridade - flor sublime do Espírito.
Os atos positivos são amorosos; os
negativos são egoísticos ou pecaminosos.
Os Mensageiros do Senhor ensinam que
a caridade é material ou moral.
“O Evangelho segundo o Espiritismo”,
de Allan Kardec, dedica seu capítulo XV ao tema que ora desenvolvemos. Há ali
comunicações proveitosas de Espíritos de luz, que focalizam e examinam
o assunto com muita clareza e com verdadeiro sentimento cristão.
É claro que a caridade material deve
envolver sempre um propósito moral. Porém, se a criatura tem fome, Se está
desnuda, não lhe bastam as boas palavras, ela precisa também de pão
e de roupas. Daí o muito que temos a fazer nesse campo de atividades, através
de abrigos para a velhice e para a criança desamparada, e ainda por meio de
outras realizações filantrópicas.
A esse propósito, o dever maior é do
Estado, não resta dúvida; mas os espíritas devem agir, como vem fazendo,
supletivamente, dentro dos ensinos
generosos do Rabi da Galileia.
Mas lembremos sempre, a respeito, os
seus ensinamentos: “Quando pois deres
esmola, não faças tocar trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas
sinagogas e nas ruas, para serem glorificados pelos homens. Em verdade vos digo
que já receberam o seu galardão. Quando tu deres esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita.
“Para
que a tua esmola seja dada ocultamente; e teu Pai, que vê em segredo, te
recompensará publicamente.” (Mateus, 6:2 a 4)
Por consequência, ao darmos esmolas
ou quando auxiliarmos alguém, guardemos reservas sobre o fato, porque a
publicação de favores pode humilhar, e quem humilha seu semelhante, falta-lhe
com a caridade. Esta não pode ser objeto de alarde, mas expressão singela e
generosa do coração. Destarte, não é justo que façamos de um lado e
desmanchemos por outro... trombeteando a magnanimidade feita ou deixando
transparecer o gesto, para receber elogios dos homens. Nada de ostentação na
prática do bem, nem mesmo em qualquer ato de nossa vida, pois o cristão deve
praticar a modéstia, que também é virtude evangélica.
Assim como Deus ama o regenerado,
ama outrossim a quem dá com alegria, como disse Paulo.
Portanto, se um pobre nos bater à
porta em hora que nos pareça inconveniente (não a ele, que precisa), se for
impossível atendê-lo, pelo menos não demonstremos irritação, pois que assim
faltaremos, duplamente, com a caridade...
Jamais sejamos arrogantes ao
auxiliar alguém. Se dermos com soberba, feriremos mais do que beneficiaremos.
Sejamos brandos e excelentes, como verdadeiros cristãos! Deve-se dar algo ao
ébrio contumaz? - Sim, mas, de preferência, roupa ou comida. Não adianta muito
sermão a quem é desgraçado e tem fome. Falar com aspereza aos alcoólatras é
faltar com o amor cristão a esses infelizes, que também são dignos de nossa
piedade.
Escolher a quem dar, é ser juiz
entre os pobres, o que nos parece errado; a menos que se trate, evidentemente,
de um explorador. Mas ver exploradores em todos os pedintes, quando alguns são
mesmo miseráveis, é ter dureza de coração, que merece corrigida.
Busquemos, de preferência, as
misérias ocultas, pois os que já têm coragem de implorar, às vezes sofrem
menos.
Todavia, maior do que a caridade
material é, sem dúvida, a caridade moral.
XXV b
‘Apreciando a Paulo’
comentários em torno
das Epístolas de S. Paulo
por Ernani Cabral
Tipografia Kardec – 1958
Uma das epístolas mais edificantes
do Novo Testamento é a de São Tiago. Achamos que, com ela, ele retifica a
tradição de ter sido pouco liberal e muito apegado às exterioridades do culto
semítico, que quis introduzir no Cristianismo, chocando-se mesmo, vez por
outra, com a amplidão visual de Paulo, o apóstolo dos gentios, que desde sua
conversão na estrada de Damasco passou a combater “os preceitos e proibições”,
que enxameavam a palavra de Deus, na interpretação casuística dos rabinos.
Tiago termina sua admirável mensagem, afirmando:
“Saiba que aquele que fizer converter do erro
de seu caminho um pecador, salvará da morte uma alma, e cobrirá uma multidão de
pecados.” (Tiago, 5:20). Conseguintemente, a maior caridade que se pode
fazer à criatura é conduzi-la ao Criador. Mas devemos respeitar os que já têm
sua religião, aos quais não devemos atormentar com nossas ideias. Nossa conduta
no lar e na sociedade será o maior exemplo e o mais forte argumento para os
parentes e amigos. Devemos lembrar que nem todos estão em condições de aceitar
o Espiritismo-cristão, e, força-los a isto, é também faltar à caridade.
A crença tem de ser sincera e
espontânea para ser proveitosa ao Espírito. Podemos encaminhar com amor, mas
não obrigar os que Estão sob nossa tutela ou direção doméstica. A prece
reiterada e sincera em prol de alguém, tem mais poder do que a insistência, que
às vezes irrita.
Assim, devemos lançar a semente, de
preferência, no coração dos que não têm religião ou dos que se sentem abalados
com a sua. Estes geralmente estão mais aptos a aceitar a nova revelação de
Deus, que é o Espiritismo.
A caridade moral demonstra-se ainda
pelo bom conselho ou pela palavra tolerante ou consoladora, pelo estímulo à
prática das virtudes cristãs, pela orientação salutar, pelo passe benéfico ou
pela oração amiga, enfim, por todos os atos que manifestem amor ou bondade para
com o nosso semelhante.
“O
que semeia pouco, diz Paulo, pouco também ceifará.” Mas o que for abundante
na caridade, colhê-la-á com abundância em seu coração, onde se implantará o
reino de amor do meigo Nazareno. “Se
alguém me ama, guardará a minha palavra, e meu Pai o amará, e viremos para ele,
e faremos nele morada.” (João, 14 :23)
Por fim, o apóstolo das gentes
relembra, nessa sua Segunda Epístola aos Coríntios, o valor moral das
Escrituras, recordando o Salmo 112:9, que diz: “O justo é liberal, dá aos necessitados; a sua justiça permanece para
sempre, e a sua força se exaltará em glória.”
E ele repete:
“Espalhou, deu aos pobres; a sua
justiça permanece para sempre.
A realidade é que, através de várias
passagens da Boa Nova do Cristo e de seus apóstolos, vê-se o entrosamento do
Novo com o Velho Testamento, a que Allan Kardec deu também o merecido valor, um
completando o outro, assim como o Espírito Santo os interpreta com absoluto acerto.
São “as vozes do céu” que se comunicam com “os homens de boa vontade”, isto é,
com os que tenham ouvidos para ouvir e coração para sentir. Destarte, sendo o
Espiritismo o Consolador prometido por Jesus (João, 14:26), doutrina
essencialmente cristã, não se deve menosprezar a Bíblia, pois neste livro
fundamentam-se a Religião e a
Verdade,
que ora se harmonizam nos ensinamentos sublimes dos Mensageiros do Senhor.
Mas as Epístolas de Paulo
permanecerão sempre como uma fonte pura de amor, de onde jorra também a água
viva do Cristianismo, que dessedenta os Espíritos sequiosos de luz e de
verdade, sejam encarnados ou desencarnados, pois todos necessitamos também da
caridade suprema do Senhor Jesus e do amor infinito de nosso Pai Celestial,
consubstanciados nos ensinos generosos daquele livro imortal!
Que a Bíblia seja bendita pelos
homens de boa vontade, pelos cristãos de todas as seitas, e pelos espíritas,
que se devem colocar acima das ortodoxias e de qualquer intolerância religiosa,
procurando amplexar todos os irmãos da Terra, num gesto de geral e de intensa
fraternidade, mas dando o merecido valor ao “Livro dos livros”, como o farol
que encerra em seu bojo as três revelações de Deus.
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